por João Aníbal Henriques
Quando Cascais assistiu, nos idos
de 1869, à inauguração do Teatro Gil Vicente, recém-construído a expensas do
ilustre Cascalense Manuel Rodrigues Lima, ainda não tinha perfeita consciência
da importância desse acto e dessa data da História da própria vila.
É que, nesse ano, Cascais era
ainda a pequeníssima aldeia de pescadores situada numa das zonas mais
longínquas dos arredores de Lisboa, conhecida mais pelo seu peixe e pela sua
importância estratégica de âmbito militar, do que pela arte, ciência, sociedade
ou cultura.
Mas foi em 1869, com a
inauguração do teatro, que tudo começou a mudar.
Logo nesse mesmo ano, depois de
os jornalistas lisboetas noticiarem a inauguração de um “teatro de luxo na vila
de Cascais”, os cerca de 500 lugares da sala de espectáculos esgotaram várias
vezes. Por ali, como se de uma grande capital cosmopolita se tratasse, passaram
os grandes nomes da vida artística europeia dessa época. Desde o grande actor
Vale, passando por Mercedes Blasco, Laura Ferreira, Pedro Cabral, Beatriz Rente
e Pereira da Silva, muitos foram os nomes famosos que levaram longe a fama da
nova casa de espectáculos e da própria vila de Cascais, recriando em torno da
povoação uma mística de interesse que nunca mais desapareceu.
Terá sido também a partir da
construção do Teatro Gil Vicente, que se criaram em Cascais numerosos grupos,
colectividades, associações e academias, que alteram por completo a vivência
social e cultural do velho burgo. O teatro de amadores, ainda hoje recordado
com nostalgia por ter marcado de forma perene a História de Cascais,
desenvolveu-se sempre em torno deste espaço. D. Fernando Atalaia, Rodrigo
Berquo, Maria Luís da Costa, Belmira Lima, D. José de Atalaia, Ermelinda Assunção,
subiram ao palco lado-a-lado com celebridades estrangeiras como Sandor Vegh,
Eisenberg, Hans Munch e Karl Engel. E o fulgor manteve-se inalterado durante
praticamente um século. Francisco Carneiro, Luís Costa Constante, João
Constante, Helena Pinto, Edmundo Ferreira, Jaime Salgado, Marília Costa, Cármen
Mota, João Carriço, Juvenália Tavares, são apenas alguns exemplos dos muitos
artistas amadores que durante muitas décadas foram criando, encenando e fazendo
subir ao palco algumas das mais divertidas, cómicas, dramáticas e culturalmente
emblemáticas peças de teatro do país.
Foi também a inauguração do
Teatro Gil Vicente, com toda a animação que a envolveu, que motivou o Rei Dom
Luís I e a Corte Portuguesa, a escolherem Cascais como estância de veraneio a
partir de 1870, tendo a Família Real assistido, de forma reiterada, a várias
peças de teatro e inúmeros eventos culturais nas cadeiras deste novo espaço de
entretenimento.