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quarta-feira

Capela de Nossa Senhora da Piedade da Quintã em Porto Salvo



por João Aníbal Henriques

A primeira impressão que evoca a Capela de Nossa Senhora da Piedade, na estrada que liga Oeiras a Porto Salvo, é de enorme estranheza. Não só pelo contraste latente entre a beleza telúrica daquele espaço e o estado de abandono e ruína em que se encontra, como também pela notória qualidade da sua construção, bem visível nos enormes blocos de pedra que foram utilizados para a sua edificação.

A data de 1737, colocado na arcaria situada na fachada principal, terá sido porventura a data da sua construção original, apesar de a Junta de Freguesia de Porto Salvo nos informar que noutros tempos existiriam no seu interior magníficos painéis de azulejos datados do final do Século XVIII, e posteriores ao grande terramoto de 1755, que representavam Jesus Cristo a Caminho do Calvário e a Descida da Cruz.



O culto a Nossa Senhora da Piedade, aqui integrado no contexto agrícola da antiga Quinta da Quintã, onde a capela se integrava, surge perfeitamente em linha com outras obras existentes na área da grande Lisboa. E aqui, literalmente no enclave entre as grandes propriedades exploradas no Século XVIII pelo Marquês de Pombal, ganha especial relevo esta ligação teúrgica entre a ruralidade contextual do edifício e a própria vivência social das comunidades que habitavam nas imediações ou que ali trabalhavam sazonalmente.

A dependência relativamente aos ciclos da natureza, sempre incontornáveis na perspectiva prática e pragmática da vida, só pode amenizar-se através da Fé e da oração. E, quando assim é, em Porto Salvo como em todos os espaços onde a memória saloia perdura, são sempre os rituais marianos que enquadram a esperança comunitária.

A figura de Nossa Senhora, que piedosamente nos transporta para os planos mais elevados da espiritualidade, ganha, em contexto rural, um cunho quase mágico, transformando-se a Mãe de Jesus histórica, na personificação sempre presente da mãe espiritual de toda a comunidade. É dela que dependem as colheitas e a consequente fartura de alimentos. Ou, em situação inversa, o castigo dos maus anos agrícolas com o sempre presente registo de fome da comunidade. Como é evidente, sem que qualquer dessas situações dependesse da aplicação ou do trabalho do homem do campo, ficando inteiramente ao dispor da vontade de Deus.



Nossa Senhora da Piedade, a grande medianeira entre a Terra e o Céu, é igualmente uma figura mágica. Porque tem a capacidade de, estando junto de Deus, influenciar as suas decisões relativamente aos seus filhos. Por isso a prece aqui proferia é sempre especial, assumindo a imagem venerada o papel de uma verdadeira escada que permite ao Ser Humano subir até aos píncaros do Céu. Scala Coeli, a alquímica escada que faz das preces aqui conscientemente rezadas a verdadeira Ciência de Maria… alquimia… a capacidade de transformar terra, ar e água em pão e de assim alimentar a comunidade.

Também conhecida como Nossa Senhora da Esperança, a evocação deste templo transporta-nos assim para esse registo rural, em linha com aquilo que foi a génese política do Município de Oeiras e, de alguma forma, explicativa da  dedicação e cuidado que recebeu da parte da Família Pombal.

Bem visível na sua fachada está a estrela de oito pontas, que fazia parte do Escudo de Armas do Marquês de Pombal e que aqui representa a rosa dos ventos, numa ambígua alusão que fica implícita ao movimento incontrolado dos astros e à sua capacidade de influenciar os destinos humanos sobre a Terra. Imaginada para ser vista em movimento, até porque a vida é um jogo que os homens não dominam por completo, a estrela que decora a Capela de Nossa Senhora da Piedade vem reforçar essa ligação imensa entre o destino deste lugar e a sua dependência de Deus.

O estado de abandono e ruína em que esta capela se encontra, possivelmente derivada do facto de a antiga Quinta da Quintã ter sido totalmente esfacelada no final do Século XX com a construção da imensa rede viária que a retalhou em várias partes, resultará também da sua pouca acessibilidade. Quem a quer visitar é obrigado a contornar as rotundas e, sem se enganar, desviar prontamente para o pequeno acesso que permite entrar no velho adro. Não é fácil e normalmente a visita vai-se adiando…

Mas vale a pena! Porque a riqueza do seu significado e contexto ajuda a perceber o que foi, o que é e o que ainda poderá vir a ser o pujante e sempre magnífico Município de Oeiras.





sexta-feira

O Carnaval de 1939 no Casino Estoril




por João Aníbal Henriques

O Mundo vivia envolvido num clima de profunda tensão em 1939, e a Europa, marcada pela ascensão política de Adolf Hitler e do III Reich alemão, debatia-se com a dúvida relativamente ao que fazer perante aquela absurda e rápida tomada de poder. O clima de incerteza era enorme e no horizonte político de curto prazo sabia-se que era possível iniciar-se uma guerra devastadora com consequências imprevisíveis para o velho continente e para os países que o compunham há muitos séculos.

Mas no Estoril, paraíso resguardado num enclave de paz e serenidade, a vida continuava quase alheada do que estava a acontecer…

No Carnaval de 1939, num Mundo prestes a entrar em guerra, o Casino Estoril anuncia uma animada e extraordinária festa com cunho internacional. Para além dos corsos que se multiplicaram pelas ruas apinhadas de público daquela maravilhosa estância balnear, nos quais participaram artistas de renome internacional e que contou até com um carro decorado pelo próprio Salvador Dali, o canal de televisão americano CBS, com o seu renomado programa conduzido pelo conhecido Ed Sullivan, transmitiu o seu famoso show a partir do Casino Estoril.

A alegria e a elegância dos Estoris, era assim apresentada numa profusão de bailes temáticos em que os participantes entravam vestidos a rigor.

E o Estoril, apresentado como a estância com o inverno mais suave da Europa, era verdadeiramente o paraíso para reis, príncipes e princesas que ali faziam brilhar o charme próprio de quem sabia ser gente muito especial que tinha a sorte de poder estar no mais especial de todos os destinos daquelas Europa em pânico!  



 


terça-feira

Nossa Senhora da Graça de Cascais


por João Aníbal Henriques

Diz-se na “Chancelaria de Dom Fernando” que em 1364, quando pescavam nas águas da baía de Cascais, os pescadores encontraram submersa uma magnífica imagem de Nossa Senhora com o Menino ao colo. Talhada em madeira de cipreste, a imagem era de tal maneira formosa que foi desde logo apelidada de Nossa Senhora da Graça, facto que consolidou a devoção dos pescadores cascalenses àquela evocação antiga de Nossa Senhora. O fervor da oração em torno da imagem foi tanto que, mercê da fama angariada por esse Portugal fora, foi a imagem entregue à guarda dos Frades Agostinhos de Lisboa, que a colocaram em lugar de destaque no Altar-Mor do seu mosteiro na capital. Nasceria assim o Bairro da Graça, onde o tal mosteiro estava implantado, reforçando o fervor devocional do povo antigo de Cascais!