segunda-feira

Nossa Senhora da Consolação na Assafora - Sintra



por João Aníbal Henriques

A devoção a Nossa Senhora da Consolação é uma das mais antigas práticas marianas da cristandade. Provavelmente anterior à existência de Nossa Senhora, a histórica Mãe de Jesus, ela entronca no ideário matriarcal que caracteriza a ritualidade do extremo Ocidental da Península Ibérica desde tempos imemoráveis.

Marcada de forma sublime na tradição Cristã pela lendária ligação a Santa Mónica, a mãe de Santo Agostinho, o culto ritualístico a Nossa Senhora da Consolação surge ligado às preces desta mãe desesperada pelo comportamento pecaminoso do seu filho e, na linha da sua intervenção, pela recuperação e conversão do filho, o futuro Santo Agostinho, Doutor da Igreja e conversor ele próprio dos pecadores, que encontra na Mãe de Deus a Scala Coeli que permite estabelecer a ligação entre a Terra e o Céu.



Este papel de intermediário assumido por Nossa Senhora, recuperando o ideário ancestral das deusas-mães que dedicam a sua existência a defender e a proteger os seus filhos, é pilar ancestral da Fé nestas paragens. E na Assafora, ali mesmo com vista para Serra de Sintra, a linearidade dos tons alvos contrasta com o verde das encostas e com o truculento acinzentado das penhas que se impõem na paisagem, reminiscência maior do equilíbrio profético atribuído à Santíssima Trindade, aqui recuperado numa memória que o povo associa à génese nuclear da Sagrada Família: São José, Nossa Senhora e o Menino Jesus.

A Tríade Divina, na qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo se unem milagrosamente num só, como se a pluralidade da matéria se desmultiplicasse de forma incomensurável numa sucessão de vários patamares da Divindade original, transforma-se nestes baixios de vivência saloia na família no sentido mais pragmático da palavra, oferecendo às agruras da vida quotidiana um conforto espiritual que se afigura essencial para que a comunidade possa calcorrear os seus destinos.



Inserida em ambiente rural, plasmado até no topónimo de origem árabe da própria localidade, directamente relacionável com os campos agrícolas de notória fertilidade que grassam em seu torno, a Capela de Nossa Senhora da Consolação da Assafora é pretensamente uma construção com origem datável no Século XVI. Terá sido nessa altura, por iniciativa popular e com apoio Real, que o actual edifício terá sido edificado, utilizando as regras e as normas que nessa época caracterizavam monumentos idênticos que se multiplicam por toda a região saloia.

Na envolvente da capela, dando forma ao terreiro onde o povo que a construiu se reunia para a prática de festividades comuns quase sempre ligadas ao culto do Espírito-Santo, podemos ainda hoje encontrar os vestígios bem preservados da génese ruralizante da povoação, nomeadamente o seu casal saloio e, anexo à própria capela, as construções que a apoiavam e que serviam de casa para alojamento do seu capelão.



O seu alpendre, semelhante também ele a outros que encontramos noutros espaços de culto por terras saloias ao longo do Concelho de Sintra, oferece ao conjunto edificado uma presença física reforçada, preservando a simbologia que lhe está associada e as práticas cultuais para as quais foi construído e ali anexado. De sublinhar, para além do torreão sineiro que faz impor a capela na paisagem, o magnífico relógio de sol datado de 1869 e o cruzeiro, já do Século XVIII, que compõem a sua matriz mariana de apelo à simplicidade e à singeleza que sempre acompanha a expressão religiosa na região saloia.

É muito provável, até pela sua provável origem cultual de matriz arabizante, que no local onde actualmente encontramos a Capela de Nossa Senhora da Consolação, tenha existido um espaço de culto anterior. Até porque o Orago, com todo o enquadramento simbólico que o caracteriza, aponta para as origens ancestrais da componente rural da pulação que reside e trabalha naquela zona e, desta maneira, deixa antever a manutenção de uma linha de culto que seja transversal às eras, às épocas, aos anos e aos próprios contextos religiosos que os vão definindo.



Nossa Senhora da Consolação, Mãe-Primordial da humanidade, acolhe e consola todos aqueles que a Ela apelam. Num acto de Amor intenso e abrangente que define de sobremaneira o sentir são e simples das comunidades que ao longo dos séculos ali procuração consolação para fazer face aos desafios impostos pela vida do dia-a-dia neste vale de lágrimas. É através dela que se convertem os pecadores e é com o seu consolo e amparo que a humanidade multiplica a sua esperança na eternidade e na vida plena que a ela está associada.  

A Assafora, terra de luz, de fertilidade e de trabalho, congrega na sua capela muito daquilo que é este significado mais profundo da existência. Até porque no Largo de Nossa Senhora da Consolação, ali mesmo à sombra da vetusta capela, permanecem os restos mortais daqueles que os antecederam, num contínuo de aponta à eternidade e no qual se consolidam os pilares da própria Fé.