por João Aníbal Henriques
Numa iniciativa conjunta da
Junta de Freguesia de Cascais e Estoril e do Vice-Presidente da Câmara
municipal de Cascais, Nuno Piteira Lopes, Cascais homenageou Joaquim da Piedade
Aguiar, atribuindo o seu nome à rotunda situada junto ao lugar onde nasceu. Ao fazê-lo, num preito de homenagem e
gratidão, reconhecendo a entrega, a coragem, a determinação e o amor a Cascais
que Joaquim da Piedade Aguiar, o mítico Joaquim da Galera bem conhecido por
todos os cascalenses, devotou a esta nossa terra ao longo de toda a sua vida.
São infelizmente raros aqueles
que com o dom da sua vida conseguiram dedicá-la, assim a 100%, à terra onde
nasceram e onde sempre viveram, deixando atrás de si um rasto extraordinário
que teve, tem e terá repercussões directas na Identidade Municipal e na
qualidade de vida de milhares de cascalenses. E o Joaquim da Galera fê-lo!
Joaquim da Piedade Aguiar é uma
das mais incontornáveis personagens do Cascais em que hoje vivemos. Nascido ali
mesmo, na Rua Freitas Reis, no dia 24 de Fevereiro de 1938, cresceu sob a
chancela de um grande dinamismo que atravessava longitudinalmente todo aquele
extraordinário recanto de Cascais.
Empregado de comércio conhecido
por todos os cascalenses, com aquele seu jeito inato que tornava especiais
todos os clientes que pelas suas mãos passavam, depressa se impôs no panorama
comercial de Cascais. No início da sua vida profissional esteve ligado à mítica
Casa Tomaz e, desde cedo, marcou definitivamente a forma de bem receber e de
servir quem procurava encontrar roupa e demais acessórios de vestuário.
Em 1974, com as oportunidades
que se multiplicavam como resultado do caos revolucionário, Joaquim Aguiar
identificou uma loja situada junto à Estação de Comboios com o potencial para
se estabelecer por conta própria e para se afirmar no comércio de Cascais.
Inicialmente numa parceria com Armindo Mestrinho, seu antigo colega na Casa
Tomaz e, depois, associado à sua mulher, abriu ao público a Galera Modas que
durante muitos anos foi referência incontornável da moda em Cascais e em
Portugal. Juntando mais tarde a Boutique Glória ao seu já vasto negócio,
depressa Joaquim Aguiar se transformou num motor da sociedade civil de Cascais,
tendo participado e apoiado em quase todas as iniciativas e projectos que foram
desenvolvidos no concelho até à actualidade.
O segredo de Joaquim da Piedade
Aguiar, para além da sua natural apetência para o negócio e da imensa
experiência acumulado durante os vinte e dois anos em que trabalhou na Casa
Tomaz estava na sua inata habilidade estética e numa extraordinária força de
vontade.
Nas suas lojas, sempre um passo
à frente do seu tempo, toda a mercadoria exposta era apresentada de forma
irrepreensível. O carácter inovador das suas montras, sempre motivo de especial
atenção por parte dos seus conterrâneos que corriam a vê-las quando as
inaugurava, tornavam a disposição dos seus artigos em autênticas exposições de
arte. E isso, aliado ao facto de permanentemente correr o Mundo em busca das
melhores colecções, dos criativos mais vanguardistas e dos materiais e marcas
mais exclusivos, depressa tornaram a Galera no espaço onde chegavam clientes de
todo o lado, cientes de que a maior parte do que de excelente ali se vendia não
seria vendido em nenhum outro lado. João Aguiar, seu filho, transcreve no livro
comemorativo do cinquentenário da Galera, um interessantíssimo apontamento
publicado pelo Jornal da Costa do Sol logo em Outubro de 1974, poucos meses
depois da abertura oficial da loja que tanto interesse havia despertado: “A
princípio hesita-se em entrar. Todo o Mundo para diante da montra panorâmica,
espreitando gulosamente o bem-apresentado recheio, onde de tudo se encontra: a
última novidade em modas para todas as idades, das mais conceituadas marcas de
pronto-a-vestir. Hesita-se porque – pela aparência – se suspeita de loja para
bolsas recheadas! Loja onde se pague o luxo que, em verdade, não existe ali
pois aquilo não é luxo, é tão-somente bom gosto, o savoir-faire. E de quem há
muitos anos trabalha no ramo. As pessoas param, admiram, admiram-se e entram!”.
Joaquim da Galera, cujo nome se
confunde com o pulsar constante da Vila de Cascais, rapidamente transformou o
êxito que alcançou enquanto empresário numa verdadeira mola propulsora da vida
da sua terra. Focado sempre no bem-comum, com a capacidade de identificar com
rigor o mérito e as virtudes dos seus conterrâneos, ele multiplica a sua
presença nas colectividades e associações de cascalenses, sempre com o seu
carisma de organizador em grande destaque e a capacidade de liderar e garantir
que todos dão igualmente o seu melhor para que Cascais preserve aquele seu
charme que faz chegar longe a sua fama. Mas não se pense que Joaquim da Galera
é o líder que assiste impávido ao trabalho dos outros, ordenando do alto do seu
altar as directrizes que garantem o cumprimento dos seus projectos. Muito pelo
contrário! Onde há projectos trabalhosos, que exigem entrega física e esforço,
eis que é ele o primeiro a conduzir as suas carrinhas de carga, a carregar
vasos de flores e a ajudar a organizar as mesas onde mais tarde também ele se
vai sentar.
Da Sociedade Propaganda de
Cascais, onde os concursos hípicos lhe exigem uma entrega sem par, até às
comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Portuguesas, até à Associação Comercial de Cascais, o dia de Joaquim Aguiar
parece ter a capacidade de multiplicar as suas horas, porque para onde quer que
olhemos, se o mote é Cascais e se o ambiente é de alegria e festa, lá está ele
a trabalhar. Igualmente nas associações de moradores da baixa de Cascais, na
Sociedade Musical de Cascais, na Associação de Bombeiros e no magnífico Teatro
Gil Vicente, é Joaquim da Galera que tem as ideias, quem as materializa e quem
tem a arte de acicatar os ânimos e pôr toda a comunidade a trabalhar
empenhadamente nestes eventos que dão forma à própria vida de Cascais.
Ao longo da sua longa vida,
Joaquim da Piedade Aguiar foi presença constante em quase tudo o que se passava
em Cascais. No Natal, quando os comerciantes rebuscavam ideias para
materializar campanhas que motivassem as vendas e as visitas de forasteiros que
por aqui deambulavam em busca dos produtos que só se encontravam em Cascais,
era ele quem estava por detrás dos concursos de montras, do embelezamento dos
canteiros públicos e sistematicamente era ele quem organizava as iluminações
que enchiam as ruas da vila de animação e música, multiplicando os ecos juntos
dos principais órgãos de comunicação social e, criando tracção, reforçavam a
mística de Cascais. E no Carnaval, quem não se recorda dos magníficos e muito
animados corsos que ligavam Cascais ao Estoril e que exigiam meses e mais meses
de preparação e trabalho? Está visto que, neste grande evento que juntava
milhares de visitantes ao longo de todo o percurso, era quase sempre o carro
alegórico da Galera Modas aquele que mais curiosidade despertava, não só pelo
cuidado na sua preparação, como pela animação que o Joaquim da Galera nele
colocava! À noite, quando o cansaço tomava conta dos foliões, não era raro
ouvir-se ao longe a música e as gargalhadas de grupos que percorriam a vila
reforçando a animação. E quase sempre, como o sabem todos os cascalenses, era o
Joaquim da Galera quem lá estava mascarado e sempre disposto a pregar partidas
que se tornaram míticas e que geraram histórias e memórias que passaram a fazer
parte das Histórias de Cascais!
Dos muitos projectos e
organizações de que fez parte, houve um que transcendeu todos os demais pelas
repercussões que teve na vida de Cascais. Em 1993, em conjunto com as mais
importantes personalidades que lideravam a designada Sociedade Civil de Cascais,
esteve o Joaquim da Galera à frente da secção de comércio e animação cultural
da recém-criada Fundação Cascais. Foi um trabalho duro aquele que foi feito
naquela instituição, lutando permanentemente pela sua independências perante
interesses políticos e partidários, e tendo como mote unicamente o bem comum
dos cascalenses. Dizia-se que era uma utopia inalcançável a Fundação Cascais.
Mas em conjunto com Isabel Olavo, António Aguiar, Luís Athayde, Pedro Canelas,
Pedro Luís Cardoso, Carlos Olavo, João de Castro, Vieira da Fonseca, João
Coelho Pinto, Jorge Marques, Pedro Garcia e tantos outros, lá esteve Joaquim
Aguiar como fundador e administrador da Fundação Cascais garantindo que a
instituição tinha as condições necessárias para cumprir os seus muitos desideratos.
A sede da instituição,
instalada numa sala dentro da sede da Sociedade Propaganda, que ele próprio
preparou para ali instalar a fundação, transformou-se num cadinho de movimento
e animação, com discussões acaloradas sobre o futuro comum da terra magnífica
que era o Cascais de então. E logo naquele primeiro ano, durante a campanha
para as eleições autárquicas, pela sede da Fundação Cascais passaram todos os
candidatos de todos os partidos que, num registo de respeito comum pelas
opiniões alheias, vieram dizer aos Cascalenses ao que vinham e o que traziam
para oferecer à nossa terra.
O trabalho preparatório, feito
com a ajuda de imensos cooperantes que voluntariamente se reuniam aquele
conjunto de homens-bons do concelho, foi feito com levantamentos sistemáticos
de informação em cada uma das áreas prioritárias de intervenção, que eram
posteriormente trabalhadas em conjunto em reuniões plenárias e das quais
resultaram projectos de intervenção que no campo alteraram radicalmente o
futuro de Cascais. Sempre com presença activa de Joaquim Aguiar, vale a pena
lembrar os concursos de arte, os concursos de montras, os torneios de futebol
juvenil, o levantamento exaustivo do património histórico de todo o concelho de
Cascais, os estudos sobre alcoolismo juvenil, a associação de apoio e desafio à
SIDA, as peças de teatro com fins beneméritos, o apoio ao trabalho feito pela
Irmã Elvira no Bairro do Fim-do-Mundo, o seminário sobre turismo e políticas de
promoção internacional de Cascais que deram forma a novas estratégias de
captação de visitantes que vieram consolidar a vocação turística municipal. E
nas edições, o livro sobre a História da Paróquia do Estoril, a publicação do
levantamento do património, o livro sobre o Plano Director Municipal, as
revistas sectoriais sobre a realidade de Cascais, o livro sobre Urbanismo &
Comércio e tantas outras publicações que ainda hoje continuam a ser referência
inultrapassável para quem pretende estudar a realidade municipal de Cascais. E,
porventura o mais importante de todos os trabalhos desenvolvidos pela Fundação Cascais
e no qual Joaquim da Piedade Aguiar foi peça-angular na sua concretização: o
grande estudo sobre saúde que culminou com uma mega-reunião no Teatro Gil
Vicente onde estiveram em aberta discussão os profissionais de saúde, os
autarcas de Cascais, os representantes da sociedade civil e do turismo e ainda
o então Ministro da Saúde. Desse trabalho, imenso e aparentemente
inconcretizável, resultou a publicação do livro “Tratar da Saúde de Cascais”,
com um conjunto de propostas que tornou possível a construção do novo hospital
de Cascais e a recuperação da totalidade das estruturas de saúde primárias em
todas as freguesias do concelho.
Foi também obra em que ele se
empenhou e que teve repercussões drásticas na vida de Cascais e dos Cascalenses
com um rasto que se prolonga ao longo dos anos e que se repercute ao longo de
muitas gerações de Cascalenses.
No boletim que publicou durante
vários anos para promover a sua Galera Modas, e que surge transcrito na obra
atrás mencionada, diz-se no primeiro número datado de 1975 que o lema de
Joaquim da Piedade Aguiar assentava em três palavras fundamentais: Vontade,
Trabalho e Ousadia. E serão porventura estas as palavras que melhor descrevem
quem é Joaquim da Galera, e que explicam o impacto que ele tem junto dos seus
conterrâneos.
A excelência do Joaquim da Galera e a entrega de vida a Cascais só vale a pena se for reconhecida por todos. Até porque Cascais seria uma terra diferente, para pior, se não fosse a vida dele!
Fotografias @ Junta de
Freguesia de Cascais e Estoril – Susana Meireles