por João Aníbal Henriques
A primeira edição das Festas do
Mar de Cascais aconteceu em Julho de 1936. Com um enquadramento e objectivos
substancialmente diferentes daqueles que actualmente caracterizam os festejos,
foram sempre, mesmo assim, a expressão maior da ligação ancestral que Cascais
tem com a sua baía e com o mar.
Na versão de 1936, pensada e
organizada por José Florindo de Oliveira, então Presidente da Comissão de Propaganda
de Cascais, as Festas do Mar surgem enquadradas pelos desafios que afectavam a
Europa e o Mundo naqueles anos. Em clima de pré-guerra, com a consolidação do
socialismo e do comunismo em vários países, pressentia-se já a necessidade de
Portugal recuperar o registo de prestígio que o havia caracterizado muitos anos
antes. E a pressão sobre as colónias, nessa altura já assumidamente ameaçadora por
parte das grande potenciais mundiais, obrigava a um exercício de recuperação
dos símbolos e dos valores ligados ao mar.
No ofício enviado em 1936 ao
Ministro do Mar, no qual a direcção da Propaganda de Cascais pede autorização
para arrancar com a edição inaugural dos festejos, estão expressos os objetivos
que presidem à iniciativa. Diz nesta carta o cascalense Florindo d’Oliveira: “Com
os nossos respeitosos cumprimentos e com um pedido de desculpa por esta maçada
e abuso, pedimos licença a V.Exª. para vos expormos um assunto, que para nós se
nos afigura d’um elevado fim Nacional, e que, dentro do seu objectivo se nos
afigura uma boa lição aos homens da doutrina do internacionalismo, aos da foice
e do martelo e ainda aos cegos que por aí andam divulgando destruidoras
doutrinas. Ao internacionalismo há pois que opor uma grande barreira de
Nacionalismo”.
No pedido enviado ao Ministro Manuel
Ortins Torres de Bettencourt, Florindo d’Oliveira explica que a Baía de Cascais
foi o berço do grande navegador Afonso Sanches e que, na senda do papel muito
relevante que ele teve na Epopeia Marítima Nacional, desejava que as festas de
Cascais fossem lançadas simbolicamente associadas à Cruz de Cristo, que durante
essa época gloriosa era a marca que identificava as naus e as caravelas
portuguesas que davam novos mundos ao Mundo: “Que nas velas de todas as
embarcações inscritas na Capitania do Porto desta vila, quer de recreio, quer de pesca ou outras,
seja pregada a Cruz de Cristo, para que ela faça ofuscar ou desaparecer para
sempre da nossa terra o símbolo do comunismo”.
E assim, com o apoio directo e
empenhado do então Ministro da Marinha e também do Presidente da República, o
Marechal Óscar Fragoso Carmona, que nessa altura residia precisamente no
Palácio Real da Cidadela de Cascais, a primeira edição das Festas do Mar
aconteceu em Cascais em Julho de 1936.
De entre as muitas iniciativas
que fizeram parte do programa destas festas, onde não podiam faltar os
concursos de natação e as regatas de barcos à vela e remos, organizadas pelo
Grupos Dramático e Sportivo de Cascais e pelo Clube Naval de Cascais, salienta-se
um grande cortejo com as embarcações militares da Armada Portuguesa que,
transportando a bordo todas as entidades oficiais, navegaram pelas águas da
baía acompanhando a frota de pesca costeira, todos hasteando bandeiras com a
tradicional Cruz de Cristo e homenageando assim os navegadores que corporizaram
os descobrimentos portugueses.
Ao longe, balouçando suavemente
ao sabor da brisa estival e do marulhar das ondas da baía, um dos barcos de
guerra transportava a Banda de Música da Armada, que ia encantando os milhares
de festeiros que assistiram à iniciativa a partir da esplanada que existia
junto ao Passeio Dona Maria Pia de Sabóia. E o ponto alto dessa tarde, que
muito entusiasmou os cascalenses ali presentes, foi o sinal dado pelos
Bombeiros de Cascais de “navio em perigo” lá para os lados da Boca do Inferno.
De imediato, num exercício em que participaram todas as entidades presentes,
saiu para o mar uma enorme comitiva que tinha como objectivo prestar auxílio ao
navio pretensamente em dificuldade, num exercício que entusiasmou de
sobremaneira os que assistiam à iniciativa a partir de terra.
A corporação de Bombeiros de
Cascais, com o Comandante Joaquim Theotónio Segurado à cabeça, participou no
exercício com carros porta-cabos, foguetes e demais apetrechos de salvamento,
transformando a iniciativa num exercício sensacional e raro que a todos
impressionou.
Simultaneamente, ao longo de toda
a tarde e prolongando-se noite afora, a esplanada do Clube Naval encheu-se de
animação, com serviço de chá e pastelaria, bufete e arraial popular animado
pela banda da Sociedade Musical de Cascais que deu o mote para o baile que
entrou directamente nas memórias identitárias da vila de Cascais.
As receitas destas primeira
edição das Festas do Mar foram prontamente distribuídas com o acordo unânime de
todos os organizadores: 70 % reverteu directamente para o apoio aos pescadores
que haviam sido afectados pelos grande temporais que tinham devastado o mar de
Cascais durante a última Primavera; 20%
foi entregue ao Instituto de Socorros a Náufragos que, criada por iniciativa do
Rei Dom Carlos, era desde então uma das principais instituições da sociedade
civil de Cascais; e os restantes 10% seguiram para os cofres da Comissão de
Propaganda de Cascais, entidade que carregava consigo a responsabilidade de
zelar pela animação e pelo espaço público na vila e, dessa maneira, pela
angariação dos meios que se afiguravam necessários para manter Cascais como a
mais charmosa e cosmopolita de todas as terras portuguesas.
Em 1936, quando o Mundo vivia
aterrorizado com as convulsões políticas que haverão de culminar na eclosão da
II Guerra Mundial (1939-1945), Cascais preocupava-se com a união da sua
sociedade civil, salvaguardando que todos contribuíam directamente para a
criação das condições necessárias ao cumprimento do seu comum desiderato. Na
organização desta primeira edição das Festas do Mar participaram directamente o
Presidente da República, o Ministro da Marinha, o Delegado Marítimo de Cascais,
o Administrador do Concelho, o Presidente da Câmara Municipal, o Presidente do
Clube Naval, o Presidente da Associação Comercial de Cascais, os directores da
Sociedade Propaganda da Costa do Sol, o Proprietários das armações de Cascais
(Alberto Graça), Guilherme Salgado, que era na altura o representante junto da
câmara Corporativa, os elementos da Comissão de Propaganda, os pescadores e
proprietários de barcos, nomeadamente José Crespo, Filipe Figueiredo e D. José
d’Avillez e o demais povo de Cascais. As festas contaram ainda com o apoio
directo do Diário de Notícias que, através de parangonas de propaganda da
iniciativa, juntaram em Cascais a imensidão de público que transformou este
certame num inquestionável sucesso.
Interrompidas durante a guerra e reatadas
periodicamente durante muitos verões de Cascais, as Festas do Mar são hoje o
ponto mais alto da época estival cascalense. Evoluindo ao longo dos anos de
acordo com o gosto e o enquadramento das várias épocas, as Festas do Mar foram
sempre e continuam a ser o mais vibrante e marcante de todos os eventos
organizados em torno do magnífico cenário da nossa baía!