sexta-feira

A República em Cascais (1910-2010) – O Crescimento Real





por: João Aníbal Henriques

Povoada até aí quase exclusivamente por agricultores que ocupavam a sua zona mais interior, e uns poucos pescadores assentes na faixa litoral, a Vila de Cascais assistiu passivamente a uma radical transformação social.

Se a presença no povoado de um pequeno convento da Ordem Carmelita, dedicado a Nossa Senhora da Luz, serviu de incentivo à modernização de algumas das actividades desenvolvidas no sector primário da economia, a extinção das Ordens Religiosas, com toda a problemática que a envolveu, representou o final da única instituição relevante no desenvolvimento social de Cascais. Por esse motivo, quando em 1832 o edifício do convento é vendido em hasta pública, são poucos os interessados em adquiri-lo, sendo que, em pouco mais de cinquenta anos, conheceu um elevado número de proprietários, tendo entrado na posse do Visconde do Gandarinha já após o surto de desenvolvimento encetado pelo Visconde da Luz (6) já no último quartel do Século XIX.

Foi, no entanto, o gosto pelo mar da Princesa Maria Pia de Sabóia, que no dia 5 de Outubro de 1863 chegou a Cascais para desposar o monarca Português Dom Luís I, que contribuiu de sobremaneira para a transformação do espectro social da vila. As suas origens Italianas, da Família Sabóia, misturadas com as reminiscências da Dinastia de Saxe-Coburgo-Gotha, da qual descendia, faziam dela uma das mais espontâneas admiradoras das belezas naturais, as quais cascais possuía em grande abundância…

Um novo ciclo vai dimanar para Cascais destas novidades que, em conjunto com a acção dinamizadora do Visconde da Luz, vão trazer a esta Vila o esplendor da fina-flor da sociedade da época. A chegada da Corte, noticiada pela imprensa no mês de Setembro de 1870 (7), vem marcar para sempre o devir histórico da localidade, que passa assim a usufruir do estatuto de Vila da Corte. Por este motivo, passam a afluir a Cascais em carácter de veraneio ou mesmo em esporádicos passeios dominicais, uma numerosa horda de forasteiros que entregam à povoação Cascalense um movimento que ela nunca sonhara poder vir a conhecer. É neste contexto festivo, rodeado de um fausto difícil de igualar, e em que as grandes famílias Portuguesas lutavam para se impor, que se celebravam constantemente grandes recepções e jantares, aos quais, todo aquele que pretendesse atingir o estatuto de galã social, não se poderia furtar.

Muitas vezes com prejuízo irremediável para o restante do ano, as famílias Lisboetas alugavam as modestas habitações dos pescadores da Vila, onde, de acordo com os relatos da época (8) sobreviviam sem as menores condições de higiene e comodidade, não dispensado, no entanto, a utilização dos melhores serviços de prata que possuíssem nos seus palácios na capital. Num curioso episódio descrito por Dom Tomaz de Mello Breyner, Conde de Mafra, é possível vislumbrar as pitorescas situações a que se podia assistir durante a estação estival Cascalense (9). É enquadrado neste ambiente forjado que se assiste a um progressivo aumento das actividades na Vila que para aqui atrai um cada vez maior número de visitantes.

Os anos que decorrem após 1870 são férteis na actividade de construção, aparecendo diversos chalets e palacetes que garantiam uma maior comodidade aos grandes senhores do Reino. É este o caso das obras de remodelação da Cidadela, para a estada da Família Real, bem como a construção dos Palácios dos Duques de Palmela, a “Casa da Serra” de Andrade Torrezão, e diversos palacetes pertencentes, de entre outros, a António José Marques Leal, Francisco Ribeiro Ferreira, Duques de Loulé, Eduardo Plácido, Marquês da Foz, D. António de Lencastre, Carlos Mantero, Marquês do Faial, D. Nuno d’Almada, Conde de Arnoso, D. António de Avillez, Raul Lino, Jorge O’Neill, Francisco Vilaça e os Condes de Castro Guimarães.

Paralelamente a este esforço modernizativo que obrigou a uma radical transformação da paisagem urbana do burgo, ocorreu a acção social da Duquesa de Palmela que, mercê da sua abastada posição económica, provocou uma renhida concorrência com a Rainha, promovendo recepções e jantares a um ritmo alucinante, para os quais eram convidados os maiores e mais importantes fidalgos do País. O Palácio Real da Cidadela, para além de não possuir o fausto do da Duquesa de Palmela, sofria com a depauperada situação financeira da Rainha Dona Maria Pia, que se via obrigada a grandes esforços para manter o seu esplendoroso nível de vida.

(6) A respeito da via no Convento de Nossa Senhora da Piedade e do complexo processo de que foi alvo e definiu as inúmeras modificações acontecidas no final do Século XIX ver: MENDES, Fernando Viana, “Escavações Arqueológicas Mostram Quatro Séculos de História”, Jornal A Zona, 12.02.1993; TEIXEIRA, Carlos A., “Escavações Arqueológicas em Cascais Desvendam Quatro Séculos de História”, Jornal da Costa do Sol, 13.02.1992; HENRIQUES, João Aníbal, “O Estado da Cultura ou a Cultura do Estado”, Jornal Tribuna Regional, Janeiro de 1993; BARAONA, Joaquim, “As Casa da Gandarinha em Cascais: Tudo Concertado Antes do Final do Ano”, Jornal Tribuna Regional, Setembro de 1993; TEOTÓNIO PEREIRA, Inês, “Sem Piedade”, Jornal O Independente, 15.10.1993; HENRIQUES, João Aníbal, “As Casas da Gandarinha em Cascais – A Hora da Mudança”, Jornal da Costa do Sol, 28.10.1993; HENRIQUES, João Aníbal, “Casas Abandonadas de Cascais: As Casas da Gandarinha e o Convento de Nossa Senhora da Piedade”, Jornal Tribuna Regional, Outubro de 1993; HENRIQUES, João Aníbal, “Convento de Nossa Senhora da Piedade – 400 Anos de História”, Jornal da Costa do Sol, 17.03.1994; HENRIQUES, João Aníbal, “História Rural Cascalense”, Cascais, Junta de Freguesia de Cascais, 1997.
(7) Jornal do Comércio, Domingo, 15 de Setembro de 1870: “Cascais – Os bons e pacíficos cidadãos de Cascais fizeram esplêndida recepção a El-Rei e à Rainha, que para fazerem uso de banhos no mar, chegaram àquela Vila às seis e um quarto da tarde do dia 12. Desde o princípio da Vila até à Cidadela, as janelas estavam enfeitadas com bandejas, globos de vidro, e vistosas colchas de damasco. As ruas encontravam-se cobertas de areia e de buxo”.
(8) Diário de Notícias, 28 de Agosto de 1871.
(9) “A Madame Dupias vinha a Cascais de visita a uma amiga doente, moradora numa rua estreita, pobre, suja e calçada com pedregulhos, encontrou uma titular das suas relações saindo de uma habitação modestíssima e preparando-se para entrar num coupé bonito, puxado por bela e bem arreada parelha, com um cocheiro bem fardado e um trintanário bem posto de chapéu na mau, abrindo a portinhola. Esta senhora em Lisboa vivia numa casa magnífica”.