por João Aníbal Henriques
Em 1940, enquanto o Mundo se envolvia numa guerra de dimensões até essa
altura inimagináveis, Portugal comemorava de forma sentida a grandeza da sua
história através da alusão ao 800º centenário da Batalha de Ourique, em 1140, e
o 3º centenário da Restauração da Independência Nacional, em 1 de Dezembro de
1640.
Pensada de forma a exaltar o passado glorioso do Império Português, e
respondendo assim de forma indirecta às pressões das grandes potenciais
internacionais que desejavam libertar as antigas colónias ultramarinas de forma
a poderem controlar elas próprias as imensas riquezas que elas possuíam, este
programa de comemorações assumia uma efectiva missão civilizadora, reforçando a
identidade histórica do país e promovendo propagandisticamente o nacionalismo
defendido pelo Estado Novo.
Cascais, desde sempre terra de Reis e de Pescadores, não se coibiu de
apoiar e colaborar com a iniciativa, desde logo se empenhando numa série de
iniciativas que compunham um programa comemorativo local e complementar às
grandes eventos que estavam a ocorrer a nível Nacional. A sociedade civil
cascalense, encabeçada pela Associação Comercial, pela Sociedade Musical, pela
Associação de Bombeiros e pela Sociedade Propaganda, desenvolveu assim um
conjunto inesperados de projectos nos quais participaram as entidades públicas
de âmbito local e central.
Com o empenho muito particular de José Florindo de Oliveira, que na
quantidade imensa de pedidos de apoio que endereça às mais variadas entidades
públicas e privadas faz sempre questão de mencionar que os festejos de Cascais
se inserem no vasto programa nacional comemorativo dos centenários, realizam-se
em 1940, na aldeia de Murches, as festas de “Louvor ao Trabalho do Campo”.
Explicando que com a inspiração que recebeu daquele que ela considera “o maior
trabalhador de Portugal”, o Presidente do Conselho de Ministros, Doutor António
d’Oliveira Salazar, pretende “ir ao encontro das necessidades e das
dificuldades da boa gente do nosso campo, sem o ar ou o motivo e atitude de
quem vai fazer uma esmola”, Florindo d’Oliveira
quer ajudar a comunidade agrícola que nessa altura ainda existia no
Concelho de Cascais, e que tinha sido afectada por um péssimo ano agrícola que
lhes havia condicionado de forma brutal os seus sempre muito precários
rendimentos.
Diz ele que que ir “muito alegremente levar-lhes o conforto e o auxílio
possível, tendo como protesto para tal fim uma festa de trabalho” com a
apresentação de carros de lavoura, gados, alfaias, usos e costumes, de forma a
evitar que os poucos que subsistem deixem de amanhar, cultivar e semear as
poucas terras produtivas que subsistem em Cascais.
Para tal, escolheu a aldeia de Murches para receber este evento, não só
porque tinha em seu torno um moinho e uma azenha, como porque tinha uma bem
preservada capela dedicada a Santa Iria que lhe permitia juntar uma componente
religiosa sempre muito importante para dignificar os festejos populares. Dizia
ele, em correspondência trocada com o Secretariado de Propaganda Nacional, que
queria aproveitar o cenário bucólico deste recanto campestre cascalense, para
que a festa seja em tudo bem portuguesa, a bem da vivência das nossas aldeias e
gritando de forma entusiasmada a parangona que serve de assinatura aos festejos
nacionais: “Viva Portugal!”
Logo pela manhã, depois de um desfile etnográfico feito pelos alunos das
escolas das aldeias vizinhas, todos os participantes reuniram-se junto à Capela
de Santa Iria, em Murches, com as componentes da Mocidade Portuguesa que eram
dirigidas pelo Comandante Joaquim Segurado. A solenidade dos festejos,
sobretudo aqueles que contaram com a participação massiva da juventude de
Cascais, foram primorosamente preparados de forma a impressionarem aqueles que
a eles assistiram. Florindo d’Oliveira considerava que a solenidade ajudava a
impressionar e a fixas no espírito os valores que presidiram à organização do
certame e, desta maneira, a promover a mensagem que está subjacente ao próprio
programa das comemorações.
A encerrar essa primeira manhã, uma salva de morteiros acentuou o carácter
oficial da iniciativa, enquadrando a visita de honra à capela, onde a Mocidade
de Portuguesa fez a guarda de honra ao altar, e que antecedeu a distribuição de
prémios junto das crianças participantes. As meninas receberam um corte de
vestido e um mapa de Portugal e os rapazes mais bem classificados receberam uma
nota de vinte Escudos e o mesmo mapa de Portugal.
Os festejos religiosos seguiram-se presididos pelos priores de Alcabideche
e de Cascais, e neles terão participado centenas de populares que ali acorreram
oriundos das mais variadas paragens em torno de Lisboa.
A finalizar a festa e para regozijo de todos os participantes, realizou-se
uma parada pecuária com enfoque nas especialidades equina, bovina, ovina e
suína, que se dividiu ao longo das ruas que de diversas origens levavam ao adro
da capela. Na primeira secção participaram garanhões de 3 a 10 anos de idade e
cavalos castrados de 4 a 15 anos de idade. Na segunda secção estiveram éguas de
criação e de trabalho. Na terceira secção brilharam juntas de bois mirandeses,
conhecidos como “ratinhos” atrelados a carros ornamentados. Na quarta secção
foi possível ver vacas taurinas e novilhas, que antecederam a quinta secção
onde surgiam os rebanhos de ovinos compostos por ovelhas de raça burdaleira e
saloia. Na última secção viam-se varrascos, com procos reprodutores de origem
inglesa que se misturavam com porcos bízaros de origem local.
O júri que classificou os gados, os carros e as crianças que participaram
nos festejos e que decidiu que prémios lhes ia entregar, era composto por
Francisco Romano Esteves, Dr. Sousa Amado, Tenente Silva Reis, Dr. Alfredo
Branco e Dr. António Sérgio Pessoa. A Comissão de Honra, em que participaram os
grandes nomes das personalidades mais importantes de Cascais, como Armando
Villar, António Muchaxo ou Abreu Nunes, era presidida pelo Capitão José Roberto
Raposo Pessoa que nessa altura desempenhava funções como Presidente da Câmara
Municipal de Cascais.
Integradas no programa extra-oficial do programa de Comemoração dos
Centenário Nacionais, as Festas de Louvor ao Trabalho do Campo, em Cascais, destinavam-se
a levar aos povos das aldeias cascalenses a ideia patriótica de uma Pátria
enaltecida pelos feitos dos seus antepassados, apoiando assim os esforços que
estavam a ser desenvolvidos em termos globais pelo Governo da Nação.
Fotografias do Arquivo Histórico Municipal de Cascais - AHMC