quarta-feira

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação em Oeiras



por João Aníbal Henriques

Apesar de serem indecifráveis as origens da actual Igreja Matriz de Oeiras, é certo que precedem em muitos séculos o ano de 1744, quando o actual edifício foi concluído e consagrado.

A invocação de Nossa Senhora da Purificação, num apelo assumido às origens judaicas da Fé Cristã, remete-nos directamente para a vertente crística da Vida Sagrada de Jesus. Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, numa dualidade que represente o carácter completo da sua criação, Jesus apresenta-se entre os homens como fazendo integralmente parte deles, partilhando os seus anseios e dúvidas e, sobretudo, sofrendo as dores próprias da materialidade terrena.

Passados os vinte dias depois do parto, necessários para que Nossa Senhora se purificasse de acordo com as Leis de Moisés, ficam os progenitores terrenos obrigados a apresentar a criança no templo, de forma a assegurar a sua entrega total a Deus e o cumprimento da vontade determinada para aqueles que fazem parte do povo escolhido.

Na sua limpeza da materialidade, Nossa Senhora assume a sua pureza original, vincando o carácter também bicéfalo da sua existência, e marcando o fim do período em que no seu útero foi gerado e consubstanciado aquele que transporta consigo a centelha divina do Pai.

É, por isso, de extraordinária importância a consagração de Oeiras à Virgem da Purificação, significando simbolicamente que a dualidade crística de Deus se consubstancia em cada acto e em cada momento da existência desta comunidade cristã que reside devocionalmente nos subúrbios de Lisboa.



O trabalho do dia-a-dia, em Oeiras arreigadamente ligado à terra e à sua fertilidade, depende directamente dos ciclos da natureza e da bondade que a mesma dedica a quem delas depende por estes lados. Os oeirenses, conscientes desta sua dependência ancestral (e natural) invocam assim a purificação de Nossa Senhora como caminho que lhes permite o desenvolvimento da sua Fé como garante da sua subsistência terrena no devir diário da comunidade.

A totalidade, num espaço e junto das gentes que o vivem quotidianamente, faz-se assim dos ardores do dia-a-dia mas, por intercessão divina, goza igualmente da protecção purificadora de Maria, a Virgem-Mãe que protege os seus filhos com a luz imaterial e que se sustenta pela Fé ardente. Nesta dedicação consagrada a Deus, sabendo de antemão que cada gesto e cada pensamento se complementam para garantir a plenitude de uma vida sã que abra portas para o Céu, vive-se sempre com a Alma repleta de esperança, concretizada no coração do centro histórico da vila de Oeiras neste monumento extraordinário que ainda hoje cumpre a sua orientação primordial.



Perdidas no tempo as origens do edifício que hoje ali podemos observar, é certo que em plena Idade Média, durante o reinado de Dom Dinis, já existia naquele sítio um edifício sagrado. Em 1258, a Paróquia de Oeiras surge ligada à Colegiada de São Lourenço de Lisboa, preservando sempre a invocação sagrada a Nossa Senhora da Purificação. Tendo sofrido obras de com solidação e recuperação diversas ao longo dos séculos, bem documentadas nos anais da História de Portugal, a Igreja Matriz de Oeiras era no início do Século XVIII demasiado insignificante perante o crescimento exponencial da sua comunidade e, consequentemente, perante os desejos legítimos de afirmação e de grandeza das gentes que o frequentavam. O edifício do antigo templo é então demolido e iniciam-se em 1702 as obras de construção da Igreja Matriz que hoje ali encontramos.

Com projecto de João Antunes, que cumulativamente ficou encarregue de transportar para a nova igreja os elementos diferenciadores da Fé vivida intensamente pelos oeirenses de então, as obras de construção avançam sob a tutela de Duarte de Castro dos Rios, transferindo-se a paróquia provisoriamente para a Capela de Santo Amaro.

De acordo com a informação expressa no website da Câmara Municipal de Oeiras (em www.oeiras.pt), que reforça o interesse deste monumento para a compreensão daquilo que representa o município no contexto metropolitano de Lisboa, “o interior da Igreja Matriz de Oeiras possui alguns elementos que se destacam pela sua grande beleza. É o caso da pia batismal, obra do mestre Matias Duarte, com o pé de pedra bastarda e o corpo de pedra lioz. O lavatório da sacristia é outro dos elementos a destacar. Obra do mestre anterior, apresenta uma conjugação muito feliz de pedra lioz (branca) e de pedra vermelha (mármore avermelhado), tratando-se de um conjunto de rara perfeição e beleza, salientando-se também os púlpitos, de perfeição e rendilhados impressionantes. Convém também dar uma especial atenção às pinturas que ornamentam a igreja matriz. No altar-mor existem quatro grandes pinturas realizadas por Miguel António do Amaral. Uma delas representa a última ceia; outra, uma cena da Vida de Jesus e outra representa Madalena”.



A alusão à invocação original, num pleno de significação que nos permite perceber a continuidade simbólica que continua a unir a Fé dos oeirenses, reforça o interesse de uma visita ao local, sendo certo que ali podemos observar com atenção os elementos que demonstram comprovadamente que Oeiras é ainda hoje um dos municípios com uma Identidade Local mais marcada, explicando provavelmente a forma muito sentida a motivada que desde sempre caracteriza a robustez da consciência cívica daqueles que habitam este recanto tão especial.

Visitar a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação, em Oeiras, é viajar directamente ao âmago da Alma e do pensamento da comunidade oeirense, num acto pleno de deslumbramento que não deixa indiferente quem o faça com esta abordagem fundamentada relativamente à mensagem simbólica que aquelas pedras nos transmitem desde tempos imemoriais.


segunda-feira

A Escravatura em Cascais


por João Aníbal Henriques

Por incrível que pareça, em 1514, quando Dom Manuel I renovou o antigo Foral de Cascais, a escravatura era um exercício comercial comum na nossa vila. 

De facto, numa das posturas desse documento diz-se taxativamente que quem vendesse um escravo ou uma escrava em Cascais teria de pagar um imposto de 13 Reais e meio! E que as escravas que fossem mães de crianças que ainda mamassem não veriam agravadas as suas taxas por esse efeito.

Uma realidade cruel que caracterizou a nossa terra e o resto do mundo mas que felizmente já está muito distante! Pelo menos por cá e por enquanto…