quarta-feira

O Castelo de Marvão


por João Aníbal Henriques

Recortado na paisagem impactante da Serra de São Mamede, sobranceiro ao Rio Sever e à linha de fronteira que separa Portugal de Espanha, o Castelo de Marvão é um dos mais importantes e interessantes monumentos nacionais.

Tendo sido construído originalmente pelos romanos sobre os restos arqueológicos de uma velha fortificação castreja, o castelo responde desde sempre à sua localização estratégica sobre aquela região, permitindo controlar visualmente um vastíssimo território que é essencial nos momentos mais inquietantes de guerras e de violência.



Existente de forma plena durante o período de ocupação moura, terá sido quartel-general do importante chefe árabe Ibn Meruan, que ali se terá instalado de forma a assegurar o sucesso da ofensiva militar islâmica sobre as tropas muito deficitárias que restavam aos velhos poderes visigodos. As suas muralhas, providas de um reforço natural pelo aproveitamento dos maciços rochosos onde foram erguidas, conheceram nesse período momentos de grande turbulência, estando na primeira linha de defesa dos novos poderes e, por isso mesmo, sempre sujeitas a eventuais tentativas de ataque por parte das forças inimigas.

Por esse motivo, quando Dom Afonso Henriques reconquista o território em 1166, terão sido motivo de pequenas obras de consolidação e de melhoramentos diversos de forma a assegurarem cabalmente as necessidades defensivas do novo reino.



A sua importância está atestada documentalmente desde 1226 quando o Rei Dom Sancho II lhe confere uma Carta de Foral, posteriormente reconfirmada pelo Rei Dom Manuel em 1512.

Durante o reinado de Dom Dinis, as velhas paredes defensivas foram profundamente adaptadas, assistindo-se à construção da torre de menagem que hoje ainda ali vemos e pela consolidação das estruturas amuralhadas que se prolongam desde a barbacã estendendo o domínio defensivo do castelo a toda a vila de Marvão.



Serão provavelmente contemporâneos da já referida Torre de Menagem a imponente praça de armas do castelo e, sobretudo, a relevantíssima cisterna que possuía capacidade de manter a população provida de água durante longos seis meses de um qualquer ataque que os sitiasse ali dentro.

Altaneiro, como quase todos os castelos medievais portugueses, o Castelo de Marvão define-se a partir da forma como se impõe cenograficamente em toda a região. As suas paredes ancestrais, desenhadas de forma sublime ao longo de várias gerações de gentes que delas dependeram para defender a sua própria vida, gemem ainda os ecos antigos do imenso sofrimento a que já assistiram. E rejubilam também, por vezes de forma um pouco incauta, perante as recordações extraordinárias que vitórias que em virtude delas ali foram conseguidas.



Todo o espaço está prenhe de significado. Todos os detalhes denotam de forma muito firme a Identidade de Portugal!

A Vila de Marvão no Alentejo



por João Aníbal Henriques

Quando se entra em Marvão, depois da subida de 862 metros da Serra ancestralmente designada como Hermínios Menores, em contraponto com a Serra da Estrela, que se vislumbra no horizonte e que se chamava Hermínios Maiores, os sentidos ficam impregnados de uma singela sensação de deslumbramento.

As ruelas, marcadas pelo desenho ancestral da sua origem árabe, serpenteiam através da orografia do território, compondo um cenário idílico que nos transporta de imediato para outras eras e para outros tempos. As fachadas das casas, fazendo contrastar a brancura da cal com as cores fortes e duras do granítico, apresentam-se majestosas, ostentando orgulhosamente os seus ferros forjados e as cantarias góticas que denotam a importância e relevância que o burgo já teve ao longo da sua história.



Construída provavelmente sobre os restos de um assentamento castrejo ainda pré-histórico, basicamente porque a sua localização elevada e estrategicamente disposta de forma a prever eventuais ataques inimigos e a defender a população e as suas riquezas minerais assim o determinou desde o dealbar dos tempos, Marvão foi inicialmente um burgo romano. Naquele lugar, por onde se cruzavam importantes rotas viárias essenciais para a sobrevivência e para a pujança do império, confluíam interesses diversos que definiram a necessidade de povoar o local e de promover condições de atractividade para todos aqueles que por ali viviam cumprindo as suas obrigações sociais.

Será dessa época o desenho inicial da sua estrutura edificada que, aproveitando as características naturais do povoado, define um perímetro protegido de ataques e de perigos e, dessa maneira, promovendo a segurança necessária ao estabelecimento de comunidades humanas que escolheram o local para edificar as suas habitações. A sua forma alongada, prolongando artificialmente até ao castelo a orografia natural do território, controla visualmente uma vasta região que vai até à já mencionada Serra da Estrela, num plaino abrangente que lhe confere características únicas de habitabilidade no contexto de então.



Durante a ocupação árabe, depois do Século VIII, Marvão ganha a configuração definitiva que hoje lhe conhecemos. Até porque a sua importância estratégica e militar, numa lógica de aculturação que os ocupantes africanos consigo trouxeram e que aplicaram na generalidade das terras conquistas na Península Ibérica, exigia que um ponto tão relevante como este fosse devidamente cuidada, ocupada e defendida.

Terá sido encarregue de tal desiderato o importante chefe muçulmano de Coimbra Ibn Meruam que ali se instalou e se encarregou de adaptar o espaço às necessidades de defesa destes novos tempos. Terá sido, aliás, a deturpação do seu próprio nome que definiu o próprio topónimo da localidade. Meruam que evoluiu para Mervam depois da reconquista cristã e, por fim, a palavra Marvão que hoje conhecemos.




Integrada no novo Reino de Portugal desde 1166, ainda durante o reinado de Dom Afonso Henriques, Marvão depressa assumiu a sua importância enquanto guardiã da fronteira e dos ataques vindos do actual território de Espanha. E, precisamente nessa perspectiva, recebe em 1226 a sua primeira Carta de Foral que lhe foi conferida pelo Rei Dom Sancho II. Mais tarde, já por decisão do Rei Dom Dinis em 1299, vê a sua velha estrutura defensiva intervencionada e transformada num verdadeiro castelo capaz de desempenhar as suas importantes funções no contexto bélico que caracterizava aqueles tempos.

Em 1512, quando o Rei Dom Manuel lhe confirma a sua Carta de Foral, já Marvão era um importante e influente centro administrativo, dotado da capacidade de contribuir de forma evidente para o reforço da própria capacidade autonómica de Portugal.



A pacificação da fronteira, sentida durante essa época, terá porventura sido decisiva na perda da importância estratégica de Marvão nos anos subsequentes. E, por esse motivo, assiste-se a uma fuga da população para as vilas e aldeias existentes no sopé da serra, mais abrigadas das agruras do clima e com uma acessibilidade melhorada para motivarem o comércio e os transportes. A situação tornou-se de tal forma dramática que ainda no Século XVI se estabelece um Couto dos Homiziados como forma de motivar a instalação de nova população.

De acordo com essa legislação, que perdurou até 1790, a instalação em Marvão libertava os moradores que ali se fixassem de acções judiciais de que tivessem sido vítimas por crimes que tivessem cometido anteriormente… E a limpeza do cadastro criminal foi motivo para a instalação de muita gente!



Digna de nota especial, por entre o extraordinário conjunto de monumentos religiosos que a povoação apresente, é a Capela de Nossa Senhora da Estrela, construída fora de portas e abrigada no seio de um convento do Século XV.

Reza a lenda que por ali se venerava desde o tempo dos Visigodos uma imagem de Nossa Senhora trazida pelos povos Hermínios desde a longínqua Serra da Estrela. E depois da Batalha de Guadalupe, onde sanguinariamente o Rei Godo Rodrigo foi derrotado pelos mouros, de forma a proteger a imagem de ultrajes que viessem a ser perpetrados pelos infiéis, foi a mesma escondida no meio das penedias que envolvem Marvão onde ficou até se lhe perder por completo o rasto ao longo de três séculos.

Quando da Reconquista Cristã, numa noite cálida do verão alentejano, um pastor que por ali circulava com o seu rebanho terá sido deslumbrando com uma estrela com uma fortíssima luz que o foi guiando até ao esconderijo onde se guardava a imagem. E, redescoberta, foi construída a capela e encetado um culto muito significante que é parte essencial da devoção identitária do povo de Marvão.