por João Aníbal Henriques
Castelo de Vide é uma das mais
harmoniosas e bonitas vilas de Portugal. Popularmente designada como a “Sintra
do Alentejo”, devido à sua proximidade com a Serra de São Mamede e com a frescura
pungente do manto verde formado pela espessa vegetação que a envolve, não lhe
acrescenta absolutamente nada. E, na prática, menoriza o encanto próprio de umm
lugar único e especial que possui atractivo próprio e um resgisto romântico que
deriva da sua própria História e das tradições arreigadas que ainda hoje caracterizam
as suas gentes.
Conquistada ao mouros em 1148, acompanhando
o nascimento da própria nacionalidade, Castelo de Vide é, conforme o seu
topónimo indica, um núcleo urbano que depende de forma directa da influência e
da protecção do seu castelo. As velhas muralhas, construídas, reconstruídas e
adaptadas vezes sem conta, foram o cenário vigoroso que acompanhou a localidade
ao longo de vários episódios cruéis que em vários cenários de guerra foram
moldando aquilo que é hoje esta vila encantada.
Localizada em zona muito próxima
da fronteira, com todas as implicações que tal situação traz sempre consigo,
situa-se suficientemente longe das grandes rotas políticas da época medieval
para conseguir passar incólume e distraidamente protegida do excesso de atenção
que moldou o carácter de outros locais. É esse o motivo que explica, por
exemplo, a sua profunda ligação à Fé Judaíca, cuja comunidade ali encontrava o
registo de discrição suficiente para que conseguisse preservar alguma da paz e
da prosperidade pela qual todos ansiavam. A sua sinagoga, coração indelével da
judiaria onde se situava durante a Idade Média, funciona como cerne da
estrutura urbana da vila, marcando com o seu cunho vivencial as dinâmicas
sociais que construíram e formataram o burgo que actualmente conhecemos.
O Castelo, altaneiro e altivo, possivelmente
pela importância que reiteradamente teve ao longo de muitos momentos da História
enquanto defensor principal das fronteiras do Alentejo, é também ele peça única
no património histórico nacional. Não cumprindo os cânones que definiam os
projectos de construção destas estruturas ao longo das fronteiras do País,
foi-se adaptando à paisagem e à sempre difícil orografia do local onde se
encontra implantado, recriando-se em torno das possibilidades que tinha para se
afirmar enquanto pólo de defesa do reino.
É muito possível, não só devido à
estrutura paisagística como à presença em seu torno de diversos vestígios de
ocupação humana ao longo de períodos longínquos da História, que Castelo de
Vide tenha sido edificado sobre núcleos habitacionais mais antigos que ali
procuraram a segurança que resultava do seu posicionamento estratégico. A
pré-existência de comunidades humanas estabelecidas desde a Pré-História terá sido
determinante na definição dos principais pontos de destaque da vila,
nomeadamente das suas igrejas, capelas e demais espaços de culto que, agregados
a práticas e crenças ancestrais, acabaram por definir aquilo que vira a ser o
profundo sentido de Fé que caracterizou sempre a vila em todos os momentos da
sua longa existência.
Tal é notório, por exemplo, na
construção da Igreja Matriz de Castelo de Vide. Com o orago de Santa Maria da
Devesa, numa designação que os especialistas indicam ser uma corruptela de “defesa”,
pelo carácter imposto pela natural existência do local, a actual Igreja (que
muitos consideram ser “a maior do Alto Alentejo”) é datável de 1789 e foi
concluída e consagrada em 1873. Mas na sua origem, de acordo com as fontes
medievais, teria estado uma pequenina ermida que possuiria o mesmo orago que já
existiria documentadamente naquele local pelo menos desde 1311. O mesmo
acontece com os restante oragos existentes dentro do principal núcleo urbano da
vila, nomeadamente com aquele relacionado com o culto a Santiago Maior e a São
João Baptista, que recuperam os arquétipos de pensamento religioso de outros
credos e de outras eras.
O acidentado da sua topografia é,
desta forma, muito mais a causa que determina a sua expressão urbana do que uma
consequência que deriva do natural desenvolvimento de uma qualquer povoação. É
ela que define as linhas estruturais da vila e, como consequência directa
disso, é dela que depende a forma como durante toda a sua longa História, se
organizam social e politicamente os espaços, dotando cada lote edificado das
condições necessárias para responder cabalmente às necessidades daqueles que
nelas habitam.
A beleza cenográfica de Castelo
de Vide, marcada pela sua paisagem idílica e pelo recorte romântico da sua
várias linhas de muralhas, cruza-se com o fulgor cromático dos seus telhados e
com o intricando desenho das suas ruelas medievais.
Na expressão maior da sua
singeleza, onde as fontes e bicas de água anunciam uma fertilidade que se pressente
nos nomes das ruas e nas tradições antigas que ainda estão bem vivas no devir
quotidiano da sua comunidade, Castelo de Vide impõe-se como jóia que
efectivamente é e que muito contribui para a consolidação da vocação turística
nacional.
Conhecer Castelo de Vide,
calcorreando calmamente as suas ruelas e transpondo os portais seculares que
marcam os vários espaços no seu núcleo histórico, é autenticamente regredir no
tempo, até a um Portugal acabado de nascer e ávido de se afirmar como nação no
contexto europeu de então.