por João Aníbal Henriques
Sendo peça essencial na
determinação da memória identitária de Cascais, o Hipódromo Manuel Possolo
representa o culminar de uma história muito longa de ligação de Cascais aos
cavalos e ao hipismo que porventura remonta há mais de 2000 anos.
De facto, datado dos primeiros
anos da Era Cristã, foi encontrada na Villa Romana de Freiria uma pedra de um
vetusto anel representando uma biga, ou seja, um pequeno veículo puxado por
dois cavalos destinado a grandes velocidades e a competições hípicas. E esta
história, perdida nos anais da história cascalense, terá sido o arranque de um
processo longo que culminou, em 1936, com a concretização do velho sonho de
Manuel Possolo de criação de um equipamento moderno que pudesse albergar com
dignidade os muitos concursos hípicos que nessa altura e por sua direcção
aconteciam na vila.
Não existindo muita documentação
que nos ateste os passos que levaram à construção do hipódromo, diz-nos o ilustre
historiador cascalense José d’Encarnação que o primeiro passo foi dado por
iniciativa do Visconde dos Olivais. A pedido de José Florindo d’Oliveira e de
Manuel Possolo, que tinham fundado a Sociedade Propaganda de Cascais alguns
anos antes, o ilustre benemérito ofereceu à nova instituição uma parte dos seus
terrenos situados na zona do Parque do Gandarinha para ali se realizarem as
provas hípicas que aquela instituição realizava precariamente no fosso da Cidadela.
Pouco tempo depois, mercê da necessidade
de aumentar o espaço e começar a construção das bancadas situadas sobre o braço
da Ribeira dos Mochos que atravessa a propriedade da Família Avillez, recebeu a
Sociedade Propaganda mais um pedaço de terreno para anexar ao novo hipódromo
que foi oferecido à Câmara Municipal de Cascais como contrapartida pelo extraordinário
projecto de urbanização que a Família Espírito-Santo pretendia fazer entre as
Casas do Gandarinha e o cruzeiro que lhes pertencia nos terrenos existentes a Oeste
da Boca do Inferno.
O terceiro pedaço de terreno
anexado ao novo equipamento foi, de acordo com o apontamento da autoria do já
mencionado José d’Encarnação, adquirido pela câmara à Firma “Fomento Urbano”,
pelo valor de 536.800$00 e com uma área total de 3984 metros quadrados. Nesse
espaço, situado a Poente do relvado, construiu-se o picadeiro e ali se
instalavam as boxes que guardavam os cavalos trazidos das mais variadas partes
do País e do Mundo quando aqui se realizavam os grandes concursos hípicos que
animaram Cascais durante muito tempo.
Por fim, sem que se perceba muito
bem como é que o processo administrativo se deu, a Câmara Municipal anexou ao
equipamento um terreno de semeadura que acompanhava as margens da ribeira e que
é hoje o relvado principal do hipódromo. Estávamos em 1960 quando a edilidade
procedeu ao registo dessa parcela, atribuindo-lhe um valor matricial de
940.000$00. Aqui, durante muitos anos e por iniciativa da Sociedade Propaganda,
realizavam-se vários eventos hípicos e taurinos, utilizando-se para tal uma
estrutura amovível de madeira que era montada e desmontada para cada um dos
eventos.
O terreno situado em frente ao
Clube da Parada, onde actualmente se encontra o parque de estacionamento, era desde
sempre propriedade da Câmara Municipal, tendo servido durante muitos anos para
a construção de uma das mais famosas praças de touros de Cascais, pela qual
passaram os grandes nomes da tauromaquia nacional e, nas bancadas, as mais
ilustres personalidades do reino, a começar pela Família Real, sempre que
estava a gozar o seu período de veraneio estival na nossa terra. Como refere
Manuel Eugénio Fernandes da Silva, no seu livro sobre as touradas em Cascais,
esta praça de touros foi construída em alvenaria, tendo sido posteriormente
demolida para a construção da Monumental de Cascais, situada no Bairro do
Rosário, e criando o espaço necessário para a construção do mítico Pavilhão do
Dramático.
O espaço sobejante, ou seja, o
pedaço de terreno que existia nas traseiras do ringue de hóquei do Dramático de
Cascais, e que confrontava com o equipamento hípico, foi nessa altura alugado pela
câmara à Sociedade Propaganda de Cascais por 500$00 mensais, de forma a poder
ser utilizado como campo de aquecimento para os cavalos que disputavam os
concursos hípicos realizados no hipódromo.
Esta amálgama de histórias e de
variados espaços que confluem para a criação do Hipódromo de Cascais, resultam
em primeira instância do trabalho realizado por Manuel Possolo que, sem descanso,
nunca desistiu de empreender todos os contactos, pressões e explicações para
que o poder político vigente apoiasse as pretensões de Cascais a ter um
hipódromo ao nível do melhor que existia no mundo hípico de então. Mas, sem
grandes fundamentos documentais, foram necessários os esforços de todos para
que fosse possível levar a bom porto o cumprimento deste comum desiderato.
Em 1993, perante as mudanças que
se avizinhavam nos equilíbrios políticos municipais, a edilidade resolve, sob
proposta do Vereador João Reixa, regularizar toda a situação assinando um
protocolo global com a Sociedade Propaganda de Cascais que, com a duração de 50
anos a contar dessa data, garantisse que o equipamento continuaria incólume e a
desenvolver as suas funções hípicas. O preço simbólico de renda de 1.000$00 por
ano, pretendia, de acordo com os pressupostos da proposta que foi aprovada em
reunião de câmara, reconhecer o trabalho que a Sociedade Propaganda de Cascais
vinha fazendo há muitas décadas na área do desporto hípico municipal. E assim,
esta insigne instituição assume o encargo de zelar e manter o hipódromo e de o
rentabilizar desportivamente até 2043, estando previsto igualmente a renovação
automática consecutiva por períodos de 10 anos depois dessa data.
Profundamente marcado pelas
memórias de muitas dezenas de concursos hípicos que ali se realizaram durante
muitas décadas, o Hipódromo de Cascais carrega consigo a responsabilidade de
manter viva a recordação de Manuel Possolo. O ilustre cascalense que criou o
equipamento e que tanto contribuiu para levar bem longe o nome e a fama de
Cascais, faleceu na sua casa, situada na Rua Carvalho Araújo, envolvido pela
auréola mítica que nasceu com a sua prolífera actividade no universo municipal.
Fotografias
@ Arquivo Histórico Municipal de Cascais