sexta-feira

A Capela de Nossa Senhora de Porto Salvo em Oeiras



por João Aníbal Henriques

Quem entra por mar na Barra do Tejo, provavelmente procurando chegar à sempre mítica Cidade de Lisboa, orienta a navegação através da interpretação dos sinais que vai vendo ao longo das margens. O primeiro e mais importante, definindo a rota que permite discernir a entrada na Grande Barra, é o Alto de Caspolima, onde hoje se ergue a Vila de Porto Salvo.

O próprio topónimo desta importante freguesia do Concelho de Oeiras é, aliás, a tradução linear dessa relação que aquele espaço tem com o mar e com o acesso a Lisboa através da Barra do Rio Tejo. Porque, diz uma das correntes que procura explicar a origem da localidade, os marinheiros entendiam o avistamento daquele morro como sinal da chegada em segurança ao Porto de Lisboa. E, dessa maneira, assumiram então que a inovação de Nossa Senhora de Porto Salvo seria aquela que melhor definiria o ensejo de chegar de forma segura ao seu destino.




Na sua versão mais romântica, provavelmente misturando os resquícios de uma lenda antiquíssima com a realidade vivida neste local desde tempos imemoriais, terão sido uns marinheiros da Carreira das Índias que, num dia particularmente difícil de grande temporal vivido angustiosamente no Cabo das Tormentas, terão feito um voto a Nossa Senhora prometendo construir uma pequena ermida no morro de Caspolima caso a sua protecção lhes permitisse regressar em segurança a Lisboa. Dessa maneira, seria essa a origem da construção da airosa capela que ainda hoje marca de forma charmosa a paisagem naquelas terras.

O topónimo antigo – Caspolima – terá então caído em desuso, à medida em que crescia a comunidade de devotos seguidores da protecção que Nossa Senhora de Porto Salvo sempre oferece a todos os navegadores que a invocam.

Segundo informação da própria Junta de Freguesia de Porto Salvo, era usual que os navios que procuravam chegar ao Porto de Lisboa disparassem sempre uma salva de 21 tiros quando avistavam a pequena capela, homenageando assim a padroeira da localidade e consagrando-lhe o sucesso das suas viagens. De acordo com aquela Autarquia, esse costume prolongou-se ao longo do Século XIX tendo progressivamente desparecido ao longo da centúria seguinte.



Vincadamente inserida na tipologia própria das antigas capelas rurais que proliferam nas imediações rurais do termo de Lisboa, a Capela de Porto Salvo apresenta, no entanto, características únicas que a demarcam das suas congéneres. Basicamente porque, com o crescimento desmesurado que conheceram as terras de Oeiras ao longo do Século XVIII, ela tenha sido reconstruída, ganhando detalhes decorativos que se afiguram deveras marcantes. É o caso dos painéis de azulejos que decoram a sua fachada e que retratam os milagres atribuídos a Nossa Senhora de Porto Salvo, de autoria atribuída a Oliveira Bernardes e datados de 1740, bem como a construção do alpendre adossado ao corpo principal que oferece ao lugar um toque de requinte que acompanha ao aumento exponencial do número de devotos que procuravam o espaço para expressar a sua Fé em Nossa Senhora.

Com origem definida para o Século XVI, consagrando assim a versão lendária da sua fundação e a ligação ao mar e ao grande empreendimento dos Descobrimentos Portugueses, a Capela de Porto Salvo foi alvo de dois grandes momentos de ampliação em épocas posteriores que alteraram de forma quase radical a simplicidade original da antiga ermida seiscentista.



O que não se alterou, senão no multiplicar devocional, foi a orientação primitiva que se associa a este espaço. O cunho mariano, onde Nossa Senhora, Mãe de Jesus, se assume como fulcro de Fé e fonte de protecção, está plasmado de sobremaneira nos várias elementos arquitectónicos que actualmente caracterizam este templo. No interior, ao longo da sua única nave, a capela integra uma interessantíssima descrição em azulejos azuis e brancos da Fuga para o Egipto, numa alusão, provavelmente algo velada, da forma como a intervenção da Mãe-Primordial é ela própria o garante da segurança dos seus filhos. E em todo o espaço sagrado, são as litanias a Nossa Senhora que melhor descrevem essa entrega devocional à Rainha de Portugal, na certeza bem vincada que quem se lhe dedica fica imediatamente protegido de maiores males.

O recinto da capela, envolvido por um murete que acompanha as práticas devocionais durante os períodos de festa em honra da padroeira, permite-nos perceber que a expressão simbólica da religiosidade local desde sempre foi acompanhada de uma movimentação expressivamente pagã, com festas e arraial que prolongava pela localidade a singeleza dos monumentos religiosamente mais relevantes.



A Capela de Nossa Senhora de Porto Salvo é actualmente marco efectivo da forma como se consolidou a vivência humana no território municipal oeirense. E, nas suas características formais, define com rigor a capacidade que localmente se criou de mesclar o paganismo ancestral às práticas religiosas cristãs e católicas, recriando um percurso de continuidade que afirma de sobremaneira o respeito pela diferença de opiniões e de crenças que permanentemente por aqui grassou.

É de visita obrigatória para quem pretende perceber a importância que o Termo de Lisboa teve no desenvolvimento renascentista de Portugal, e na forma como a devoção religiosa das suas gentes foi fundamental para formatar socialmente a sua estrutura comunitária.