por João Aníbal Henriques
No extraordinário Vale da Ribeira
das Vinhas, na encosta a Poente do Bairro de Santana, ainda se ouvem os ecos
antigos dos martelos dos velhos canteiros que durante muitos séculos dali
retiraram a pedra que serviu para construir a actual Vila de Cascais, a
opulenta Oeiras de Pombal e para recuperar Lisboa depois da destruição
resultante do grande terramoto de 1755.
As antigas pedreiras, marcadas
aqui e além pelos socalcos artificialmente criados pelo saudoso Armando Villar
para ali plantar uma sonhada vinha que haveria de gerar o mais aromático dos
vinhos de Cascais, preservam na sua estrutura os riscos feitos pelos formões
que com duro trabalho manual permitiam partir as enormes rochas calcárias para
produzir aquele excelente material de construção que foi sempre imagem de marca
desta terra.
A indústria da extracção e do
trabalho da pedra, milenar ensejo dos cascalenses de outros tempos,
desenvolvia-se a partir de conhecimentos ancestrais, passados normalmente de
geração em geração, que definiam a Identidade Local. Mas que, depois da industrialização,
se foram paulatinamente perdendo até restarem só os longínquos ecos que a
Ribeira da Vinhas soube preservar.
Por proposta e com a orientação
do Professor José d’Encarnação, que dedicou a vida ao estudo da epigrafia em
Portugal, lendo e descodificando as mensagens que os nossos avoengos deixaram
marcadas na pedra com a ideia de assim alcançarem a eternidade, vai nascer
neste espaço um extraordinário museu ao ar livre, no qual se vai poder ver,
sentir, ouvir e experimentar a História de Cascais.
O futuro Museu da Epigrafia e do
Canteiro, inserido na maravilhosa paisagem do Vale da Ribeira das Vinhas,
concentrará ao longo de um percurso interpretativo as principais memórias da
pedra e dos pedreiros de Cascais.
Das epigrafes romanas até aos
vestígios das velhas cantarias da Igreja da Ressurreição de Cristo, demolida em
1755 e situada onde actualmente está a Estação da CP, ali veremos as pedras que
testemunham a História de Cascais. Instrumentos, técnicas e saberes que, a
coberto de um processo de iniciação e de difícil aprendizagem, se estavam a
perder e que, agora e neste espaço, se vão efectivamente eternizar. Num apelo
de memória que nos fará regredir no tempo e viver em pleno os mais profundos
segredos das pedras de Cascais.
Vale a pena conhecer a ideia, o
projecto e o enquadramento deste novo museu de Cascais! Porque a nossa
identidade colectiva se constrói a partir da capacidade que viermos a criar de
podermos viver no presente o legado que recebemos dos nossos antepassados.