quinta-feira

O Palácio Real da Cidadela de Cascais







por: João Aníbal Henriques


Depois de quase meio século de abandono e de ter atingido um estado de incúria e desleixo que o levou a pré-ruína, foi finalmente recuperado o Palácio Real da Cidadela de Cascais.

O edifício, originalmente mero aposento integrado no aquartelamento militar que ocupava a Cidadela, foi adaptado a palácio real em 1870 quando o Rei Dom Luís I e a Rainha D. Maria Pia escolheram Cascais como estância de veraneio. Do final do Verão e até meados do Outono, a Casa Real Portuguesa e os membros da corte instalavam-se em Cascais para vir a banhos e, no caso específico do Rei, para que ele pudesse usufruir de forma sentida da paisagem marítima de Cascais.

Embora sem grande importância arquitectónica, contrastando, aliás, com o fausto de alguns dos palacetes construídos em Cascais por membros da Corte, o Palácio Real da Cidadela é uma das mais importantes e significantes peças do património histórico desta Vila piscatória. Depois da chegada da Família Real, e até final do regime monárquico, em 1910, Cascais foi completamente transformada naquilo que ainda é hoje. Os laivos da pequena e desinteressante aldeia destituída de motivos de interesse e sobre a qual corria o ditado “A Cascais uma vez e nunca mais”, transformaram-se numa das mais requintadas, cosmopolitas e extraordinárias terras de Portugal, levando a que o dito popular se transformasse numa coisa completamente diferente “A Cascais uma vez e muitas mais!”.

As obras de recuperação que agora terminaram, exigidas pelo povo de Cascais desde há muitas décadas, deveriam ser uma boa notícia nestes tempos turbulentos que atravessamos. Mas não são.

Não são, porque apesar de ser unânime que a vocação de Cascais é o turismo, e que para fomentar a excelência nessa área é essencial que a região possua equipamentos de diversas índoles que sirvam de atractivo para uma visita, o Palácio Real de Cascais vai continuar a estar sob a tutela da presidência da república e, na prática, inacessível aos Cascalenses.

Apesar de ter servido pontualmente de residência de alguns presidentes da república, o Palácio Real da Cidadela de Cascais nasceu e afirmou-se (fazendo nascer e afirmar a própria estância turística de Cascais) sob a alçada do enorme amor dos Reis Dom Luís e Dom Carlos ao mar e à Baía de Cascais. Foi, dessa maneira, o cerne da modernização que estes Monarcas trouxeram ao País, ali se centrando muito do pensamento científico e cultural do Portugal contemporâneo. É por isso, aliás, que a designação oficial do edifício é “Palácio Real” e não palácio presidencial…

O acto de manter o Palácio Real da Cidadela sob a alçada da presidência da república, numa altura em que Cascais necessita de um espaço que possa funcionar como local de excelência para a realização de grande parte das acções de charme que estão por detrás da captação para a Região do Estoril dos grandes eventos que alavancam a afirmação deste espaço como destino de excelência na Europa, é um contra-senso total e absoluto pois priva o município de poder potenciar a sua vocação essencial. Depois, em termos da afirmação da Identidade Municipal, é também um contra-senso, numa altura em que o vínculo das comunidades locais aos espaços onde habitam é condição fundamental para a criação dos laços de cidadania da qual depende a superação das dificuldades que actualmente atravessamos.

O Palácio Real da Cidadela de Cascais é o cadinho no qual nasceu, cresceu e se impôs o Cascais que hoje conhecemos e, como tal, deveria estar acessível, de forma livre e incondicional, para que os Cascalenses de todas as idades o pudessem ver, conhecer, sentir e tocar.

Só assim, libertando-se este edifício do jugo imposto legalmente pelas vicissitudes históricas que constrangeram Portugal em 1910, se poderá fazer jus à grata memória que Cascais mantém relativamente ao que lhe trouxe a Monarquia e, dessa maneira, se poderá cumprir a vontade reiteradamente expressa pelo Rei Dom Carlos de que a estadia da Corte em Cascais fosse sinónimo de desenvolvimento e qualificação da vida dos Cascalenses.

O Palácio Real da Cidadela deve ser devolvido aos Cascalense. Até porque, como dizia o Rei Dom Carlos: “Cascais é a terra onde o povo é mais nobre e na qual a nobreza é mais popular!”


Os Espaços Exteriores do Palácio Real da Cidadela de Cascais











O Interior do Palácio Real da Cidadela de Cascais











A Sala Árabe




No primeiro piso do Palácio Real da Cidadela, a Sala Árabe foi o espaço escolhido pelo Rei Dom Luís I para resignadamente esperar a agonia da morte. Ali, com vista para a Baía de Cascais, o Monarca morreu olhando o mar que tanto amava...

segunda-feira

Mónica de Morais Inagura "Tempo" na Galeria da ALA no Monte Estoril





Foi em tons marcados pelas cores envolventes que caracterizam a obra da pintora, que a ALA inaugurou na sua galeria no Monte Estoril a exposição de pintura e gravura intitulada “Tempo” de Mónica de Morais.

Recriando um universo onde a sua marca pessoal se afirma de forma inexorável, Mónica de Morais utiliza a tela como suporte para um exercício marcante e inesquecível que transborda de realismo e emotividade.

A exposição agora inaugurada, na qual o tempo se confunde com os tempos através de pontes que relacionam as vidas que a pintora ali colocou, representa uma oportunidade única de conhecer e perceber uma das mais impactantes artistas plásticas da Portugalidade.

A exposição estará patente até final de Janeiro, todos os dias entre as 14h00 e as 1800. A não perder.








«Mónica de Morais não deixa que lhe imponham o que pinta, nem sequer pretende corresponder a modas efémeras ou a interesses específicos, limita-se a cursar um roteiro feito de busca plástica onde não só a temática é relevante, como o são, também, as várias técnicas ensaiadas, onde a Pintura não é a única arte maior, sendo sabiamente acolitada pela Gravura»

Paulo Morais-Alexandre

quinta-feira

O Sonho da Eternidade em Luís Athouguia




Na obra de Luís Athouguia cruzam-se formas – quase disformes – e cores, marcando fronteiras entre os espaços que vão compondo os cenários fictícios que ele vai imaginando.

Normalmente os seus quadros estão vazios. Não mostram caminhos, nem facultam direcções que nos permitam seguir viagem através dos terrenos bem cartografados onde nos parece que é seguro caminhar. Deixam escapar uns laivos de orientação, à laia de engodo para nos prender a atenção e nos fazer olhar ou… ver.

As suas obras, serpenteando de forma imprecisa através dos trilhos que cruzam e recruzam o Mundo não podem ser descodificadas. Mantêm-se presas àqueles laivos mais pressentidos do que sentidos que formam o cenário dos sonhos. Ali, numa matéria de tal maneira ancestral que deixa transparecer os aromas sublimes dos tempos em que nasceram os nossos primeiros avós, perdemo-nos sempre, deleitando-nos com o prazer sem igual de percebermos que só dessa maneira podemos reencontrar o rumo certo.

É difícil, senão impossível, descrever com exactidão a pintura de Luís Athouguia. Em primeiro lugar porque ele subverte por completo a lógica, o raciocínio e o pensamento da gens humana. Depois, porque ao distorcer a sua origem, nos impele em navegações que ultrapassam largamente as fronteiras do real, obrigando-nos a entrar em campos nos quais a matéria já não importa e onde os aromas, as cores e as formas mais não são do que ilusões efémeras que deixam para trás a realidade mais palpável.

A maior parte dos artistas são génios. São-no porque interiorizam a capacidade quase esquizofrénica que traduzir na tela ou no papel a nossa própria perspectiva acerca do Mundo real. Fazem-no com mestria e, quando de grandes mestres tratamos, sentimos que consagram numa só obra toda a multiplicidade de universos que carregam consigo todos os que os com eles se vão deslumbrando.

Com Luís Athouguia é tudo ainda mais transcendente, superando de forma exponencial o substrato místico que na arte prevalece. A sua obra, transbordando sensibilidade onírica, aprofunda de forma inquietante os princípios mais singelos que dão forma à existência e ao quotidiano. Ao contrário dos outros, que oferecem uma eternidade fictícia que tolda a noção que temos da inultrapassável efemeridade da vida Humana, Athouguia sublinha esse carácter visceral do dia-a-dia e consagra nas suas obras o cunho imediatista, finito e frágil que nos envolve a todos por igual.

Não existem meias-palavras na obra de Luís Athouguia. Nem palavras sequer. As linhas e as cores, transfiguradas em painéis que não esbatem o universo maravilhoso em que estamos mas que aguçam os pensamentos perdidos no meio dos nossos sonhos, são pontes efectivas que nos transportam até à verdadeira eternidade. Não aquela eternidade ilusória em que o fim não existe e em que os tempos se vão esticando até mais não… ele vai ao princípio, à matéria primordial, e é ali, naquele cadinho da alma, que encontra a verdade suprema e a totalidade do que não pode ser concebido…

É preciso coragem para literalmente podermos mergulhar na obra dele. É fundamental que o façamos num estado de liberdade absoluto que geralmente só encontramos quando conciliamos o sono com o sonho e nos libertamos das amarras do real. Só assim podemos conceber e sentir os universos alternativos que os seus quadros nos trazem. É com essa forma subliminar, livres e atrozmente perdidos, que podemos conceber os caminhos novos que a sua obra nos propõe.

Só dessa maneira, assumindo o carácter transitório do presente em que respiramos, o fechar dos ciclos passados em que suspirámos e antevendo alquimicamente as formas novas a que o futuro nos irá conduzir, podemos inverter as premissas do tempo e tornar-nos irresistivelmente imortais.

É isso que nos oferece Luís Athouguia. A eternidade de onde viemos, onde estamos e onde ficaremos sempre.

Mesmo que sejamos incapazes de o perceber!