por João Aníbal Henriques
A morte do Papa Francisco que, em
linha com o seu pontificado profundamente ecuménico, tocou de forma muito
sentida o coração de muitos milhões de pessoas de todos os credos e religiões
em todo o planeta, é um dos mais marcantes momentos deste ano de 2025.
Francisco, o 266º Papa desde a
fundação da Igreja por São Pedro, chefiou o catolicismo desde o dia 13 de Março
de 2013 até à data da sua morte no Vaticano na passada Segunda-feira. Nascido
na Argentina, com o nome de Jorge Mário Bergoglio, foi ordenado padre em 1969,
encetando assim uma vida de entrega total e absoluta a Cristo e à defesa dos
mais pobres e desfavorecidos.
Em 2023, no 10º aniversário do
seu Pontificado, viajou para Portugal para presidir às cerimónias integradas
nas Jornadas Mundiais da Juventude e, envolvido num registo de emoção e significado,
foi o primeiro Papa a visitar o Concelho de Cascais, deixando um registo na
História Municipal que perdurará eternamente na memória dos cascalenses.
Mas não se esgota nesta visita a
ligação do Papa a Cascais.
Na Estação Arqueológica dos
Casais Velhos, junto à aldeia da Areia e das Dunas do Guincho, existe uma
antiga fábrica de púrpura fundada no Século I d.C. A tinturaria, classificada como
Imóvel de Interesse Público desde 1984, insere-se num complexo arqueológico de
génese romana que integrava igualmente uma zona residencial, uma necrópole e um
sofisticado sistema de termas com banhos quentes e frios. Ali, mediante um
processo químico desenvolvido nos tanques que ainda hoje podem ser observados,
trabalhava-se um marisco comum nestas costas marítimas – o murex – que era
triturado e preparado de forma a transformar-se na mais importante tinta da
antiguidade.
De entre os vários rituais
simbolicamente essenciais para marcar a dignidade papal, dos quais se destaca a
abdicação da sua identidade civil e a escolha de um novo nome logo no início do
Pontificado, simbolizando a negação peremptória dos laços que o ligavam à vida
terrena de forma a poder assumir de forma plena o papel de representante de
Jesus Cristo na Terra, o Papa, após a sua eleição no Conclave, eterniza a
ligação à cor púrpura, que define simbolicamente os laços entre as funções
sagradas que exerce e o Sacrifício Maior da nossa História, o derramamento do
sangue sagrado de Jesus.
Por vezes mal compreendidos, pelo
seu carácter vincadamente simbólico, estes rituais ajudam a definir o importantíssimo
papel que o Papa sempre teve na vida religiosa, cultural, política e social da
Europa e do Mundo. Integrados nas vestes
fúnebres que marcam a despedida terrena do Papa Francisco, lá vemos os sapatos
purpurados que representam esse laço de entrega total à Causa Maior que a
Cristandade congrega.
E a tinta púrpura, simbolicamente
transformada no Sangue de Cristo, foi fabricada nos Casais Velhos, em pleno
Concelho de Cascais, de onde era transportada para Roma para “purpurar” as
vestes dos mais importantes dignatários da Igreja Católica Apostólica Romana…
Assumindo a matriz Cristã e
Católica desta Europa em que agora vivemos, na qual a Igreja teve papel
determinante ao longo de muitos séculos, podemos inferir que Cascais, através
da púrpura que se produzia nos Casais Velhos, deu um contributo relevante e de
primeira importância para consolidar a civilização ocidental que hoje ainda vamos
tendo.
A despedida do Papa Francisco, o
primeiro de todos os Papas a visitar Cascais, é assim profundamente sentida neste
concelho, não só pelas memórias boas que guardamos do seu Pontificado e da sua
mensagem, como também pelas ligações simbólicas que a Nossa Terra sempre teve
com a História da Igreja Católica na sua expressa missão de representar na
Terra o único e verdadeiro Filho de Deus.
Que descanse em paz.