sexta-feira

Palácio do Conde de Verride: Um Escadote Social na Cidade de Lisboa



por João Aníbal Henriques

As casas e as ruas de uma cidade, para além das suas funções práticas, relacionadas com a circulação e a residência, desempenham outros tipos de funções que enquadram formas alternativas de organização dos espaços e das comunidades que as habitam. 

 A componente estética, com as implicações que tem na forma como se vive a cidade, conjuga-se com uma funcionalidade de âmbito social, tantas vezes preterida nas análises que se fazem ao espaço urbano, mas que, em contraponto com as componente relacionadas com o devir diários dos seus habitantes, pressupõe uma intervenção de fundo ao nível da organização dos grupos, das gentes e das relações interpessoais. As casas são, por vezes, autênticos escadotes que os seus proprietários utilizam para se afirmar perante os outros, assumindo que a componente estética, associada a uma verdadeira arquitectura de cenário, desempenha o mais importante papel na forma como foi concebida, pensada e edificada. 

 É o que acontece, por exemplo, com o Palácio do Conde de Verride, também conhecido como Palácio Santiago-Prezado, situado no Alto de Santa Catarina, junto ao espaço onde se situava a antiga Igreja Paroquial de Santa Catarina, destruída por completo pelo terramoto de 1755. 

 Construída na primeira metade do Século XVIII, o palácio foi residência do Barão e Visconde de Molelos, Francisco de Paula Silva Tovar, que dá origem a um processo complexo de venda e revenda sucessiva do imóvel que vai passando pela mão de vários proprietários.

 Da política, às finanças, passando ainda pela fina flor da aristocracia Portuguesa do final do Século XIX, o Palácio de Verride serviu sempre como forma de os seus proprietários consolidarem a sua posição no seio da sociedade Lisboeta. Adquirida em 1910 por João Lobo Santiago Gouveia, o palácio vem consolidar, na época conturbada da implantação da república, a recém nobilitação do seu novo proprietário que havia sido feito Conde de Verride em 1901. 

 Com uma localização única num dos mais extraordinários recantos de Lisboa, o Palácio de Verride encontra-se encerrado e é actualmente propriedade da Caixa Geral de Depósitos.

O Palacete de Santa Catarina / Museu da Farmácia




por João Aníbal Henriques

Construído em 1862 por José Pedro Colares Pereira, o Palacete de Santa Catarina, situado no largo com o mesmo nome junto de um dos mais extraordinários miradouros de Lisboa, é hoje o Museu da Farmácia, onde possível conhecer o percurso e a história das farmácias em Portugal.

O imóvel, que se encontra em excelente estado de conservação, foi vendido no final do Século XIX a industrial Alfredo da Silva, fundador da CUF, que o deixou em herança ao seu genro D. Manuel da Silva.


Com uma localização privilegiada num dos recantos com mais impacto visual da Cidade de Lisboa, o Miradouro de Santa Catarina, o palacete ocupa o espaço onde outrora se encontrava a Igreja Paroquial de Santa Catarina que ruiu com o terramoto de 1755.





quinta-feira

A Basílica da Estrela - Convento do Santíssimo Coração de Jesus



Por João Aníbal Henriques

Construída na sequência de um voto formulado pela Princesa Dona Maria (futura Rainha Dona Maria I) de que ergueria uma igreja e um convento no caso de conseguir ter um filho primogénito varão, a basílica da Estrela, também conhecida poe ‘Real Basílica’ ou ‘Convento do Santíssimo Coração de Jesus’ é um dos mais expressivos e impactantes monumentos da Cidade de Lisboa.

Com traço do Arquitecto Mateus Vicente de Oliveira, o templo era um misto de residência real, onde a rainha Dona Mara se recolhia envolvida em pompa e em fausto que contrastava com a natureza conventual que lhe havida dado forma, a Basílica da Estrela foi a primeira igreja do Mundo dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, tendo servido como convento Carmelita até à extinção das Ordens Religiosas, em 1834.



O carácter único do espaço, bem expresso neste misto de palácio e convento, que ainda hoje é visível no contraste profundo entre a pobreza assumida que existia nas celas clausurais e a ostentação das zonas reservadas ao uso da rainha, consolida-se com a existência no seu interior do mausoléu que alberga os restos mortais da própria Dona Maria. A rainha é, aliás, a única monarca da Dinastia de Bragança que não está sepultada no Panteão Nacional, descansando na Estrela pela sua expressa vontade.



A cerimónia de consagração da basílica, ocorrida em 1799, foi marcada pela presença das mais importantes figuras e famílias do Reino, tendo ficado eternizada nas memórias de muitos daqueles que tivera a oportunidade de estar presentes.

Uma das mais interessantes versões desta cerimónia, em linha com a vontade da rainha de recentrar na Estrela o culto Católico em Lisboa, encontra-se nas memórias da Marquesa de Alorna, da Família Távora, que descreve com rigor o ambiente de fausto que se viveu nesse dia.



Para além da monumentalidade do edifício, e das especificidades arquitectónicas, existe ainda outros motivos de interesse que reforça a premência de uma visita: o Presépio de Machado de Castro e o pequeno terraço situado no topo do torreão, do qual se desfruta de uma das mais extraordinárias (e menos conhecidas) vistas da Cidade de Lisboa. 


quarta-feira

O Palácio de São Bento - Assembleia da República



por João Aníbal Henriques

Marcado por uma História longa que se iniciou no final do Século XVI, o Palácio de São Bento foi originalmente um Convento Beneditino, designado Convento de São Bento da Saúde, construído em estilo neoclássico com projecto de Afonso Álvares.

O arquitecto, que foi também responsável pelos projectos das Sés de Leiria e Portalegre, bem como pela Igreja Lisboeta de São Roque e o Aqueduto da Amoreira, em Elvas, optou por vencer o desnível do terreno aproveitando de forma harmoniosa a localização privilegiada do edifício principal que, colocado centralmente, permitia reforçar o carácter cénico e monumental da sua enorme estrutura.

Tendo sido dos poucos edifícios da Cidade de Lisboa que não sofreu ruína com o Terramoto de 1755, manteve-se em funções até à Extinção das Ordens Religiosas, em 1834, altura em que o Arquitecto Possidónio da Silva foi responsável pelas primeiras obras de adaptação do edifício, depois de o mesmo ter sido confiscado pelo Estado. 

O antigo convento funcionou como sede das cortes desde então, e ardeu por completo em 1895 como consequência de um incêndio que fez desaparecer todo o recheio e a estrutura interior. Foi nessa altura, num processo de obras moroso que o transformaram naquilo que hoje conhecemos, que o Arquitecto Ventura Terra projectou as enormes escadarias monumentais que enformam a fachada e que foram construídas somente em 1933, quando o espaço passou a ser conhecido como Assembleia Nacional.

Sede do poder legislativo desde 1974, o Palácio de São Bento é hoje o coração da via política Portuguesa, sendo ali que funciona a Assembleia da República.






terça-feira

O Convento Franciscano e a Paróquia de Santo António do Estoril




por João Aníbal Henriques

A instalação do Convento Franciscano no Estoril aconteceu em 1527, no mesmo ano em que a Ordem entra em Portugal.  De características sui-generis, pela sua proximidade ao mar e pelo Santo de Devoção – Santo António do Estoril, o espaço em questão, mesclado de um intenso sabor a mar, pouco conhecido da generalidade dos espaços da Ordem, é também condicionado por uma forte presença da Serra de Sintra, marcando assim o desenvolvimento de um enorme potencial de aprofundamento religioso que os frades que ali se instalavam vão aproveitar de uma forma bastante profícua.



Pertença do Dr. Luís da Maia, clérigo do hábito de São Pedro, o terreno onde veio a instalar-se o convento, possuía já uma pequena capela dedicada a São Roque, mandada construir alguns anos antes, em data não determinada, por Leonor Fernandes, moradora no Casal do Estoril. O momento em que o ilustre prelado oferece o terreno à Ordem, que o recebe pela mãos de Rodrigo de Sant’Iago, é precisamente aquele que marca o início do processo de construção do idílio conventual, para o qual se utilizaram, trazidas do derruído Convento de Enxombregas, as pedras que vieram a consolidar as suas paredes.  A direcção das obras assumidas por Rodrigo de Sant’Iago foi de tal modo perene, que depressa se concluiu a construção do novo templo que, composto por uma única nave, possuía no entanto três altares, onde se prestava culto à imagem de Nossa Senhora da Boa Nova, a São Domingos e a São Francisco. Segundo a ‘Crónica Seráfica da Santa Província dos Algarves’, na qual se descrevem os edifícios da Ordem de São Francisco, existiria ainda uma imagem de Santo António ao lado da epístola, no altar-mor, que possivelmente seria datável de um momento anterior à edificação do edifício.

Ao que parece, o grande êxito que veio a enformar a existência do convento, e que lhe granjeou uma fama que trouxe a estas paragens uma série de importantes vultos da vida Nacional, ficou a dever-se à imagem da Santa Padroeira, a já referida Senhora da Boa Nova, com os seus três palmos de altos, e com feições consideradas «gráceis e perfeitinhas». Joana Manuel, a quem havia sido instituído o Morgado do Estoril, Manuel Jorge, síndico do convento, Álvaro Martins, marinheiro de água doce e o Marquês de Castelo Rodrigo, apoiante incondicional da submissão filipina, são apenas alguns dos mais evidentes apoiantes da Causa Franciscana estorilense, contribuindo com importâncias que, em conjunto com a exploração agrícola que os monges foram desenvolvendo nos terrenos que desciam até à praia, garantiam a possibilidade de se irem promovendo as obras de remodelação e de manutenção que permitiram ao convento subsistir e até desenvolver-se à medida em que se ia avançando para a segunda metade do século XVIII, quando o terramoto de 1755 veio pôr em causa a sua existência.



Os monges do Estoril, dedicados a uma vida de interiorização na qual o trabalho árduo das muito pouco férteis terras conventuais era , desenvolveram uma postura religiosa que em muito se afastou daquela outra que caracterizou a Ordem Carmelita instalada no Convento de Nossa Senhora da Piedade, em Cascais. Para estes últimos, a interacção com a comunidade, numa dinâmica de ensino e de aprendizagem, em que tecnicamente a sua mais-valia se ia transportando para as actividades profissionais dos cascalenses, principalmente na pesca mas também na horticultura, as portas do convento deviam estar abertas, recebendo no seu seio todos aqueles que dele necessitassem para resolver os problemas do quotidiano. Os monges estorilenses, possivelmente também como consequência da esterilidade do seu meio, onde as comunidades humanas não se haviam instalado de uma forma sistemática, mantendo um povoamento em pequenos casais e onde as únicas excepções são marcadas pelas aldeias de Alapraia e, mais a nascente, Caparide, tornaram o seu espaço no espaço eminentemente dedicado à interiorização, mantendo relações muito pouco próximas com a comunidade e alicerçando a sua dinâmica de trabalho no princípio da auto-subsistência que, aliás, era também consequência dos princípios fundamentais que norteavam a sua Regra.

Destacando-se dos demais, mais pelo seu esplendor espiritual do que propriamente pela sua maneira de funcionar em termos comunitários, Frei António de Palmela e Frei Cristóvão da Trindade, ali desenvolveram o seu percurso iniciático em direcção a Deus, mortificando a carne com a pobreza extrema e fortificando o espírito em orações e jejuns sistemáticos. A fama destes monges, de quem todos ouviam falar mais que poucos conheciam pessoalmente, acabou por garantir-lhes a recepção de muitos bens, que os habitantes das redondezas lhes ofertavam, com o objectivo de contribuírem para a vida de santidade que ali promoviam. As ofertas, no entanto, eram permanentemente redistribuídas pelos mais humildes, mantendo-se os monges de Santo António na mais pura e humilde das existências, gozando apenas da extraordinária vista que se alcançava das janelas do convento. Rocha Martins, o reputado jornalista que já mencionámos, descreve de uma forma paradigmática a envolvência do convento, a qual permite perceber quais foram as grandes transformações que o denominado progresso acabou por trazer a este lugar: «Um prado verdejava na vizinhança; a aragem suave coava-se pelo pinhal mas, por vezes, a ventania vergava o frondoso arvoredo; cresciam, na encosta virada ao mar, plantas selváticas e as águas brotavam, com a fama de milagrosas, sobretudo na parte mais baixa da serra de Santo António, a qual tinha ao sul o fortim de São Roque e a oeste o Casal do Estoril». Da mesma opinião, explicando ao mesmo tempo que a situação que caracterizava o convento em muito contribuiu para a forma como era procurado pelos mais fervorosos e dignos monges de todos os tempos em que durou a sua existência, era Frei Jerónimo de Belém que o visitou no início do século XVIII: «que o agradável da sua visita convidou em outros tempos a muitos religiosos para frequentarem nele a Escola do Céu, livres dos cuidados do Mundo que tanto embaraçavam os progressos da virtude e atrasam os espíritos mais fervorosos».

As notícias mais importantes relativas à localidade do Estoril, permanentemente relacionadas com o seu Convento de Santo António e com a actividade e apoio que os monges que nele habitavam forneciam aos que ali se dirigiam, situam-se já no século XVIII, quando o Rei Dom José I, habitando normalmente em Oeiras durante o período estival, se desloca amiúde ao convento, seguindo a sugestão do seu amigo e conselheiro Francisco da Fonseca Henriques, eminente físico da Corte, para usufruir dos poderes curativos das suas águas.



Com pouco mais de duas dezenas de monges nesta época, possivelmente como consequências das suas diminutas instalações, o Convento de Santo António do Estoril possuía, na véspera do terramoto de 1755, um aspecto que resultava do reconhecimento que havia conseguido angariar ao longo do tempo. Para além do já referido recheio interior, que sendo embora muito pobre possuía, no entanto, algumas peças dignas de uma nota muito especial, como uma relíquia do Santo lenho, um pedaço do cordão de São Francisco, e um osso de São Dionísio, o Mártir, o Convento possuía ainda no seu adro, junto ao cruzeiro, uma pequena capela externa dedicada a Santo António. Vai ser precisamente esta capela, com a imagem que se encontrava no seu interior, que vai marcar o processo reconstrutivo após o terramoto, pois o Santo Taumaturgo, com as características milagrosas de todos conhecidas, acabou por se tornar no principal símbolo da protecção conseguida pelos monges para levar a efeito, com uma rapidez extraordinária, os trabalhos de reconstrução do espaço.

Iniciadas em 1756 por Frei Basílio de São Boaventura, o guardião franciscano, após terem sido recolhidas as importâncias necessárias para o início dos trabalhos, as obras de reconstrução da Igreja e do Convento de Santo António processaram-se com uma enorme rapidez, tendo sido concluídas em 1758 com a colocação de uma imagem do Santo na fachada principal.

Em relação à catástrofe que afectou o Convento, e que hoje só conhecemos por intermédio do testemunho indirecto de um dos frades que habitavam no Convento Carmelita de Nossa Senhora da Piedade, em Cascais, há muito pouco a dizer, uma vez que a fúria dos elementos, que destruíram quase por completo a Vila de Cascais, acabaram por fazer desaparecer a quase totalidade deste espaço conventual, sendo que o que sobrou, devido à proximidade do mar e do solo pouco firme em que havia sido construído, acabou por ter de ser arrasado, não apresentando a solidez suficiente para tornar possível a sua recuperação. As palavras deste monge, incrivelmente semelhantes àquelas utilizadas pelas Memórias Paroquiais de alguns aos depois para caracterizar o estado em que se encontrava Cascais, são ilustrativas da situação em que ficou o convento, permitindo ainda perceber que quase todos os elementos que enquadraram a reconstrução, e que hoje fazem parte da estrutura externa da actual igreja, foram colocados de raiz nessa época (1): «De quer serve estar o Convento de Santo António, com algumas paredes inteiras, se a sua igreja veio toda ao chão e um dormitório do Poente; e o Nascente todo, até aos fundamentos, aberto, ainda que não caiu?»

Dois anos após o início das obras, quando o novo templo já estava completamente erecto e acabado, conheceu o Estoril um novo fôlego na sua história. Acompanhando o renascimento do convento, que passou a possuir condições que lhe permitiam albergar um maior número de religiosos, e que, segundo Ferreira de Andrade, mesmo nos piores momentos, nunca desceram abaixo dos dezoito, desenvolveu-se rapidamente a exploração das águas medicinais, as quais trouxeram em permanência a este lugar, que nunca mais vai deixar de desenvolver o seu cosmopolitismo e a sua vivência turisticamente invulgar, um número muito elevado de visitantes, que ali encontravam instalações, num espaço anexo ao do estabelecimento religioso, que permitiam a sua cómoda instalação. Muito antes de estar concluído, ou sequer pensado o Hotel das Termas, e muito menos as imponentes unidades hoteleiras que, anos mais tarde, vão trazer ao Estoril uma vivência turística marcada pelos seus aristocráticos visitantes, já o Convento de Santo António, na pequenez da sua pobreza votiva, contribuiu para desenvolver o nome, e levar bem longe a fama das pródigas águas e das formosas paisagens da Costa do Sol.



Frei Basílio de São Boaventura, principal fonte da energia utilizada na reconstrução, mostrou desde logo possuir uma virtude que o distinguia dos restantes membros desta comunidade eclesiástica: poder de visão. Foi precisamente esta característica, que as condicionantes do tempo lhe permitiram aproveitar, que serviu de pedra de fundo aos alicerces que depois suportarão o edifício dos modernos Estoris, no qual a igreja, com todo o esplendor de uma imponência cénica que o enquadramento nas arribas do mar ajudava a desenvolver, conseguiu desempenhar um papel fundamental, no qual Monsenhor António José Moita, com as características únicas que abordaremos mais adiante, se encaixou com uma perfeição digna de nota especial, pois mais do que inovar e modificar a postura que a Igreja Católica desenvolvia no Estoril, apenas continuou, no seguimento que já vinha acontecendo desde a segunda metade do século XVIII, com a figura enérgica, empreendedora e decidida deste monge franciscano. Contrariando as características que anteriormente possuía o templo, e tornando praticamente impossível determinar com rigor a sua formulação espacial e artística anterior, Frei Basílio de São Boaventura alargou o coro para o adro, em cerca de doze palmos dotando-o de três janelas rasgadas na fachada integralmente efectuada em pedraria, tal como ainda hoje podemos observar, e encimada pela já referida imagem do Santo Taumaturgo, que vem dotar o espaço de uma excelência e de uma magnificência que anteriormente não possuía. O novo templo, com custos que orçaram em cerca de oito mil Cruzados, totalmente resultantes das oferendas recebidas pela Congregação Religiosa, que como sabemos não possuía nada de seu, foi ainda totalmente azulejado no interior, trabalho que veio a ser realizado numa oficina que os próprios monges desenvolveram no convento. Ao que parece, das palavras que ficaram exaradas nas actas que a Comissão Encarregue da Reconstrução da Igreja, após o incêndio que novamente a destruiu em 1927 aprovou ao longo das muitas sessões em que reunião para determinar o andamento dos seus trabalhos, os painéis de azulejos da igreja de Santo António reconstruída após o terremoto, possuiriam uma espécie de moldura em tons de castanho, a acompanhar as cenas retractadas, a qual pretendia imitar os tons da madeira natural. Nas palavras do Arquitecto Tertuliano Marques, já em 1928, eram precisamente estas molduras que tornavam esta igreja muito característica, explicando que, por esse motivo, deveriam ser integradas nos novos painéis e nos frescos que o pintor Carlos Bonvalot se encontrava naquela altura a projectar.

Digno de uma nota especial, pelo relevo que representava na decoração interna da igreja, é o retábulo da autoria de Arcangelo Foschini, pintor pouco conhecido na actualidade mas grande apoiante do Estoril e do seu Convento. Filho de Francisco Foschini, bolonhês que se instalou em Lisboa, onde faleceu em 1805, o pintor nasceu em 1771, e iniciou os seus estudos artísticos aos treze anos com o Lente Joaquim Manuel da Rocha. A sua natural genialidade artística, alicerçada na pujança que lhe possibilitava a frequência dos mais requintados meios artísticos lisboetas do final do século XVIII, acabou por lhe dar a possibilidade de obter uma bolsa de estudo em Roma, onde conheceu e aprendeu os princípios da sua arte com o Mestre Labruzzi. Ao que parece, socorrendo-nos dos sempre preciosos apontamentos que Monsenhor Moita foi editando ao longo da vida, Arcangelo Foschini terá ganho em Roma um prémio especial pelas suas pinturas de nu, facto que o dota de um certo bem-estar económico que, por sua vez, lhe possibilita uma fuga para Florença, em 1792, devido às invasões francesas, e de lá, no ano seguinte, o retorno a Portugal, onde assumirá o cargo de Mestre do Infante D. Pedro Carlos, com 240:000 réis de pensão, moço criado e dois cavalos. O retábulo de Santo António, que Arcangelo Foschini pinta para a Igreja do Estoril, é exemplo paradigmático da forma como evoluiu o convento, que conheceu um período de grande apogeu desde que o terramoto de 1755 obrigou à completa re-elaboração da sua estrutura espacial interna. Os apoios, resultantes da grande fama que foi conseguindo angariar, dotaram o convento estorilense de meios e de incentivos que lhe permitiram iniciar um trabalho de grande mérito no acompanhamento e na formação das populações que habitavam em torno do Estoril.



Segundo os relatos publicados na imprensa da época, reportando-se ao abandono em que se encontravam grande partes dos imóveis religiosos nacionalizados, a Igreja de Santo António do Estoril, bem como o espaço conventual que a envolvia, foi quase completamente destruída no decorrer destes anos, só se salvando, porque se mantinha fechado e à guarda do próprio estado, o espaço da sacristia e do coro, onde estavam depositados os objectos de maior valor que, por isso mesmo, poderiam valorizar o imóvel na ocasião do seu leilão. Um dos factos mais apontados, e que nos permite perceber a grandiosidade física que o convento possuía nesta época, prende-se com o refeitório monacal, onde existiriam uma mesas de pedra de grandes dimensões que foram entretanto roubadas. Estas mesas, onde possivelmente se alimentariam os enfermos e infelizes visitantes do Estoril até àquela data, procurando o apoio necessário à utilização das águas termais, eram património de inestimável valor, tal como o aponta o novo proprietário logo após a tomada de posse e a assinatura da escritura que lhe entrega aquele espaço.

Quando Manuel Joaquim Jorge recebe o Convento, no qual vem a construir um edifício de apoio à actividade termal, acaba também por receber o encargo de zelar pela igreja, à qual a Junta de Freguesia não sabe o que há-de fazer, encarregando-se de a manter bem fechada mas, pelo menos, também minimamente preservada. Contrariando as análises históricas que têm vindo a ser publicadas pelo Estoril, é importante frisar que o espaço da Igreja de santo António do Estoril nunca foi incluído na arrematação pública que permite a Manuel Joaquim Jorge adquirir o espaço conventual. Os problemas que derivam deste mal entendido, e que vêm a complicar o processo de criação da Paróquia, em 1929, são firmemente esclarecidos pela neta do primitivo proprietário, Anna Thereza Jorge Goularde de Vasconcellos, em carta enviada ao Administrador do Concelho de Cascais, Lourenço Correia Gomes. Para além de referir expressamente que a Igreja de Santo António não estava incluída na arrematação do seu avô, a qual decorrera a 6 de Outubro de 1835, a então proprietária do Convento refere que tendo a igreja ficado ao abandono, a corporação local, de comum acordo com os seus antepassados, entregou a estes a sua conservação bem como a das respectivas alfaias e paramentos, tendo eles sempre mantido tudo com o maior interesse e tal e qual como o haviam recebido. Sublinhando o seu envolvimento pessoal em todo o processo, Anna Goularde refere que em 1906, quando o seu pai falecera e ela tomara posse da propriedade que o avô arrematara, a Junta de Freguesia lhe dirigiu um ofício, com a referência nº 2, e data de 15 de Outubro, conferindo-lhe igual encargo.



O prédio de rendimento, que a herdeira recebeu na mesma data, e no qual funcionou também uma escola primária, possuía acessos pelos terrenos que envolviam a igreja, facto que levanta alguma celeuma na ocasião da criação da nova paróquia estorilense, no dia 13 de Junho de 1929, e sobretudo no decurso da reconstrução do espaço após o incêndio de 1927. Já falecida nesta altura, e com um testamento em que deixa às Oficinas de São José a totalidade da propriedade em questão, torna-se evidentemente necessário delimitar as fronteiras entre as duas partes, de modo a dar carácter oficial ao documento que marca o início do funcionamento da nova paróquia já pela mão de Monsenhor António José Moita.



A actuação dos frades Franciscanos, criando as bases que vêm permitir um aproveitamento coerente das águas termais, facto que possibilitou ainda a utilização da paisagens e dos recursos naturais que o território apresentava, foi fundamental para que o Estoril se afirmasse no seio do concelho de Cascais e até no seio da área suburbana de Lisboa. Sem este primeiro ensejo monástico, que dotou o território de uma aura de pureza e de fascínio que nunca mais se perdeu, jamais o Estoril conseguiria usufruir de todos os benefícios que recebeu com a escolha do seu espaço para a construção das habitações de uma série de grandes personalidades da vida política económica e social portuguesa. Sem estes, por seu turno, jamais encontraríamos no Estoril a pedra fulcral que ele definitivamente foi no processo de reconstrução da estrutura religiosa da Igreja Católica, nem tão pouco a grande importância que este espaço possuiu na redignificação da vivência Nacional.





segunda-feira

Exílios Reais no Estoril




por João Aníbal Henriques

Como em quase todas as épocas, também o Estoril da década de quarenta foi vincadamente marcado por uma existência em que o contra-senso desempenhava um papel fundamental. Passo a explicar: a imagem, a impressão visual e a sensação que dele se guarda, sempre que se aborda esta localidade pela primeira vez, acaba por se mostrar, mais cedo ou mais tarde, completamente diferente daquilo que verdadeiramente é. O Estoril, misto de uma pacífica harmonia entre as suas gentes e as suas coisas, é também um poço sem fundo no qual se foram perdendo muitas histórias que foram apagadas da História.

Nesta década de quarenta, quando as hostes Nazis infligiam à Europa um pesadelo bélico inesquecível, o Estoril viu redobradas e devidamente propagandeadas as virtudes que dele faziam um lugar especial, facto de extrema importância quando sabemos ter sido esta imagem, vendida amiúde como uma espécie de comparação ao Jardim do Éden primordial, que sustentou o grande aumento demográfico que se sentiu na altura. Oriundos de diversas partes do Mundo, fugindo da guerra e dos seus perigos ou, pelo contrário, procurando no Estoril a oportunidade de fazer fortuna, chegaram a este local milhares de novos habitantes. Cada um, a partir das suas vivência e do seu sentir, procurando acentuar as diferenças culturais, políticas e/ou económicas que os tornavam diferentes, tentava criar no Estoril uma imagem que ajudasse a suportar os duros momentos impostos por uma guerra da qual a Europa viria a demorar a recuperar. Para além destes, conheceu este Estoril um outro grupo de novos habitantes, ou sejam, aqueles que, a soldo das diversas partes implicadas na guerra e nos diversos partidos e interesses que nela pelejavam, para aqui se dirigiam tentando compreender e manter-se informados acerca do que aqui se fazia e dizia. A espionagem e a contra-espionagem, com uma História ainda por fazer, trouxeram ao Estoril a arte da dissimulação, da qual dependiam os seus habitantes para conseguirem ultrapassar as vicissitudes de uma guerra que, muito possivelmente, não conseguiam compreender.



Rei Humberto II de Itália

A vida neste Estoril, mais do que composta pelos episódios comuns do dia-a-dia, compunha-se de episódios rocambolescos, devidamente preparados e ensaiados para fazer parecer qualquer coisa que verdadeiramente não era. Uma das histórias mais interessantes desta época, e verdadeiramente tradutora daquilo que era a vivência estorilense no seio das problemáticas inerentes à II Grande Guerra, é relatada no ‘Goldenbook of the Estoril Coast’, na sua edição de 1993/1994: «Uma das histórias mais típicas é a que relata a vinda de um espião inglês para o Hotel do Parque onde se tentou fazer passar por alemão. Depois de se hospedar e de beber um copo no bar do hotel estava confiante. Falava fluentemente alemão e ninguém parecera dele duvidar. Voltou para o quarto e ao deitar-se descobria, debaixo da almofada uma bandeira inglesa e uma velha gravata de Eton. Fora descoberto e alvo de uma brincadeira...»



Elena Vacaresco


A primeira notícia que possuímos de um contacto entre o Estoril e a população exilada, data de 3 de Agosto de 1939, quando Elena Vacaresco, escritora e poetisa romena, se hospedou no Hotel Palácio, um dos locais mais conhecidos na Europa e que fazia parte da propaganda oficial do regime. Muito embora se não saiba realmente o que veio fazer a Portugal, e muito menos ao Estoril esta delegada da Roménia à Sociedade das Nações, organismo que precedeu a O.N.U. na organização da política internacional após a Primeira Guerra Mundial, alguns investigadores são de opinião de que veio preparar a vinda de Carol, filho de Fernando, Rei da Roménia, com quem mantinha uma relação muito próxima.

Muito embora sejam muito parcas as informações referentes a esta visita, são extraordinariamente importantes para compreender o posicionamento político cascalense na época, e sobretudo, para entender qual foi verdadeiramente o papel do Estoril neste vasto teatro onde os golpes, contra-golpes e demais episódios rocambulescos que envolveram os exilados, tanto contribuíram para a história da guerra e o Mundo. Segundo José Vegar, jornalista do Jornal Expresso, a história do Estoril do exílio deveria fazer-se a partir dos fundamentos documentais que ainda se conhecem, razão pela qual, a propósito da organização, em 1995, de uma exposição subordinada a este tema, publica uma peça na qual apresenta uma misteriosa 5ª Divisão da Câmara Municipal de Cascais, dependente do Presidente da Câmara, mas dirigida por antigos polícias, que se dedicava a elaborar ficheiros exaustivos de todos os estrangeiros que se hospedavam no território municipal de Cascais. Esta divisão, em termos práticos, era um departamento municipal com funções policiais e de vigilância aos estrangeiros que reportava directamente à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. Para o jornalista mencionado, a informação constante deste arquivo é de extrema importância na reconstituição histórica de um período tão importante da História de Portugal: «No livro de registos da 5ª estão todos os seus movimentos – como controlo de estrangeiros e ocorrências de crimes – e assente toda a correspondência do serviço com a PVDE, que amiúde lhe solicitava a relação dos estrangeiros no concelho. No entanto, o bem mais precioso que deixaram para a história foi um arquivo bolorento mas disciplinado, composto de escassos milhares de fichas rectangulares como fotografia e nome de estrangeiros, bem como respectivas moradas e número de passaporte. No verso, números de processos. A estas fichas juntam-se as dos hotéis».



Arquiduque Otto von Habsburg

Um dos factos mais importantes apontados por esta peça, na qual se aborda de uma forma muito exaustiva o Estoril do Exílio, prende-se com a distinção que, segundo o autor, o Estado português faria entre refugiados e exilados. A grande diferença entre as duas situações, mais do que aos motivos que alicerçavam a fuga e posterior chegada a Portugal, baseavam-se nas posses do recém-chegado, sendo considerados refugiados todos aqueles que tinham obrigatoriamente de se hospedar em casas particulares ou pensões, que nesta altura proliferam no Estoril, e exilados todos aqueles a quem as suas posses garantiam um estilo de vida que era compatível com a qualidade com que se pretendia dotar a localidade.


Edward Windsor e Wallis Simpson

De entre os muitos exilados chegados entre 1936 e 1955 a Portugal, considerando os primeiros passos da Guerra Civil Espanhola como propiciadores de inúmeras chegadas de refugiados, os mais eminentes, pela forma como acabaram por contribuir para a transformação a face ao Estoril, foram aqueles que haviam possuído um ceptro real nos seus países. De facto, desde Eduardo de Windsor, até Humberto II de Itália, muitos foram os reis, rainhas, príncipes e princesas, que procuram no Estoril a paz que os seus países haviam perdido com a Segunda Guerra Mundial.

A primeira a chegar, em unho de 1940, foi a grã-duquesa Carlota do Luxemburgo, que se instalou na Vila de Santa Maria, no Estoril. De seguida, chegou o já mencionado Eduardo de Windsor, acompanhado pela sua esposa Wallis Simpson, que ocuparam muito temporariamente uma casa junto à entrada da baía de Cascais.

De acordo com o artigo publicado no Jornal Expresso, o casal real inglês teria a intenção de se manter durante mais tempo em Portugal, só que, contrapondo-se aos seus planos, as muitas movimentações de espiões nas localidades de Cascais e do Estoril, acabaram por trazer problemas ao ex-monarca, que daqui seguiu para as Bahamas: «Os Duques de Windsor ficaram instalados na casa de Manuel Ricardo Espírito Santo Silva, e quase causara, um problema diplomático a Salazar. A história ainda hoje é obscura mas passa por um plano de um agente do III Reich, Walter Schellenberg, que com a colaboração do japonês Kijuro Suzuki tentou aliciar Eduardo para uma caçada em Espanha, com o objectivo de o raptar posteriormente para Berlim. Os ingleses estavam a par do estratagema, e resolveram o problema diplomaticamente, nomeando Eduardo governador das Bahamas. O paquete ‘Excalibur’ veio buscá-lo a Lisboa com destino ao seu território».

Com o apoio de Aristides de Sousa Mendes, o Cônsul português em Bordéus, entraram posteriormente no Estoril outros dois grandes nomes da vida política europeia: Otto e José de Habsburgo, vivendo este último durante muitos anos na localidade. Carol da Roménia, possivelmente em sequência da preparação do caminho que lhe havia feito a diplomata Helena Vacaresco, chega em Maio de 1941, tendo no final dessa década chegado também a princesa Joana da Bulgária e Helena Karageorgevitch da Sérvia, irmã do Rei Alexandre da Jugoslávia. Por fim, em 1946, chega o mais mediático de todos os exilados, que viveu até ao final da sua vida na casa de Cascais, o Rei Humberto II de Itália, que no Estoril desenvolve vasta obra de âmbito social. Numa notícia publicada pelo Jornal ‘A Nossa Terra’, no dia 15 de maio de 1964, é possível ler uma nota emitida pela Rainha Maria José, indicando que desejava voltar urgentemente a Cascais porque o ar que ali se respira, bem como as suas águas termais, tornarão mais fácil e rápida a convalescença de Humberto de Sabóia.


Don Juan de Bourbon y Battemberg


Para além destes, não é possível deixar de mencionar Don Juan de Bourbon y Battenberg, filho do Rei Dom Afonso XIII de Espanha e pai do actual rei Juan Carlos I; os Condes de Paris; o escritor Stefan Zweig; o compositor Ignacy Jan Paderewsky; o escritor Maurice Maeterlinck; e o eminente Mircea Eliade.

Em 1962, após um percurso muito problemático que se iniciou com a morte do Rei Boris III da Bulgária, ocorrida após um curioso encontro com Hitler em que este lhe solicitou que assinasse um documento aprovando a deportação dos judeus búlgaros para a Alemanha, chega ao Estoril a Rainha Giovanna da Bulgária, acompanhada dos seus dois filhos, O Rei Simenon II e a princesa Maria Luísa. Filha do Rei Vittorio Emmanuele II de Itália, a rainha pertencia à casa real de Sabóia, encontrando no Estoril grande número de familiares também no exílio ou descendentes de antigos membros casados em Portugal. Segundo Joaquim Baraona, numa abordagem biográfica à estadia da Rainha da Bulgária em Portugal, esta personagem reveste-se de uma importância fundamental, uma vez que se enquadrou, na perfeição, em toda a dinâmica social do Estoril: «A Rainha Giovanna, pela simplicidade, pela forma como se integrou e tem participado na comunidade, pelo ambiente social que a envolve e pela dedicação ais problemas de solidariedade, é uma das personalidades a quem além do respeito natural que merece, é dedicada a maior atenção e carinho».


Rei Simenon II

Numa entrevista publicada na revista ‘Estoril Image’, datada de 1989, o Arquiduque Josef Árpád von Habsburg Lothringen, da antiga Casa Real da Hungria, refere-se ao Estoril como um local de paz, onde, ainda criança, conseguiu readquirir uma vida que a guerra havia destruído. Referindo-se ao que sentiu quando aqui chegou acompanhado de alguns irmãos e de uma perceptora, as suas palavras deixam transparecer alguma emoção face ao Estoril e à sua vivência: «A sensação de maravilha, de ter voltado um pouco ao que tinha sido a minha infância. Havia paz, uma natureza muito bonita, um ambiente de solidariedade e carinho. Mas sobretudo – e não se deve esquecer que eu era apenas um adolescente – havia comida; já não era preciso roubar batatas e assá-las numa fogueira no meio da floresta, rodeados de neve e do troar dos canhões aos longe...» Referindo-se especificamente ao Estoril, um pouco mais adiante, a principal palavra é verdadeiramente a solidariedade que sentiu quando aqui chegou: «Durante os primeiros tempos, vivemos de uma jóias que uma tia nossa, também refugiada em Portugal, tinha trazido. Quando esse dinheiro acabou, funcionou uma cadeia de solidariedade que é das coisas mais bonitas  e mais gradáveis que tenho visto na minha vida. As famílias do Estoril e Cascais ajudaram-nos; abriram-se as portas para podermos ser educados e alimentados».


É fundamentalmente este Estoril, misto de um verdadeiro sentimento de apoio, em que se misturam as espionagens em torno dos diversos partidos, que melhor caracteriza a vivência no local neste final da primeira metade do século XX. As estruturas turísticas e hoteleiras que aqui que haviam criado, à semelhança do que farão mais tarde quando a Paróquia vem retomar a responsabilidade de gestão social do espaço, apoiam verdadeiramente a assistência social e dinamizam correntes de solidariedade que, ultrapassando todas as barreiras políticas e sociais, fundam o cerne daquilo que é hoje a qualidade deste espaço. 

sexta-feira

O Arco Triunfal da Rua Augusta - Lisboa




por João Aníbal Henriques

Monumento maior da Cidade de Lisboa, marcando de forma muito evidente o eixo principal da Baixa Pombalina, o Arco Monumental da Rua Augusta é um dos elementos mais impactantes da estrutura simbólica que dá forma à Praça do Comércio – antigo Terreiro do Paço – e que define a orientação da nova cidade.

Tendo feito parte do projecto original de recuperação da Cidade de Lisboa depois do grande terramoto de 1755, o Arco da Rua Augusta era uma das peças principais traçadas pela dupla Manuel da Maia e Eugénio dos Santos, que o Marquês de Pombal aprovou de imediato, tendo sido iniciada a sua construção logo em 1759.

Vicissitudes diversas, no entanto, ditaram várias mudanças ao projecto, sendo que em 1777, logo depois da inauguração da Estátua Equestre do Rei Dom José, a construção original foi demolida, tendo-se iniciado um processo moroso que introduziu várias alterações profundas na ideia inicial. Depois da morte do Rei, da subida ao trono da Rainha Dona Maria I e da demissão do Marquês de Pombal, só em pleno Século XIX, já em 1815, é que se colocaram os enormes pilares em pedra de Pêro Pinheiro que dão forma ao monumento actual.




Durante muitos anos, como se vê nas inúmeras fotografias dos finais do século, o arco manteve-se aberto, sem a cúpula escultórica que hoje ali vemos, até que em 1844 Costa Cabral aprovou o renovado projecto de cunho romântico da autoria do Arquitecto Veríssimo José da Costa.




O conjunto escultórico superior, da autoria do arquitecto Anatole Calmels – que também foi responsável pelo varandim do edifício dos Paços do Concelho – representa a glória, o génio e o valor, compondo um quadro que encaixa de forma perfeita na simbologia latente na significação de índole sagrada que surge associada à própria estátua real. O conjunto inferior, da autoria de Vítor Bastos, inclui as figuras que deram forma à História de Portugal, nomeadamente Viriato, Nuno Álvares Pereira, Vasco da Gama e o próprio Marquês de Pombal.

O carácter sagrado do monumento, a que não é estranha a concepção da própria praça, surge em linha com o significado profundo do Cais das Colunas e com a ligação às três artérias que convergem para o Rossio: o Ouro, a Prata e a Rua Augusta.

Para o investigador Vítor Adrião (Lusophia) a Praça do Comércio é um decalque quase perfeito da Basílica de Mafra, estando o Altar-Mor no local onde em Lisboa se encontra a Estátua Equestre e o Santíssimo no mesmo sítio onde originalmente se encontra o arco e questão.  




Reforçando a ideia de que o valor deste monumento reside muito mais no seu simbolismo do que na monumentalidade que hoje lhe atribuímos, esta teoria ajuda a explicar a escala única de todo o espaço e, especialmente, a dimensão quase inusitada que o arco assume na totalidade do conjunto.

Recuperado ao longo dos dois últimos anos, o Arco Monumental da Rua Augusta está hoje acessível ao público que o pode visitar mediante o pagamento de um bilhete de 2,50 €, dali obtendo uma perspectiva panorâmica fenomenal de todo o quadriculado que dá forma à Baixa Lisboeta. 

quinta-feira

O Edifíco dos Paços do Concelho - Câmara Municipal de Lisboa




por João Aníbal Henriques

Há espaços que parecem marcados pela falta de sorte… ao longo dos tempos que dão forma ao tempo, sobrevivem a custo às atrocidades que só acontecem de quando em vez. Menos ali, onde as probabilidades são reduzidíssimas mas as catástrofes teimam em acontecer ciclicamente.

É o que acontece nos Paços do Concelho de Lisboa. Instalada ali desde o final do Século XVIII, quando o esforço de recuperação da baixa depois do grande terramoto de 1755 permitiu a construção de um edifício condigno para as reuniões municipais, a Câmara Municipal de Lisboa estreou instalações de grande qualidade fruto do traço proeminente do arquitecto Eugénio dos Santos Carvalho.

Mas foi sol de pouca dura. No dia 19 de Novembro de 1863, menos de cem anos depois da inauguração, um violento incêndio destruiu por completo os Paços do Concelho, obrigando à construção do edifício actual.



A construção, que demorou desde 1865 e até 1880, integrou na fachada o grande frontão de linha neoclássica que, sendo da autoria do escultor Francês Anatole Calmels, veio alterar de forma significativa o projecto original assinado pelo arquitecto Domingues Parente da Silva. A decisão, tomada pelo engenheiro municipal Ressano Garcia, abriu caminho para uma intervenção estética mais alargada que transformou o edifício da Câmara Municipal num dos mais impactantes monumentos da renovada baixa Lisboeta.

No interior, em que intervieram José Pereira Cão, Columbano e Malhoa, foi reforçado o valor pictórico próprio do romantismo novecentista, facto que favoreceu a qualidade final do edifício e o interesse que o mesmo despertou junto dos munícipes de Lisboa.



Mas não ficaram por aqui as vicissitudes terríveis que afectaram este espaço. Em 1996, no dia 7 de Novembro, outro incêndio devastou o interior do espaço municipal, obrigando a nova intervenção de fundo que lhe conferiu o aspecto que actualmente conhecemos.

A opção mais recente, tomada pelo Arquitecto Silva Dias, que liderou a equipa que efectuou a recuperação, foi reaproximar o mais possível o edifício do projecto original de Parente da Silva, fazendo desaparecer muitos acrescentos e revisões impostas pelas necessidades que a História havia imposto aos serviços camarários. Nesta obra intervieram por convite da edilidade Lisboeta os arquitectos João de Almeida, Manuel Tainha, Nuno Teotónio Pereira, Daciano Costa e os artistas Sá Nogueira, Fernando Conduto, Maria Velez, Helena Almeida, Pedro Calapez e Jorge Martins.


Depois de o seu varandim ter servido de palco para inúmeras cerimónias que ali decorreram de forma oficial, o edifício da Câmara Municipal de Lisboa é hoje um monumento incontornável numa visita à cidade, marcado de forma muito perene pela Implantação da República que ali aconteceu no dia 5 de Outubro de 1910. 


terça-feira

A Estátua Equestre do Rei Dom José no Terreiro do Paço (Lisboa)



por João Aníbal Henriques

Situada no Coração de Lisboa, no centro da Praça do Comércio (antigo Terreiro do Paço) e estrategicamente colocada entre o Arco Triunfal da Rua Augusta e o marco simbólico do Cais das Colunas, a estátua equestre do Rei Dom José é um dos mais impressionantes e emblemáticos monumentos da cidade.

Muito ligado à reconstrução pombalina de Lisboa após o grande terramoto de 1755, o convite formulado ao escultor Joaquim Machado de Castro foi feito ainda antes do cataclismo, em 1750, e ficou envolvido em várias polémicas. Em primeiro lugar porque o escultor teve de seguir os desenhos realizados por Eugénio dos Santos e, depois, porque ainda foi obrigado a adaptá-los à forma do pedestal já concebido por Reinaldo Manuel dos Santos.

O significado simbólico da estátua, envolto em várias interpretações de cariz variado e muitas vezes contraditório, assentam no dito plano maçónico que o Marquês de Pombal terá utilizado como base do plano de reconstrução da própria cidade.



Concebida como um templo antigo, a própria Praça do Comércio surge carregada de simbolismo, valendo a pena ler com atenção os muitos e muito profundos estudos realizado pelo investigador Vítor Adrião sobre este assunto e acessíveis através do site Lusophia.

De qualquer maneira, importa referir que todo o quadro que envolve a imagem surge marcado por uma identidade que não é linear e que, mesmo no carácter assimétrico da figura real, deixa antever mistérios que ninguém revelou de forma total. A alegoria às vitórias na Ásia e na América, associada à fama e ao triunfo de Portugal, estão bem patentes nas serpentes e nas figuras que envolvem o Rei e o seu cavalo.



A inovação deste trabalho, que foi a primeira representação equestre de um Rei em espaço público recuperando os valores estéticos da Antiguidade Clássica, é vincada pelo facto de ter sido fundida numa só peça e ao longo de apenas 7 minutos. Tecnicamente diferente de tudo o que tinha sido feita até então, foi uma das muitas experiências bem conseguidas que o Tenente-Coronel Bartolomeu Costa realizou no Arsenal do Exército e que tantas repercussões tiveram na História da Arte Portuguesa e na própria Cidade de Lisboa.

As suas enormes dimensões, e o facto de não poder ser puxada por animais, transformou o transporte entre o local da fundição e a Praça do Comércio numa enorme aventura que se encaixou de forma firme na História de Lisboa. Num percurso épico que se prolongou ao longo de 4 dias, a estátua foi carregada por mais de 1000 homens e obrigou à construção de uma estrada para o efeito e à demolição de casas particulares, igrejas e de outros monumentos que se interpunham no caminho em direcção à frente ribeirinha da cidade.

Por fim, no dia da sua inauguração, em 6 de Junho de 1775, causou estranheza o facto de o Rei não ter estado presente na cerimónia que foi presidida pelo próprio Marquês de Pombal. Esse facto, no entanto, ficou a dever-se mais ao protocolo de linha Francesa que se seguiu, e que colocava o Rei em posição de honra na presidência da cerimónia por ser ele o homenageado na estátua, do que a qualquer tentativa de reforço do poder pessoal do primeiro-ministro de Dom José.

Este, por seu turno, juntou ainda mais uma polémica à estória do monumento, ao colocar, na face virada para o Tejo, um medalhão de bronze com a sua imagem e que foi retirado depois das polémicas políticas instauradas pela Rainha Dom Maria I. O medalhão regressou ao seu local de origem, onde ainda hoje pode ser visto, em 12 de Outubro de 1833 pelas mãos do Governo Liberal.




Por fim, importa reter a teimosia do Rei que se recusou a posar para a estátua, facto que obrigou a utilizar a cara que estava patente numa das medalhas que circulavam na cidade… as mãos da estátua, por exemplo, foram moldadas a partir das mãos do próprio escultor…


Em suma, é de mistério e de lenda que se constrói um dos mais extraordinários e inesquecíveis recantos da Cidade de Lisboa!


Jorge de Mello (1921-2013)




Na mesma semana em que o Presidente herdeiro da Venezuela Nicolás Maduro, decretou a diabolização do lucro, depois de ter antecipado o Natal e criado o dia nacional de veneração ao falecido presidente Hugo Chavez, e de assim ter condenado em definitivo a economia no seu País a regredir para níveis de penúria que vão afectar os venezuelanos durante muitos anos, morreu em Portugal o industrial Jorge de Mello (1921-2013).

Neto do fundador da CUF Alfredo da Silva, a morte de Jorge de Mello marca o fim de uma era em Portugal. Mais do que empresário, empreendedor e visionário empenhado, Jorge de Mello era um industrial que acreditava que era possível fazer, não se compadecendo com a mediocridade que quase sempre o envolveu.

Entre 1966 e 1975, enquanto líder do Grupo CUF, foi responsável pela criação de dezenas de empresas e pela política de expansão internacional que levou o nome de Portugal aos quatro cantos do Mundo. Nesse período, com mais de 100.000 funcionários a seu cargo, a política social da sua empresa impunha-se ao próprio Estado. Quando em Portugal ainda não se falava de segurança social, cuidados de saúde e de tantos outros “direitos” que hoje consideramos adquiridos e inquestionáveis, já o Grupo CUF os oferecia aos seus funcionários, fruto da capacidade de visão de Jorge de Mello.

Depois de ter perdido tudo durante a revolução de 1974, e de ter sido obrigado a refugiar-se no Brasil, Jorge de Mello regressou a Portugal nos anos oitenta. Sem meias-palavras ou ressentimentos, recomeçou praticamente do zero, e foi capaz de construir de raiz um novo império empresarial que novamente se tornou responsável por uma percentagem significativa da riqueza nacional.

Quando a crise internacional constrange de forma dramática os horizontes deste País, e no estrangeiro vão retomando forma as expressões mais inaceitáveis de perversão política, a figura de Jorge de Mello vem provar que as dificuldades que atravessamos não são resultado dos problemas conjunturais de que tanto se fala, mas sim da falta de homens como ele, que sejam capazes de acreditar no futuro e de concretizar.

À data da sua morte, com 92, Portugal deve-lhe pelo menos 5% do PIB…

quarta-feira

O Palácio das Janelas Verdes / Museu Nacional de Arte Antiga



por João Aníbal Henriques

As estórias que dão forma à História de Lisboa, tantas vezes passadas oralmente e transcritas no imaginário colectivo da cidade, surgem por vezes associadas a espaços, a edifícios e a monumentos que, contrariando a curva do tempo, perpectuam para a posteridade as memórias mais impactantes da Capital de Portugal.

É o que acontece com o Palácio das Janelas Verdes, onde actualmente funciona o Museu Nacional de Arte Antiga, situado na Rua das Janelas Verdes, em Santos.

Construído em 1690 por Dom Francisco de Távora, Conde de Alvor e antigo Vice-Rei da Índia, o Palácio das Janelas Verdes aparece sobranceiramente sobre o Rio Tejo, num espaço partilhado com a Rocha de Conde de Óbidos e o palácio com o mesmo nome.

A sua ligação à Família Távora, que aparece bem vincada nas memórias da cidade é, no entanto, muito breve, pois em 1759, com o controverso “Processo Távora”, a família foi executada publicamente e o palácio confiscado e vendido em hasta pública.

Por ironia do destino (ou não) foi adquirido por Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão de Sebastião de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e… Marquês de Pombal. E para agravar a situação, foi precisamente o Primeiro-Ministro de Dom José e principal algoz dos Távoras quem, por morte do irmão e proprietário do edifício, acabou por herdá-lo e por o integrar no  seu património particular.

Em 1884 o palácio foi alugado pelo Estado Português, e ali se instalou o Museu Nacional das Belas Artes. Mais tarde, já durante a vigência do Estado Novo, foi demolido o antigo Convento das Albertas, situado a Poente das Janelas Verdes, e alargado o espaço do museu. Foi nessa altura que assumiu a identidade que hoje conhecemos – Museu Nacional de Arte Antiga – tendo-lhe sido acrescentado o corpo quadrangular que hoje serve de fachada ao museu e que foi inaugurado com a grande exposição sobre os “Primitivos Portugueses”.



Bem preservado e enriquecido com o espólio deste extraordinário museu, o Palácio das Janelas Verdes é um dos bons exemplos da preservação das memórias da Cidade de Lisboa e de Portugal continuando a contribuir para maravilhar quem visita Lisboa e para a definição dos alicerces culturais de Portugal.


Acessível ao público, mantém viva a memória dos Távoras, do ignominioso processo que quase os extinguiu definitivamente e, sobretudo, das maningâncias que o poder político utiliza para pôr e dispor do destino dos Portugueses… No Século XVIII, no XIX, no XX, exactamente da mesma forma como acontece neste nosso Século XXI. 



terça-feira

O Palácio dos Condes de Óbidos em Lisboa




Situado de frente para o Rio Tejo, junto ao Jardim 9 de Abril e ao Museu Nacional de Arte Antiga, mais conhecido por Palácio das Janelas Verdes, em Santos, o Palácio dos Condes de Óbidos é mais uma das preciosidades pouco conhecidas da cidade de Lisboa.

Datado do Século XVII, quando Dom Vasco de Mascarenhas o construiu, o Palácio dos Condes de Óbidos apresenta uma fachada marcada pela sobriedade das suas linhas, pontuadas com grandes torreões quadrangulares ao sabor dos velhos solares medievais Portugueses. Virado o Sul, um grande terraço com vista para o rio, é decorado com um dos muitos e extraordinários painéis de azulejos que acrescentam uma nota de interesse ao edifício.

Para além de um conjunto azulejar da autoria do Mestre Vitória Pereira, autor do conjunto de azulejos que dão forma à Igreja de Santo António do Estoril, ainda se pode ver um painel maravilhoso da autoria de Jorge Colaço (1868-1942) que, durante algum tempo, também viveu no palácio.

Adquirido pela Cruz Vermelha Portuguesa em 1919 aos Condes de Óbidos, o edifício conheceu vários usos e teve enorme importância na assistência social de Lisboa durante vários períodos conturbados da nossa História.


Inacessível ao público, que fica impedido de o conhecer de forma cabal, o Palácio dos Condes de Óbidos é mais um dos segredos desta cidade que espera ainda pela oportunidade de se mostrar e de partilhar com os lisboetas as maravilhas do seu encanto tão especial.