sábado

A Pastelaria Bijou e a Identidade Municipal de Cascais



Ao longo dos últimos anos foram paulatinamente desaparecendo as referências que durante muitas décadas deram forma à identidade comercial de Cascais... da Casa Tomaz até ao Faraó, quem não se lembra do Café Tavares, da Casa do Mário, da Tabacaria Triunfo, da União Eléctrica Cascaense, do Átomo, da Galera, da Glória, do Cesteiro, do António de Alvide ou da Casa Torrado?


por João Aníbal Henriques


Mercê da evolução dos tempos, da morte dos comerciantes que as conceberam e das crises sucessivas que têm afectado o comércio tradicional, Cascais tem vindo a perder os pilares comunitários que ao longo de muitas gerações sustentaram uma forma de ser e de estar que consolidou a vocação cosmopolita da vila e, acima de tudo, tornou possível o sucesso extraordinário alcançado pela Região de Turismo do Estoril.

Agora as coisas funcionam a um ritmo diferente e os interesses de Cascais têm obrigatoriamente de se adaptar aos tempos em que outros interesses se lhes sobrepõem...

Exemplo disto é o que se prepara para fazer à Pastelaria Bijou, situada no Largo Camões, e que é hoje uma das últimas referências históricas do comércio de Cascais. Reconhecida pela sua longa história mas, sobretudo, pela extraordinária qualidade dos seus produtos e pela simpatia e profissionalismo dos que nela trabalham, a Pastelaria Bijou vai assistir a uma redução administrativa dramática da sua esplanada que, para além de comprometer a sua viabilidade comercial, vai significar necessariamente mais uma machadada na oferta do comércio Cascalense, que cada dia que passa se vai transformando cada vez mais num imenso Martim Moniz.

Sendo incompreensível a cegueira administrativa das entidades oficiais e notória a sua incapacidade para conhecer e reconhecer o que ainda resta da antiga e saudosa Identidade Cascalense, fica a certeza de que a concretizar-se, o desaparecimento da Bijou será mais um passo no sentido da anomia crescente que o poder partidário tem vindo a impor a Cascais.


Pedro Canelas, o proprietário da Pastelaria Bijou, fundador da Fundação Cascais e Cascalense assumido na defesa intransigente dos interesses de Cascais, integrou listas candidatas à autarquia de Cascais num partido diferente daquele que hoje controla a Nossa Terra.

Que tristeza o que está a acontecer em Cascais...

segunda-feira

A Saga da Linha da CP em Cascais




Em 1999, no âmbito da preparação das propostas da Fundação Cascais no processo de revisão do Plano Director Municipal, estivemos com Filipe Soares Franco e Pedro Cardoso, numa reunião com responsáveis pela CP para conhecermos a real situação em que se encontrava a linha de comboios de Cascais.

Nessa altura (já lá vão 16 anos) conhecemos a realidade dramática com a qual nos debatíamos: Uma linha tecnicamente em fim de vida, com problemas variados e muito graves e, sobretudo, com a necessidade de uma intervenção estrutural urgente que permitisse a alteração da bitola da linha para que nela pudessem circular comboios mais modernos.

A substituição do material circulante era já nessa altura impossível por não existirem comboios novos à venda no mercado e por estar a acabar o stock de peças. E a manutenção do que existia, depois de muitas décadas de trabalho, começava a ser tarefa cada vez mais complicada, por serem muitos e graves os problemas que iam surgindo quotidianamente.

Alertadas as entidades oficiais, desde o governo de então até à autarquia, passando pelos partidos políticos da oposição e pelos muitos autarcas que nos diversos órgãos municipais representavam e diziam defender os interesses dos Cascalenses, ninguém se importou realmente com o que estávamos a dizer.

A esperança de vida da linha era, nessa altura, superior a um mandato eleitoral e, por isso, seria problema que teria de se resolvido por quem viesse governar Cascais mais para a frente…

Esta semana, quase duas décadas depois desse nosso alerta, a CP veio anunciar uma redução dramática de 51 comboios diários na linha de Cascais. Com reduções de horários, que ficam a dever-se à falta de material e não à falta de utentes, esta redução configura um importante revés para a vida dos milhares de passageiros que diariamente utilizam a Linha de Cascais, e também para as acessibilidades turísticas à Costa do Estoril.

Há 16 anos atrás, quando tornámos público este problema e o incluímos no conjunto de propostas que entendíamos que deveriam constar na revisão do PDM, ninguém quis saber e os actuais autarcas de Cascais, que nessa altura já eram autarcas, assobiaram para o lado e fingiram que não era nada com eles.


Agora, perante as evidências, todos gritam de forma unânime! Agora, tentando rentabilizar a seu favor o desencanto e o descontentamento dos utentes, já todos se preocupam com o que está a acontecer. Porque é este o Cascais que temos. 

sexta-feira

Je Suis Hypocrite




por João Aníbal Henriques

Sendo inquestionável que a liberdade é um valor civilizacional e que qualquer ataque que contra ela seja perpetrado põe em causa o humanismo em que ainda vivemos, o vil ataque contra o semanário francês “Charlie Hebdo” desencadeou um conjunto absolutamente inusitado de reacções dando forma a um exercício de hipocrisia transversal que é inaceitável num mundo verdadeiramente democrático como aquele que defendemos.

Na manifestação solidária de Paris, como também noutras que se espalharam pelo mundo fora, líderes de vários países viraram costas às discordâncias e gritaram em uníssono que todos eram Charlie. De todos os continentes, com crenças diversificadas e religiões por vezes antagónicas, houve unanimidade na condenação ao terrorismo e ao que aconteceu na redacção do jornal francês.

Mas esqueceram-se hipocritamente de várias coisas essenciais. Esqueceram-se que a liberdade enquanto valor absoluto não pode sobrepor-se a outros valores que, como ela, são essenciais na corporização do mundo que queremos. Liberdade sem responsabilidade e sem respeito transforma-se desde logo numa arma terrível que uns tantos, à sua sombra, não deixarão de utilizar contra aqueles que pensam de maneira diferente. Liberdade sem conhecer, perceber e assumir as diferenças entre os homens, entre as suas crenças, entre os seus usos e costumes e entre o conjunto de valores que enformam a sua identidade, é um exercício totalitário que assenta no controle da vontade alheira. Liberdade sem transparência e honestidade, é um mero lençol que vai cobrindo os males que se fazem e impedindo a comunidade de os conhecer.

E no Sábado, na enorme manifestação e que encheu televisões e jornais no mundo inteiro, os líderes vieram de todo o lado e deram os braços para se solidarizarem com as vítimas do semanário francês. Mas esqueceram-se que, virando as costas aos pilares primordiais que sustentam a própria liberdade, estão com este seu acto hipócrita a distorcer a realidade e a impedir o mundo de progredir livremente.

Nestes últimos tempos têm sido infelizmente muitos e inaceitáveis os actos de violência contra a humanidade que têm vindo a acontecer. Por todo o Médio Oriente, na Palestina, em Israel, na Turquia, na Ucrânia, na Síria, no Paquistão, no Egipto e em muitos outros locais, houve terroristas que mataram gente a coberto da pretensa defesa da liberdade ou de um culto qualquer.

E que eco tiveram ou têm todas estas desgraças que estão acontecer? E que impacto vão ter na definição das políticas por esse mundo fora e de que forma vão ajudar a transformar a humanidade tal como a conhecemos? Nenhum. Praticamente!

E não tiveram porque em Paris se reuniram os líderes que confundiram religião com terrorismo. Porque em Paris todos deram os braços esquecendo e fazendo esquecer o que nos seus países continua a acontecer. Porque em  Paris todos se abstiveram (ou foram incapazes) de falar sobre o respeito, a responsabilidade e sobre o conjunto de princípios basilares do humanismo que eles próprios são incapazes de ter. Hipocrisia simplesmente…

Valeu-nos uma vez mais o Papa Francisco, líder dos Cristãos Católicos e que cada dia que passa se vai transformando progressivamente no fulcro que o mundo precisa de ter. Sem encenações, sem moralismos fajutas, sem medo de ferir susceptibilidades daqueles que dão os braços por valores que nem eles próprios têm coragem de verdadeiramente defender, foi livre ao explicar o que se passou no semanário “Charlie Hebdo”.

Não é de religião nem de liberdade de imprensa que se trata. Não se trata de Cristãos, Muçulmanos ou Judeus. Trata-se de bandidos que em Paris, como no Médio Oriente e nos espaços que atrás referimos, cometem crimes contra toda a humanidade de uma só vez.

Para que o mundo possa ser verdadeiramente livre, e todos possam viver acreditando naquilo que quiserem, é preciso acabar com hipocrisias como esta.

Cinismo Verde em Portugal




por João Aníbal Henriques

O ano de 2015 inicia-se em Portugal com uma tresloucada apetência pelas preocupações ambientais… num acto de desvario que resulta do cruzamento sempre complexo entre as necessidades eleitorais e as que resultam da crónica falta de dinheiro, o estado e as autarquias de diversas sensibilidades políticas e partidárias convergem numa pseudo-defesa intransigente dos interesses ambientais de Portugal, utilizando essa máxima descabida para esconder as reais motivações que estão por detrás da decisões que vão tomando para defender os seus interesses particulares.

A primeira destas medidas foi a da chamada “política dos sacos”. Concretizada pela coligação governativa formada pelo PSD e pelo CDS, pretende cobrar-se um imposto que adjectivam como “verde” sobre cada saco de plástico utilizado em Portugal. Dizem eles (e têm razão) que o plástico utilizado nos ditos sacos é imensamente poluente e que, com este imposto, Portugal conseguirá reduzir drasticamente o impacto negativo que tem nesta área.

Mas dizem também, sem nenhuma vergonha, que a política dos sacos resulta em primeira instância da necessidade de colmatar o défice orçamental imposto pelo chumbo das propostas orçamentais pelo Tribunal Constitucional. Em suma, se não houvesse este conjunto de constrangimentos orçamentais, o governo pouco se importaria com o impacto dos sacos no ambiente e jamais lhe passaria pela cabeça a criação deste imposto cinicamente “verde”!

Em linha com este exercício hipócrita, e novamente ao sabor do eleitoralismo que dará forma a 2015, a câmara socialista de Lisboa veio mostrar-se preocupada com o ambiente no centro da cidade (no resto da cidade não importa nada a poluição…) e impôs restrições à circulação automóvel em algumas zonas da cidade.

E tem razão para se mostrar preocupada. A poluição provocada pelo trânsito automóvel é enorme e precisamos urgentemente de criar medidas que libertem as nossas cidades deste flagelo.

Mas, no caso específico de Lisboa, a hipocrisia dá forma a mais esta medida hipocritamente “verde”. Ao estabelecer uma idades para definir os carros que podem, ou não, circular na cidade, a edilidade assumiu que os critérios para essa circulação não são o grau de poluição provocado pelos veículos, mas sim uma cínica balança entre os votos dos quais necessitam os partidos que estão no poder, e o politicamente correcto que desde sempre se associa ao ambiente.

Senão vejamos: um Opel Corsa B, adquirido novo em 1997, com uma cilindrada de 1200 cm3, emite 156 g/km de CO2 e está proibido de circular em grande parte da cidade de Lisboa. Mas, por exemplo, um BMW 550D, adquirido novo em 2014 e com um índice de emissões na ordem dos 166 g/km de CO2, mais elevado do que a do velhinho Opel Corsa, pode circular livremente!