sexta-feira

A Ponte Romana da Catribana em Sintra



por João Aníbal Henriques

Os vestígios que restam da ocupação romana no actual território português multiplicam-se e são bem conhecidos de todos. Tal facto fica a dever-se à importância que a presença romana teve na organização territorial e administrativa em todo o espaço imperial e, sobretudo, à rede de comunicações existente entre Roma e as diversas partes que compunham o seu território.

O ditado tradicional que nos diz que “todos os caminhos vão dar a Roma” traduz exactamente este pressuposto, uma vez que a rede viária romana, assente em todo o império de forma a garantir a conectividade administrativa e comercial com a sede do poder itálico, foi a grande responsável pela fixação das populações, pela sua prosperidade e também pela sua capacidade de se integrar no universo cultural e político em que a Cidade de Roma servia de exemplo. A PAX Romana, espécie de símbolo máximo de integração e bem-estar, é a base desse sentimento de prosperidade, riqueza e paz que assegurava a todos os cidadãos as vantagens de se integrarem no todo imperial.



Mas de todas as peças patrimoniais que ainda podemos ver deste período, as velhas pontes romanas são aquelas que maior fascínio exercem sobre os visitantes. O seu carácter robusto e o impacto que têm na paisagem, associado à sua importância para a organização dos territórios, fez com que fossem bem tratadas ao longo das eras, sofrendo obras sucessivas de conservação que procuravam preservar a sua utilidade prática enquanto peças essenciais para garantir a mobilidade por parte daqueles que por ali residiam.

Parte integrante do imaginários das mais antigas aldeias portuguesas, as pontes romanas envolvem-se numa mística plena de charme e carregam consigo os pressupostos maiores da memórias e da identidade dos portugueses e de Portugal.

No Concelho de Sintra, junto à aldeia da Catribana, podemos visitar a velha ponte romana e ainda um troço bem conservado da antiga calçada medieval que lhe dava acesso. O monumento, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto n.º 26-A/92, DR, 1.ª série-B, n.º 126, de 01 junho 1992, sofreu recentemente obras de conservação levadas a cabo pela Câmara Municipal de Sintra e apresenta-se em excelente estado de conservação.

Com um arco que sustenta a passagem sobre a Ribeira de Bolelas, a Ponte da Catribana fazia parte da rede viária que ligava o actual território sintrense à estrutura de comunicações do império. E, no local onde se insere, suportava em termos de acesso a ligação entre a velha azenha, onde se moíam os grãos de cereal para fazer a farinha utilizada para alimentar a população e para suportar a estrutura comercial que dele derivava, garantindo simultaneamente o acesso ao denominado “castelo velho” no topo da colina, ou seja, o que resta do antigo povoado que durante a antiguidade terá servido de local de residência para aqueles que viviam por estes lados.



O conjunto patrimonial da Catribana, composto pela sua extraordinária ponte romana, pela calçada medieval, pela azenha e pelo antigo castelo, é hoje um ex-libris da União de Freguesias de São João das Lampas e Terrugem, sendo visitada por milhares de curiosos que ali se dirigem procurando encontrar as pistas patrimoniais que lhes permitem interpretar a História deste lugar.

O seu enquadramento paisagístico, em plena área protegida do PNSC, compõe um quadro idílico com os montes verdejantes que se multiplicam até perder de vista e o marulhar onírico das águas da ribeira a correrem por entre as pedras marcadas por milhares de anos de passagem.

Visitar a Ponte Romana da Catribana, percebendo a sua importância enquanto estrutura de base na organização política e administrativa do Império Romano, é essencial para que se enquadre a capacidade de investimento que esteve associada à sua construção na posterior integração plena das comunidades que ali viviam e que delas usufruíram ao longo de dois milénios. Nesse período, e por distante que Catribana estivesse da sede imperial, foi possível intervir de forma estrutural no espaço criando condições para que o sentimento de pertença àquele todo-imperial fosse convictamente consolidado a partir de um monumento que alia a sua funcionalidade pragmática enquanto pilar de comunicação à sua função simbólica que promove o sentido de pertença e de integração.

Se não tivesse sido construída naquela época, toda a actual paisagem envolvente seria diferente e a importância da presença romana por estas paragens teria sido muito inferior aquela que ainda hoje sentimos como essencial para a consolidação da nossa Identidade Nacional.

Até porque a romanização foi assumidamente muito mais o resultado da integração de toda a comunidade num projecto comum de onde todos tiravam benefícios, do que uma subjugação político-administrativa pela força como aquela que daí por diante foi usualmente a opção tomada pelas civilizações e pelos povos que tiveram aspirações imperialistas neste Mundo em que ainda vivemos.

Ficam 2000 anos de lições e de muito a aprender, neste quadro de extraordinária beleza  e deslumbramento que a Ponte da Catribana ainda nos pode oferecer!