As tendências urbanísticas de um
local, mais do que um reflexo do gosto de então, espelham sobretudo o pulsar
interno da ida de uma nação ou de um povoado.
A dispersão das casas, o maior ou
menor estreitamento das suas vias, a altura e o aspecto das suas edificações, a
monumentalidade das suas igrejas e templos, são acima de tudo características ditadas
por uma série de situações que derivam directamente do devir das populações.
Assim, para compreender o Cascais
da actualidade, importa conhecer melhor a história do seu desenvolvimento
urbano, dele retirando as pistas que nos permitirão conhecer e perceber o
substrato político, económico e social que deu corpo àquilo que hoje temos e
somos.
Com este objectivo bem definido,
vamos então traçar as verdadeiras tendências urbanas desta região, utilizando a
documentação histórica coeva e integrando-a, sempre que possível naquela que
exista para os concelhos limítrofes.
A demografia, na sua vertente
mais pura, assim como os censos populacionais, as inquirições religiosas e os
demais instrumentos de trabalho desta área científica, reforçarão as hipóteses
e as pistas que daremos acerca do pulsar político de Cascais ao longo dos
tempos.
O Concelho de Cascais, rico,
ontem como hoje em potencialidades e belezas naturais, desde cedo despertou a
atenção e o interesse da espécie humana. A amenidade do seu clima, a riqueza
das suas águas, a fertilidade das suas terras e a posição estrategicamente privilegiada
em que se encontra, foram factores decisivos na definição da história
municipal.
Deixando de lado as questões
directamente relacionadas com os primeiros anos da ocupação do território (que poderá rever AQUI), procuraremos acima de tudo dar uma panorâmica daquilo que foi
Cascais e o seu termo no período imediatamente posterior à libertação jurídica
face a Sintra.
Assim, no período que medeia o
ano de 1364, data em que Dom Pedro I concede o foral a Cascais, e o ano de
1370, data em que Cascais fica efectivamente livre do jugo de Sintra pela mão
do Rei Dom Fernando I, todo o termo do Concelho sofre enormes transformações.
Se, por um lado, assistimos à
criação de toda a plêiade de cargos administrativos inerente à nova posição
política concelhia, por outro, terão de ser criadas as condições urbanísticas
necessárias à manutenção e alojamento das pessoas que resultam deste acréscimo populacional.
O termo de Cascais, por seu turno, e mercê das enormes dificuldades que
resultavam do esforço de manter e defender a independência, teve também de
contribuir para esse esforço de afirmação política, assistindo-se na mesma
época ao aproveitamento de uma série de potencialidades que existiam em todo o
território municipal.
São, desta forma, desta época, a
maior parte das edificações e casas antigas de Cascais, principalmente aquelas
que vieram ocupar os espaços situados no núcleo intra-muralhas e na margem
direita da Ribeira as Vinhas, e que complementaram os extensos espaços ocupados
pelas habitações dos pescadores espalhadas ao longo da linha do mar. Estas,
como é evidente, seriam muito mais precárias, construídas de madeira e em forma
de abarracamentos. O Paço dos Senhores de Cascais, de influência marcadamente
italiana, surge somente em finais do Século XVI, pese embora se situasse dentro
do perímetro das muralhas antigas da vila, sensivelmente onde hoje se encontra
a Casa do Conde Monte Real, na Avenida Dom Carlos. O Convento de Nossa Senhora
da Piedade, já fora desse mesmo recinto, é seu contemporâneo, complementando
assim os domínios de Gomes Lourenço de Avelar a quem Dom Fernando entregara, em
1370, as terras de Cascais: “seu caualleyro e […] guarda moor e leal vassalo”.
No dia 7 de Junho de 1373, cerca
de três anos depois da primeira doação, o mesmo monarca desfaz o documento
original, penalizando Gomes Lourenço de Avelar por este se ter recusado a
entregar um dos seus filhos como refém no âmbito da assinatura do Tratado de
Santarém. Neste último documento, a vila de Cascais é entregue a Henrique
Manuel de Vilhena, figura pouco quista entre as gentes do concelho. É aqui que
pela primeira vez surge uma menção ao Reguengo de Oeiras que, a partir desta
mesma altura, passa a integrar o termo de Cascais.
Em 3 de Julho de 1384, sabemos
que Henrique Manuel de Vilhena já havia sido desapossado do senhorio, porque
andava então “em deserujço destes regnos e senhor com elrey de Castella”
(Chancelaria de Dom João I).
Nesta época o território do termo
de Cascais seria já muito semelhante àquele que conhecemos actualmente,
exceptuando-se a integração do Reguengo de Oeiras ou de parte dele, conforme
veremos adiante, e o acrescento posterior de alguns territórios que ainda
pertenciam a Sintra e que o Rei, por considera-los seus, resolveu integrar no termo
cascalense. Na carta de foral de 8 de Abril de 1370, Dom Fernando I integra no
termo de Cascais territórios bem definidos: “Por seu termo como se começa pollo
porto de Touro (fooz do Touro) e desy per cima da debaruas de Rey e dhy acima
da malueirra e pella pena da era e desy como se vay dhi endiante atta o açude
daacenha do tarãbulho e desy como se vay per cima de janas torta os fornõs da
cal acima daaçenha do caminho todo agoas vertentes e desy pella strada dirrejta
ao rio do trotulho com villa noua e desy como se vay pela strada do camjnho de
lixboa atta as portas de manique e dhy adiante pello veeiro acima como se vay
topar na strada de sintra que vay topa na ponte do rio ao mar vaao todalas
quetaães e herdades que ora o dicto gomez Lourenço há em rio de mouro aaller e
aaquê daagoa do dicto rio de mouro e outrossy a aldeã dalgafamy”. (Chancelaria
de Dom Fernando).
O aspecto urbano de Cascais e do
seu termo seria assim uma constante de contradições incluindo no seu seio o
povoamento rural das zonas interiores, as zonas que haviam sofrido maiores
influências islâmicas situadas nas faldas da Serra de Sintra, bem como as zonas
mais urbanas situadas no centro da vila, consolidando assim um quadro
marcadamente ecléctico e de abertura cultural que dará corpo àquilo que tem
sido Cascais ao longo dos anos.
De salientar ainda, neste quadro
daquilo que é a face urbanística de Cascais nos inícios da Idade Moderna, o
povoamento disperso em pequenos casais espalhados aleatoriamente ao longo dos
mitos e pequenos riachos que lhe sulcavam a terra. Este aspecto, como se verá
no desenvolvimento económico concelhio (ver HENRIQUES, João Aníbal, História
Rural Cascalense, Cascais, Junta de Freguesia de Cascais, 1997), prenderá a
atenção de Jorge Fernandez, enviado do Rei que, em 19 de Setembro de 1527
elabora o primeiro censo populacional conhecido para esta vila.