por João Aníbal Henriques
O papel de mãe é provavelmente o
principal alicerce civilizacional que define o dealbar da nossa humanidade. E,
no que a Portugal diz respeito, ele surge plasmado num dos recantos mais
extraordinários da Serra de Sintra, carregando consigo os segredos descodificadores
da própria portugalidade.
No topo das penhas verdejantes da
Serra de Cinthya, numa sempre velada alusão à matriz lunar da nossa existência,
a efemeridade temporal da vida transmuta-se na convincente eternidade da
essência primordial. E, através de um secreto processo alquímico guardado de
forma cuidada ao longo dos milénios, é ali que a poalha despojada dos
resquícios do Ego ganha forma e vida, assumindo-se como cadinho de outras vidas
sempre condenadas ao regresso ao eterno.
Santa Eufémia de Sintra, onde
desde a Pré-História se venera a sacralidade da mãe-primordial, foi sempre pronto
fulcral na perpetua demanda do Homem consciente do sentido da sua vida. Até
porque, como acreditava o saudoso Rei Dom Fernando II, que na sua ancestral
raiz dinástica de Saxe-Coburgo-Gotha, sabia que era ali que o Espírito se
fundia com a matéria, reformatando a própria lógica dos padrões criacionais e
dando-lhes a possibilidade de cair, experienciando assim as agruras que dão
forma à própria vida.
A Mãe, figura basilar num
Portugal que desde o seu início se define em torno da consagrada concepção de
Maria, surge assim como o garante do resultado ascensional dos seus filhos.
Como se de uma escola se tratasse, o calcorrear dos trilhos efémeros deste “vale
de lágrimas” organiza-se nos ciclos reiteradamente assentes no binómio da dor e
do prazer, sendo essencial que seja a Mãe a levantar os seus filhos quando eles
acabam por se magoar, caindo ao longo do percurso que têm obrigatoriamente de completar
inteiramente.
Qual Lei dos Contrastes, o bem e
o mal debatem-se permanentemente e funcionam como motor que faz progredir o
neófito na sua caminhada em direcção ao Pai. Até porque sem cair ninguém
aprende a andar. E sem a noção experiencial da dor, do sofrimento e da
angústia, não faria sentido algum a plenitude totalizante de um céu despojado
das âncoras que sustentam o Ego.
Por isso é sagrado o papel da
mãe. Dolorido e pejado de sofrimento, tanto maior quanto mais abarcante for o
amplexo da responsabilidade que sempre surge associada ao conhecimento e ao
crescimento. É a mãe que dá sentido à existência e, sendo ela própria a
fornalha que conjuga as substâncias que permitem a vida, é também através dela
que se melhor se expressa o caminho de regresso a casa, nem sempre fácil nem
linear, antes marcado pelas vicissitudes necessárias ao crescimento daqueles
que delas dependem.
Em Santa Eufémia de Sintra, como
refere Vítor Manuel Adrião na sua “Sintra, Serra Sagrada”, as origens do culto
a Santa Eufémia perdem-se nas origens do próprio tempo, estando relacionadas de
forma directa com os cultos de fertilidade associados com a água, num apelo
ancestral à Deusa-Mãe, Eufémia, origem simbólica de toda a ritualística Cristã
da Senhora que concebe, ou seja, de Nossa Senhora da Conceição.
Ali, num enquadramento cénico que
o romantismo novecentista reformatou, repetem-se as “aparições” marianas,
associando-se a luz que delas emana aos milagres que através dela teimam em
acontecer. A lenda que se confunde com a História deixa marcas nas pedras, aparentemente
eternizando as provas de que é nesta sacralidade pura e primordial que está
resguardado esse segredo maior que explica cada uma das nossas existências.
Classificado como Imóvel de Interesse Público desde 2002, o Alto de Santa Eufémia, em Sintra, carrega consigo 6000 anos de vidas que por ali se misturam numa plêiade milagrosa de histórias cujo significado profundo urge desvendar. Porque nesse seu apelo ancestral à importância da Mãe, está a resposta à única dúvida importante que a Humanidade pode formular…