quarta-feira

De Asfamil por Quenena até Carcavelos: Maravilhas de um Trilho Medieval que une Oeiras e Cascais



por João Aníbal Henriques

Desde a antiga aldeia de Asfamil, situada a Norte do Bairro do Pomar das Velhas e de Quenena, no extremo interior do território municipal de Cascais, em plena Freguesia de São Domingos de Rana, até ao mar, vão em linha recta cerca de 8 kms…

O trilho, possivelmente de origem medieval, era diariamente calcorreado por centenas de trabalhadores que dos campos férteis situados nesse local traziam para aqueles que viviam junto ao mar as frutas, os legumes, o leite e o pão que permitiram a essas povoações crescer e afirmar-se. E quando regressavam, com os seus burros de trabalho de alforjes vazios, traziam consigo a roupa suja dos mais importantes habitantes do litoral, que lavavam nas ribeiras puras do interior, secando ao Sol das velhas eiras que por ali abundavam.



Era uma vida diferente aquela que caracterizava os actuais concelhos de Cascais e de Oeiras nesses tempos. Não existindo uma separação formal entre os territórios do litoral e do interior, nem tão pouco o obstáculo que no final dos anos 80 do Século XX resultou da construção da A5, a complementaridade económica, cultural e social entre ambas as comunidades ditava uma visão coesa e global do território, garantindo que a prosperidade chegava naturalmente a todo o lado.

Agora, numa acção de que se prevê que reúna novamente os dois municípios em torno de uma causa comum, tudo se prepara para que novamente se reaproxime o mar do interior, num esforço que terá como base a recuperação do velho trilho medieval, assente na potencialização das maravilhas ambientais e paisagísticas que o caracterizam, mas que avançará transversalmente com repercussões directas ao nível da habitação, da mobilidade sustentável, da recuperação urbanística, da cultura e da educação, anulando definitivamente a clivagem que durante as últimas décadas dividiu o território em duas partes com condições distintas e devolvendo a todos os munícipes a possibilidade de aspirarem à qualidade de vida que é um direito transversal e universal de todos os portugueses.



O velho caminho medieval que trará o mar até à zona onde antigamente tínhamos a Lixeira de Trajouce, e que é ainda hoje (infelizmente) uma das mais degradadas áreas do território municipal de Cascais, permitirá alterar radicalmente o paradigma do dia-a-dia de todos aqueles que ali habitam. A requalificação urbana do espaço onde vivem, reforçará a Identidade Municipal e terá consequências directas muito evidentes na qualidade de vida destes cascalenses.

O projecto de intervenção neste local, aspiração antiga defendida pela Fundação Cascais desde a sua fundação em 1993, conhece agora um importante avanço, com o arranque das primeiras obras de recuperação do velho trilho, definindo assim um plano global de gestão do espaço que oferece um futuro condigno a toda a região.



Daqui resultará um território coeso, cultural e socialmente saudável, numa abordagem abrangente que alavancará muitos outros projectos conjuntos unindo Cascais e Oeiras em torno desse comum desiderato de recriar as condições que permitam aos nossos filhos e aos filhos deles aspirar a viverem felizes nesta nossa terra!










terça-feira

A Capela da Sagrada Família do Pisão e a Mestria do Arquitecto João de Sousa Araújo



por João Aníbal Henriques

Com a evocação da Sagrada Família, num apelo pungente à sua função de acompanhamento e reintegração social que acompanhou sempre a actividade do asilo da Quinta do Pisão desde a sua criação em 1950, a Capela do Pisão, construída entre 1952 e 1954 pelos internados naquela colónia, conforme se lê no painel de azulejos colocado na fachada do edifício, é um dos mais significantes monumentos religiosos de Cascais.

Essa importância, muitíssimo superior à própria morfologia do edifício, inteiramente integrada no traço modernista que resulta da época em que foi construída e da precariedade de recursos que foram dispensados para a sua conclusão, fica a dever-se ao seu profundo significado simbólico. Era ali, durante muitas décadas, que os utentes internados nesta colónia encontravam algum apoio espiritual, de forma a amenizarem as agruras terríveis dos tempos passados encarcerados naquele espaço. Foi, por isso, durante quase meio século, símbolo de luz, de paz e de esperança (quantas vezes o único!) que ajudava aqueles seres humanos a manterem-se vivos espiritualmente.

Foi porventura por esse motivo que o saudoso arquitecto e pintor João de Sousa Araújo, falecido em 2023, se interessou pela obra da Capela da Sagrada Família. E, devoto como era, lhe dedicou o seu tempo e a sua arte produzindo o conjunto artístico que decora o templo e que ainda hoje ali se pode ver. Os painéis da capela, produzidos localmente através de várias parcerias sociais, demonstram bem a sua permanente necessidade de colocar o seu génio e a sua arte a trabalhar a favor da comunidade. Foram os utentes que estavam internados no Albergue da Mendicidade da Mitra quem, sob a direcção do já então muito ilustre arquitecto Sousa Araújo, construíram a capela, concretizando artisticamente os esboços que ele havia preparado para o local.



Nascido em Lisboa em 1929 e falecido no Estoril em 2023, João de Sousa Araújo é figura incontornável na história artística de Portugal. Com uma obra ímpar ao nível da arte sacra, foi porventura o último dos grandes pintores portugueses nessa área, tendo dedicado a Deus uma parte essencial do seu génio artístico e do dom que sabia ter recebido do céu.

Formado em Arquitectura, Pintura e Escultura pela ESBAL (Escola Superior de Belas Artes de Lisboa), onde obteve uma média final de 20 valores, o Arquitector João de Sousa Araújo foi agraciado com diversos prémios desde o início da sua carreira.

Sendo igualmente professor, actividade que lhe permitia partilhar a excelência do seu traço, trabalhou no Banco de Portugal, tendo sido autor de várias maquetes que serviram, de base à criação de treze notas portuguesas.

Ao nível da arte sacra, para além de ter assinado projectos para várias igrejas e capelas um pouco por todo o Mundo, destaca-se o seu trabalho enquanto autor dos vitrais da nave central da Basília de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima, bem como o painel do seu Altar-Mor. Entre 1968 e 1997, elabora para a Catedral de Nampula, Moçambique, os vitrais, o políptico da Capela do Santíssimo “Pacem in Terris”, e o políptico do Altar-Mor “Aparições de Fátima”.

Representado através dos seus trabalhos nas principais colectâneas de arte a nível mundial, destaca-se a presença das suas obras nas colecções particulares do Papa Paulo VI, do Rei Humberto II de Itália e do Imperador do Japão.

Através da ALA – Academia de Letras e Artes, foi autor do quadro monumental dedicado a Nossa Senhora da Aparecida, que foi oferecido ao Presidente do Brasil e que se encontra exposto no Palácio do Planalto, em Brasília.

Este ano de 2025, por iniciativa do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Nuno Piteira Lopes, e da Provedora da Santa Casa da Misericórdia, Isabel Miguéns, começa com o boa notícia do arranque das obras de recuperação das ruínas desta capela. A intervenção, que pretende repor integralmente as características do espaço original, integra ainda a recuperação do painel de azulejos produzido por Sousa Araújo para servir de fundo ao altar-mor da Igreja Matriz de Alcabideche e que, depois de ter ficado tapado pela construção do novo altar ali colocado no início do século, será recolocado na Capela da Sagrada Família, na Quinta do Pisão, resgatando assim a integridade artística da obra do pintor estorilense que desta maneira poderá ser vista pela primeira vez de forma completa no espaço em vias de recuperação.

Depois de muitos anos de pedidos, acções de sensibilização dos vários executivos que passaram pela edilidade ao longo dos últimos tempos, e de apelos que ultimamente sublinhavam já só estado de ruína avançada em que o monumento se encontrava, eis que a obra arrancou, incentivando a recuperação do significado profundo deste espaço e, sobretudo, contribuindo de forma decisiva para o resgate da Identidade Municipal!

Numa homenagem merecida e justa ao Arquitecto e Pintor João de Sousa Araújo, um dos maiores vultos de sempre da arte cascalense!





quarta-feira

Capela de Nossa Senhora da Piedade da Quintã em Porto Salvo



por João Aníbal Henriques

A primeira impressão que evoca a Capela de Nossa Senhora da Piedade, na estrada que liga Oeiras a Porto Salvo, é de enorme estranheza. Não só pelo contraste latente entre a beleza telúrica daquele espaço e o estado de abandono e ruína em que se encontra, como também pela notória qualidade da sua construção, bem visível nos enormes blocos de pedra que foram utilizados para a sua edificação.

A data de 1737, colocado na arcaria situada na fachada principal, terá sido porventura a data da sua construção original, apesar de a Junta de Freguesia de Porto Salvo nos informar que noutros tempos existiriam no seu interior magníficos painéis de azulejos datados do final do Século XVIII, e posteriores ao grande terramoto de 1755, que representavam Jesus Cristo a Caminho do Calvário e a Descida da Cruz.



O culto a Nossa Senhora da Piedade, aqui integrado no contexto agrícola da antiga Quinta da Quintã, onde a capela se integrava, surge perfeitamente em linha com outras obras existentes na área da grande Lisboa. E aqui, literalmente no enclave entre as grandes propriedades exploradas no Século XVIII pelo Marquês de Pombal, ganha especial relevo esta ligação teúrgica entre a ruralidade contextual do edifício e a própria vivência social das comunidades que habitavam nas imediações ou que ali trabalhavam sazonalmente.

A dependência relativamente aos ciclos da natureza, sempre incontornáveis na perspectiva prática e pragmática da vida, só pode amenizar-se através da Fé e da oração. E, quando assim é, em Porto Salvo como em todos os espaços onde a memória saloia perdura, são sempre os rituais marianos que enquadram a esperança comunitária.

A figura de Nossa Senhora, que piedosamente nos transporta para os planos mais elevados da espiritualidade, ganha, em contexto rural, um cunho quase mágico, transformando-se a Mãe de Jesus histórica, na personificação sempre presente da mãe espiritual de toda a comunidade. É dela que dependem as colheitas e a consequente fartura de alimentos. Ou, em situação inversa, o castigo dos maus anos agrícolas com o sempre presente registo de fome da comunidade. Como é evidente, sem que qualquer dessas situações dependesse da aplicação ou do trabalho do homem do campo, ficando inteiramente ao dispor da vontade de Deus.



Nossa Senhora da Piedade, a grande medianeira entre a Terra e o Céu, é igualmente uma figura mágica. Porque tem a capacidade de, estando junto de Deus, influenciar as suas decisões relativamente aos seus filhos. Por isso a prece aqui proferia é sempre especial, assumindo a imagem venerada o papel de uma verdadeira escada que permite ao Ser Humano subir até aos píncaros do Céu. Scala Coeli, a alquímica escada que faz das preces aqui conscientemente rezadas a verdadeira Ciência de Maria… alquimia… a capacidade de transformar terra, ar e água em pão e de assim alimentar a comunidade.

Também conhecida como Nossa Senhora da Esperança, a evocação deste templo transporta-nos assim para esse registo rural, em linha com aquilo que foi a génese política do Município de Oeiras e, de alguma forma, explicativa da  dedicação e cuidado que recebeu da parte da Família Pombal.

Bem visível na sua fachada está a estrela de oito pontas, que fazia parte do Escudo de Armas do Marquês de Pombal e que aqui representa a rosa dos ventos, numa ambígua alusão que fica implícita ao movimento incontrolado dos astros e à sua capacidade de influenciar os destinos humanos sobre a Terra. Imaginada para ser vista em movimento, até porque a vida é um jogo que os homens não dominam por completo, a estrela que decora a Capela de Nossa Senhora da Piedade vem reforçar essa ligação imensa entre o destino deste lugar e a sua dependência de Deus.

O estado de abandono e ruína em que esta capela se encontra, possivelmente derivada do facto de a antiga Quinta da Quintã ter sido totalmente esfacelada no final do Século XX com a construção da imensa rede viária que a retalhou em várias partes, resultará também da sua pouca acessibilidade. Quem a quer visitar é obrigado a contornar as rotundas e, sem se enganar, desviar prontamente para o pequeno acesso que permite entrar no velho adro. Não é fácil e normalmente a visita vai-se adiando…

Mas vale a pena! Porque a riqueza do seu significado e contexto ajuda a perceber o que foi, o que é e o que ainda poderá vir a ser o pujante e sempre magnífico Município de Oeiras.





sexta-feira

O Carnaval de 1939 no Casino Estoril




por João Aníbal Henriques

O Mundo vivia envolvido num clima de profunda tensão em 1939, e a Europa, marcada pela ascensão política de Adolf Hitler e do III Reich alemão, debatia-se com a dúvida relativamente ao que fazer perante aquela absurda e rápida tomada de poder. O clima de incerteza era enorme e no horizonte político de curto prazo sabia-se que era possível iniciar-se uma guerra devastadora com consequências imprevisíveis para o velho continente e para os países que o compunham há muitos séculos.

Mas no Estoril, paraíso resguardado num enclave de paz e serenidade, a vida continuava quase alheada do que estava a acontecer…

No Carnaval de 1939, num Mundo prestes a entrar em guerra, o Casino Estoril anuncia uma animada e extraordinária festa com cunho internacional. Para além dos corsos que se multiplicaram pelas ruas apinhadas de público daquela maravilhosa estância balnear, nos quais participaram artistas de renome internacional e que contou até com um carro decorado pelo próprio Salvador Dali, o canal de televisão americano CBS, com o seu renomado programa conduzido pelo conhecido Ed Sullivan, transmitiu o seu famoso show a partir do Casino Estoril.

A alegria e a elegância dos Estoris, era assim apresentada numa profusão de bailes temáticos em que os participantes entravam vestidos a rigor.

E o Estoril, apresentado como a estância com o inverno mais suave da Europa, era verdadeiramente o paraíso para reis, príncipes e princesas que ali faziam brilhar o charme próprio de quem sabia ser gente muito especial que tinha a sorte de poder estar no mais especial de todos os destinos daquelas Europa em pânico!  



 


terça-feira

Nossa Senhora da Graça de Cascais


por João Aníbal Henriques

Diz-se na “Chancelaria de Dom Fernando” que em 1364, quando pescavam nas águas da baía de Cascais, os pescadores encontraram submersa uma magnífica imagem de Nossa Senhora com o Menino ao colo. Talhada em madeira de cipreste, a imagem era de tal maneira formosa que foi desde logo apelidada de Nossa Senhora da Graça, facto que consolidou a devoção dos pescadores cascalenses àquela evocação antiga de Nossa Senhora. O fervor da oração em torno da imagem foi tanto que, mercê da fama angariada por esse Portugal fora, foi a imagem entregue à guarda dos Frades Agostinhos de Lisboa, que a colocaram em lugar de destaque no Altar-Mor do seu mosteiro na capital. Nasceria assim o Bairro da Graça, onde o tal mosteiro estava implantado, reforçando o fervor devocional do povo antigo de Cascais!


quinta-feira

Colégio João de Deus e a Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional no Casino Estoril



por João Aníbal Henriques

No dia 15 de Janeiro de 1938, quando comemorava o seu segundo aniversário, o Colégio João de Deus, no Monte Estoril, organizou um inesquecível Serão Medieval no Casino Estoril com o objectivo de angariar fundos para benefício dos pobres do Concelho de Cascais.

A iniciativa, que teve José Dias Valente e Aníbal Henriques como principais promotores, contou o apoio e participação da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional dirigida superiormente pelo Maestro Pedro de Freitas Branco.

A permanente preocupação que a direcção do Colégio João de Deus sempre teve com a qualidade de vida na região onde se inseria, levou toda a comunidade educativa a desenvolver diversas acções de solidariedade e apoio social das quais este serão medieval foi o primeiro exemplo. Alunos e professores, em parceria com o Casino Estoril e a Estoril Plage, empenharam-se de sobremaneira nestes projectos sempre com o recato e a discrição a que os seus directores obrigavam, por crerem que a beneficência e a ajuda aos outros deveriam ser o mais anónimas possível, defendendo assim a dignidade dos mais necessitados.

O Colégio João de Deus foi inaugurado em Janeiro de 1936 e fechou portas em 1970 deixando um rasto de excelência que perdura nos seus antigos alunos até à actualidade.


segunda-feira

Homenagem ao Comandante Joaquim Theotónio Segurado em Cascais

por João Aníbal Henriques

Num acto digno de uma nota especial, a Câmara Municipal de Cascais e a Junta de Freguesia de Cascais e Estoril homenagearam o Comandante Joaquim Theotónio Segurado numa cerimónia que assinalou a gratidão de Cascais às corporações de bombeiros municipais no dia em que se assinala o 41º aniversário das grandes cheias que destruíram a vila na madrugada de 19 de Novembro de 1983.



No seu discurso de descerramento da lápide comemorativa colocada no jazigo onde repousam os restos mortais do Comandante Segurado, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Nuno Piteira Lopes, sublinhou o génio de Segurado enquanto fundador da primeira corporação de bombeiros cascalense: “41 anos depois desse dia fatídico aqui estamos para lhes reiterar o nosso agradecimento. E fazemo-lo num preito de homenagem ao Comandante Joaquim Theotónio Segurado que, com a sua capacidade de visão e a determinação que todos recordam, fundou em Cascais a sua primeira corporação de bombeiros. Sem ele teriam sido muitas as desgraças que afectariam a nossa terra, e graças a ele estamos hoje convosco para relembrar esta figura de primeira importância para a História de Cascais!”.

O autarca relembrou ainda as palavras sempre extraordinárias do historiador cascalense Pedro Falcão que, sobre o Comandante Segurado disse com muita piada que em Cascais nada se fazia sem o conhecimento e autorização do Comandante Segurado. E assim era. O Comandante Segurado era tabelião notário, autarca, músico, poeta, pintor e bombeiro… para além da primeira corporação de bombeiros de Cascais, fundou ele o teatro, as agremiações de música, a Farmácia da Misericórdia. Foi ele quem liderou o movimento que permitiu a construção do Hospital de Cascais, da Maternidade do Monte Estoril, da Praça de Touros… tudo enquanto tocava na banda dos bombeiros e encenava, produzia e actuava nas peças de teatro que subiam ao palco do Teatro Gil Vicente.

E enquanto autarca, sobretudo durante o conturbadíssimo período da Primeira República, teve a visão de criar em Cascais os primeiros bairros de alojamento social. Foi, aliás, ele próprio quem inventou o conceito, que se espraiou pelo país e que permitiu a milhares de portugueses terem uma casa condigna para criarem as suas famílias! Foi o Comandante Segurado quem em Cascais construiu o Bairro Operário José Luís e o Bairro dos Pescadores, num acto inédito de defesa da qualidade de vida dos Cascalenses.

Numa manhã marcada pelo registo da emoção, em que participaram também a bisneta e a trineta do Comandante Segurado, ainda foi possível ouvir o registo em vídeo das palavras de Maria Margarida Segurado, neta do homenageado e que o conheceu pessoalmente na sua meninice.

Uma manhã plena de Cascais que ligou o futuro do Concelho ao esteio fundador de um dos homens que ajudou a construir os alicerces fortes da Identidade Municipal!








Fotografias de Diogo Batista e Vídeo de Pedro Ramos (CMC)


Um Sonho Felizmente Inconcretizado na Praia do Guincho


por João Aníbal Henriques

No célebre livro “Memórias da Linha de Cascais” Branca de Gontha Colaço e Maria Archer descrevem romanticamente as várias estações ferroviárias da nossa famosa linha de comboio traçando um quadro de excelência que as autoras sabiam que correspondia à verdade.

Quando chega a Cascais, a descrição da linha menciona o projecto existente naquela época de estender a linha férrea até Sintra, atravessando a Quinta da Marinha e a Praia do Guincho.

Num rebate onírico próprio daqueles tempos, auspiciam um futuro grandioso para aquele nosso areal encantado: “Um dia, quando a linha de Cascais estender para além de Cascais os seus braços de ferro, a Praia do Guincho – com o seu mar e o seu areal de maravilha e os degraus do escadório da escarpa de Sintra para apoio do casario – há-de tornar-se na grande praia de Lisboa, na grande praia do futuro”…

Felizmente não tiveram razão e o sonho de prolongar o comboio através da Praia do Guincho manteve-se inconcretizado, preservando assim a magia sagrada da natureza recôndita daquele lugar tão especial. Por aqui se vê que nem sempre o progresso e o desenvolvimento rimam com a excelência que sonhamos para a nossa terra.





Quando o Rei Humberto II de Itália foi Doar Sangue em Cascais



por João Aníbal Henriques

Existem histórias que se transformam em mitos e mitos que se transformam em História… foi o que aconteceu com o Rei Humberto II de Itália durante os muitos anos em que residiu exilado na Vila de Cascais.

Despojado, por sua vontade, dos rigores protocolares que tinha conhecido enquanto foi monarca, o Rei fez questão de se integrar plenamente nos usos e nos costumes de Cascais, partilhando com os cascalenses os seus hábitos e a simplicidade despojada que desde sempre caracterizou a vida social nesta vila.

Pouco depois de aqui se instalar, inicialmente em Casa do Conde Monte Real, em frente à Cidadela de Cascais e, depois, numa das Casa Pinto Basto situada junto à enseada de Santa Marta, resolveu um dia logo pela madrugada, de forma a não ser visto por ninguém, dirigir-se ao posto de saúde da vila para se inscrever como doador de sangue.

O seu natural altruísmo, e o desdém que sentia por qualquer acto de ostentação, obrigava-o a zelar pela discrição, evitando assim qualquer publicidade que desvirtuasse o acto abnegado que queria concretizar. 

Mas para grande constrangimento do monarca, estavam nesse dia no posto de saúde duas varinas de Cascais que, reconhecendo o Rei e sendo assumidamente suas fãs, lhe pediram reiteradamente que não fizesse esse sacrifício que, segundo elas, poderia pôr em risco a sua saúde e até a sua vida, o que elas consideravam ser um atentado por ser ele um Rei gentil, de muito boa aparência e pai de quatro filhos…

Mas, apesar do pedido do Rei de que não contassem a ninguém o que tinham acabado de ver, as varinas não se calaram e espalharam por todo o lado a notícia do que Humberto II de Itália tinha acabado de fazer.

O Rei nunca desmentiu nem confirmou a história, fugindo sempre do assunto e procurando que o mesmo fosse caindo no esquecimento dos cascalenses.

Mas anos mais tarde, quando foi visitado pelo investigador e escritor Júlio Sauerwien, que viera a Cascais para recolher material para o seu livro “Exilados Régios no Estoril”, foi frontalmente questionado sobre a veracidade dessa história. E, não querendo mentir, foi obrigado a confirmar que era verdadeira!

Mais uma história da História de Cascais que vem confirmar a máxima atribuída a Sua Majestade o Rei Dom Carlos I de Portugal de que “Cascais é o sítio onde o povo é mais nobre e onde a nobreza é mais popular”!

terça-feira

O Delta da Ribeira das Vinhas em Cascais



por João Aníbal Henriques

A denominada “Figura de Braunius”, desenhada por Georg Braun (1541-1622) no Século XVI é considerada a mais antiga representação que se conhece da Costa de Lisboa, com especial enfoque em Cascais e no seu porto de mar.

O detalhe com que foi preparada e o cuidado colocado na representação dos principais pontos estratégicos da localidade, prende-se com a sua origem militar. O desenhador, ao preparar esta obra, pretendia traçar com rigor e exactidão o perfil da Costa de Cascais de forma a poder fornecer, em caso de intervenção militar, uma planta que facilitasse o controle dos principais pontos estratégicos desta costa que tinha funções extraordinariamente importantes na defesa de Lisboa contra eventuais ataques por via marítima.

Mas existe um detalhe que não passa despercebido a quem olhar com atenção para esta obra. Na representação da Baía de Cascais falta a indicação da Ribeira das Vinhas!



Não sendo crível que Georg Braun, meticuloso no seu trabalho, se esquecesse de um elemento tão importante na linha de costa de Cascais, haveria certamente uma razão que explicasse esta omissão de um elemento tão importante para a caracterização do porto de Cascais.

E a resposta, que nos chegou em finais dos anos 80 do século passado no âmbito de uma conferência proferida pelo saudoso Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles e pelo Cascalense Arquitecto Coimbra Neves, é simples e inesperada para a maioria dos Cascalenses: a foz da Ribeira das Vinhas, ao contrário do que hoje acontece, teria a forma de um delta, com vários braços que desaguavam em vários pontos do mar… Não existiria nessa época, portanto, um único canal de saída da ribeira, sendo que a foz se multiplicava em várias saídas que acabavam por não ter a relevância que a foz única que surgiria mais tarde acabou por ter no desenho da Costa de Cascais.

Esta explicação, que ambos os arquitectos defendiam com base na análise da topografia da vila e nas evidências arqueológicas surgidas depois das grandes inundações de Novembro de 1983, foi mais tarde confirmada pelos investigadores Guilherme Cardoso e Marco de Oliveira Borges, que assim explicam a omissão da ribeira na Figura de Braunius e a hidrografia da Vila de Cascais.

Explica igualmente a estranha opção dos antigos construtores do edificado cascalense de projectarem as suas construções sobre pilares e não, como era usual nessa época, com alicerces sólidos implantados no areal.

Esta forma construtiva, bem visível nas fotografias históricas da vila de Cascais, servia sobretudo para permitir o natural escoamento das águas da ribeira por debaixo dos edifícios, facilitando assim o normal fluxo das águas subterrâneas no subsolo e a sua saída para o mar.



A conferência dos arquitectos atrás mencionados vinha, aliás, associada a um alerta às entidades públicas que governavam Cascais no final do século passado: o cuidado que eles consideravam que se deveria ter perante uma qualquer intervenção ou construção a realizar no terreno situado a Norte do Hotel Baía, utilizado nessa altura como um mero estacionamento à superfície, de forma a preservar esse escoamento natural das águas do Delta da Ribeira das Vinhas, evitando assim a sua concentração no subsolo da zona histórica de Cascais com consequência que poderiam ser dramáticas na sustentabilidade dos edifícios existentes a montante desse local.

Com as obras efectuadas mais tarde no antigo estacionamento e com a construção da garagem subterrânea do Hotel Baía, criou-se, de facto, uma barreira que cortou o normal fluxo das águas. E agora, tal como referiam os dois arquitectos, sempre que chove com alguma quantidade e o leito da Ribeira das Vinhas se enche de água, o Largo Camões e as cercanias ficam imediatamente inundados…

Porque a História nos fornece sempre informações importantes sobre o passado, com o objectivo primordial de nos ajudar a definir um presente adequado e a preparar um futuro viável.

 

António Duarte d’Almeida Veiga – A Infinita Eternidade da Morte



por João Aníbal Henriques

Em meados do Século XIX, numa das suas inusitadas viagens pela Europa, o jurista e filósofo português António Duarte d’Almeida Veiga cruzou-se em Paris com Hippolyte Léon Denizard Rivail, ilustre pedagogo e professor francês bem conhecido do público em geral através do pseudónimo que utilizava para assinar as suas obras: Allan Kardec. Ficaram amigos.

Na sua obra de despedida, publicada em Benavente em 1928, António Veiga dedica à sua filha Maria Amélia aquilo a que chamou a “Lei dos Contrastes”, a súmula do seu pensamento filosófico numa ansiada necessidade de se convencer de que a eternidade e o infinito são expressão maior da vida verdadeira, ou seja, daquela que emana directamente de Deus. E, acima de tudo, que a eternidade (tempo) e o infinito (espaço) são efectivamente o contraste um do outro, marcando a dualidade necessária para nos permitir intuir a plenitude superior do Estado Perfeito, e concomitantemente da própria existência de Deus.

Queria encerrar a sua existência física com um legado de pensamento que perpectuasse as suas convicções espirituais e que comprovasse aos seus filhos que a sua partida não representaria o seu fim. Porque a morte não existe, senão aparentemente para contrastar a vida, e podermos reconhecer esta… era para ele um mero e puro descanso do “eu”.

Dizia ela à sua filha Maria Amélia: “a morte real só existe na ideia dos que ficam sobrevivendo. Os que morrem para estes, não morrem na realidade, antes, pelo contrário, revivem!”

António Duarte d’Almeida Veiga, meu bisavô paterno nasceu em Midões, nas Beiras, e morreu em Benavente, no Ribatejo. Foi jurista, notário, filósofo e escritor que, numa permanente ânsia de viver plenamente dedicou a sua vida a pensar, analisar e perceber a morte. Porque acreditava que só nela se poderia encontrar o sentido pleno da vida.

Quando se cumpre um século desde a sua morte, importa lembrá-lo e ao seu legado, até porque na linha das suas discussões espirituais com Allan Kardec, e tal como deixou escrito à sua filha Amélia: “Se soubermos convocar quem parte deste mundo infinito, eles nos provarão que existem sempre, plasmados na eternidade da qual todos fazemos parte”.





sexta-feira

A Rainha Dona Maria Pia em Cascais no dia 5 de Outubro de 1863


por João Aníbal Henriques

O dia 5 de Outubro de 1863 foi de festa em Cascais. Com pompa e circunstância, a baía encheu-se de salvas e vivas para receber a Princesa Dona Maria Pia de Sabóia que chegava nesse dia a Portugal para casar com o Rei Dom Luís I.

A vila, engalanada com as cores da Casa de Bragança, foi assim a primeira terra de Portugal a conhecer a futura rainha, mal sabendo ainda o quão importante ela haveria de ser para afirmar Cascais como a “Vila da Corte”, transformando-a com o seu requinte italiano no mais charmoso de todos os destinos em Portugal.

Em 1863 a então Princesa de Sabóia, com a frescura dos seus 15 anos de idade, chegou a bordo da corveta portuguesa Bartolomeu Dias, comandada por Francisco Soares Franco,  e transmitia a todos os que a rodearam o sentimento de esperança que trazia para o seu casamento real.




Mal sabia que, depois de uma vida de enganos e desenganos com o monarca seu marido, haveria de assistir à terrível morte de um filho e de um neto, sendo ela própria expulsa de Portugal.

Para além deste imenso desgosto, do qual nunca mais recuperou,  a Rainha Dona Maria Pia sofreu em Cascais um dos mais tenebrosos momentos da sua vida. Apesar das crises imensas que afectavam o casamento real, a rainha acompanhou o rei a Cascais quando este, já doente terminal, decidiu que queria morrer a olhar para as muito amadas águas da nossa baía. E não descansou quando, hora após hora, cuidou do seu marido ao longo da longa agonia que este haveria de sofrer na Cidadela Real.

O desgosto e o sofrimento foram tão grandes que depois da morte do rei decidiu que não queria voltar a entrar no Paço de Cascais. Esse espaço que se lhe tinha tornado maldito foi substituído pelo Chalet que havia adquirido no Monte Estoril e que partir desse momento passará a ser o sítio privilegiado para a reunião com os seus familiares e amigos numa espécie de corte secundária sempre que vinha a Cascais acompanhar a Família Real.



Quando morreu exilada em Itália, Dona Maria Pia pediu para ser sepultada com o rosto virado na direcção de Portugal, o país que apesar de tanto mal lhe ter infligido, era efectivamente a sua casa à qual devotadamente entregava o coração e a alma num gesto de amor que nunca foi reconhecido devidamente em Portugal.

Portugal deve muito a esta rainha e Cascais deve quase tudo o que fez deste lugar um sítio tão especial!

segunda-feira

José Dias Valente e Helena Quina: uma Homenagem ao Futuro do Monte Estoril



por João Aníbal Henriques

Cruzaram-se os tempos na homenagem sentida que a Junta de Freguesia de Cascais-Estoril e a Câmara Municipal de Cascais fizeram ao Professor e Pedagogo José Dias Valente e à Pintora Maria Helena Quina em conjunto com a Associação dos Antigos Alunos do Colégio João de Deus.

O mote, sublinhado pelo Vice-Presidente da CMC, Nuno Piteira Lopes, no discurso que acompanhou o descerramento do retrato inaugurado na galeria de notáveis da freguesia, foi colocado nos tempos que hão-de vir, numa alusão apelo directo à importância que o exemplo de excelência dos que nos precederam neste espaço tem para a formação do nosso futuro comunitário.



O trabalho extraordinário de José Dias Valente na liderança do Colégio João de Deus, marcando sucessivas gerações e oferecendo a Portugal a oportunidade de singrar no futuro recuperando os principais valores da nossa identidade, foi perpectuado pelo traço e a sensibilidade de Maria Helena Quina, e será a partir de agora um marco identitário que ajudará reforçar a importância do seu legado para a formação educativa do Cascais que ainda queremos ter.  

É unânime junto dos antigos alunos a influência que o “Patrão”, como chamavam ao Director Dias Valente, teve nas suas vidas. E é comummente aceite por todos que a passagem pelo Colégio João de Deus marcou toda a comunidade educativa com um traço distintivo que se reconhece facilmente. O respeito e a responsabilidade que José Dias Valente cultivava junto dos seus, e que plasmava na prática pedagógica do seu João de Deus, acompanhava-se sempre de um apelo retumbante à criatividade, à resiliência, e à diferença que todos sabiam que era característica de todos aqueles que por ali passavam.

Nunca houve resignação no Colégio João de Deus. A comunidade educativa, seguindo o exemplo do seu carismático director, sempre se focou nas potencialidades dos seus alunos, reforçando as suas qualidades e utilizando-as como ferramentas para contornar os seus defeitos… fazendo, desta forma, gente forte, com o ímpeto da irreverência que marcou em definitivo as suas vidas e as daqueles que com eles se cruzaram nos caminhos sempre tortuosos das vidas de toda a gente.



Com esta homenagem, assume-se publicamente que o futuro desta terra terá de se formatar neste seu exemplo, recriando uma dinâmica comunitária onde todos e cada um são essenciais na definição de um futuro congruente.

As flores deixadas junto da sepultura de José Dias Valente simbolizam essa eternidade maior que acompanhou a sua vida, estabelecendo uma ponte entre o seu tempo e o futuro maior que acompanhará a próxima geração de Cascalenses.

Porque uma comunidade sã e responsável vive intensamente as suas origens e os seus alicerces. E a memória de José Dias Valente e Helena Quina é uma efectiva ponte pênsil que a singela homenagem da passada Sexta-feira veio estabelecer como compromisso de excelência para os nossos filhos e netos.






quinta-feira

A Educação de Cascais


por João Aníbal Henriques

A educação é um pilar essencial para a democracia. E são as escolas, pólos dinamizadores de projectos educativos diferenciados, que determinam a excelência de uma terra e o potencial das suas gentes!

Em 1870, quando o Rei Dom Luís escolheu Cascais para seu destino de veraneio, já existiam em Cascais dez escolas. Duas pertenciam ao Estado e as restantes 8 resultavam de iniciativa particular. Cinco estavam na freguesia de Cascais, três na de Alcabideche e duas em São Domingos de Rana.

E foi esse potencial crítico que nasceu destes projectos educativos que garantiu a Cascais o registo de enorme dinamismo que permitiu transformar a nossa terra neste cadinho extraordinário onde hoje temos a sorte de poder estar!

Ficam as memórias da escola-monumento Dom Luís I, situada na Avenida Vasco da Gama, junto à Parada, em Cascais, onde o nome do monarca perpectua esta capacidade de entender que é na aposta educativa às futuras gerações que se constrói o futuro de excelência que todos desejamos para Cascais.

quarta-feira

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação em Oeiras



por João Aníbal Henriques

Apesar de serem indecifráveis as origens da actual Igreja Matriz de Oeiras, é certo que precedem em muitos séculos o ano de 1744, quando o actual edifício foi concluído e consagrado.

A invocação de Nossa Senhora da Purificação, num apelo assumido às origens judaicas da Fé Cristã, remete-nos directamente para a vertente crística da Vida Sagrada de Jesus. Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, numa dualidade que represente o carácter completo da sua criação, Jesus apresenta-se entre os homens como fazendo integralmente parte deles, partilhando os seus anseios e dúvidas e, sobretudo, sofrendo as dores próprias da materialidade terrena.

Passados os vinte dias depois do parto, necessários para que Nossa Senhora se purificasse de acordo com as Leis de Moisés, ficam os progenitores terrenos obrigados a apresentar a criança no templo, de forma a assegurar a sua entrega total a Deus e o cumprimento da vontade determinada para aqueles que fazem parte do povo escolhido.

Na sua limpeza da materialidade, Nossa Senhora assume a sua pureza original, vincando o carácter também bicéfalo da sua existência, e marcando o fim do período em que no seu útero foi gerado e consubstanciado aquele que transporta consigo a centelha divina do Pai.

É, por isso, de extraordinária importância a consagração de Oeiras à Virgem da Purificação, significando simbolicamente que a dualidade crística de Deus se consubstancia em cada acto e em cada momento da existência desta comunidade cristã que reside devocionalmente nos subúrbios de Lisboa.



O trabalho do dia-a-dia, em Oeiras arreigadamente ligado à terra e à sua fertilidade, depende directamente dos ciclos da natureza e da bondade que a mesma dedica a quem delas depende por estes lados. Os oeirenses, conscientes desta sua dependência ancestral (e natural) invocam assim a purificação de Nossa Senhora como caminho que lhes permite o desenvolvimento da sua Fé como garante da sua subsistência terrena no devir diário da comunidade.

A totalidade, num espaço e junto das gentes que o vivem quotidianamente, faz-se assim dos ardores do dia-a-dia mas, por intercessão divina, goza igualmente da protecção purificadora de Maria, a Virgem-Mãe que protege os seus filhos com a luz imaterial e que se sustenta pela Fé ardente. Nesta dedicação consagrada a Deus, sabendo de antemão que cada gesto e cada pensamento se complementam para garantir a plenitude de uma vida sã que abra portas para o Céu, vive-se sempre com a Alma repleta de esperança, concretizada no coração do centro histórico da vila de Oeiras neste monumento extraordinário que ainda hoje cumpre a sua orientação primordial.



Perdidas no tempo as origens do edifício que hoje ali podemos observar, é certo que em plena Idade Média, durante o reinado de Dom Dinis, já existia naquele sítio um edifício sagrado. Em 1258, a Paróquia de Oeiras surge ligada à Colegiada de São Lourenço de Lisboa, preservando sempre a invocação sagrada a Nossa Senhora da Purificação. Tendo sofrido obras de com solidação e recuperação diversas ao longo dos séculos, bem documentadas nos anais da História de Portugal, a Igreja Matriz de Oeiras era no início do Século XVIII demasiado insignificante perante o crescimento exponencial da sua comunidade e, consequentemente, perante os desejos legítimos de afirmação e de grandeza das gentes que o frequentavam. O edifício do antigo templo é então demolido e iniciam-se em 1702 as obras de construção da Igreja Matriz que hoje ali encontramos.

Com projecto de João Antunes, que cumulativamente ficou encarregue de transportar para a nova igreja os elementos diferenciadores da Fé vivida intensamente pelos oeirenses de então, as obras de construção avançam sob a tutela de Duarte de Castro dos Rios, transferindo-se a paróquia provisoriamente para a Capela de Santo Amaro.

De acordo com a informação expressa no website da Câmara Municipal de Oeiras (em www.oeiras.pt), que reforça o interesse deste monumento para a compreensão daquilo que representa o município no contexto metropolitano de Lisboa, “o interior da Igreja Matriz de Oeiras possui alguns elementos que se destacam pela sua grande beleza. É o caso da pia batismal, obra do mestre Matias Duarte, com o pé de pedra bastarda e o corpo de pedra lioz. O lavatório da sacristia é outro dos elementos a destacar. Obra do mestre anterior, apresenta uma conjugação muito feliz de pedra lioz (branca) e de pedra vermelha (mármore avermelhado), tratando-se de um conjunto de rara perfeição e beleza, salientando-se também os púlpitos, de perfeição e rendilhados impressionantes. Convém também dar uma especial atenção às pinturas que ornamentam a igreja matriz. No altar-mor existem quatro grandes pinturas realizadas por Miguel António do Amaral. Uma delas representa a última ceia; outra, uma cena da Vida de Jesus e outra representa Madalena”.



A alusão à invocação original, num pleno de significação que nos permite perceber a continuidade simbólica que continua a unir a Fé dos oeirenses, reforça o interesse de uma visita ao local, sendo certo que ali podemos observar com atenção os elementos que demonstram comprovadamente que Oeiras é ainda hoje um dos municípios com uma Identidade Local mais marcada, explicando provavelmente a forma muito sentida a motivada que desde sempre caracteriza a robustez da consciência cívica daqueles que habitam este recanto tão especial.

Visitar a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação, em Oeiras, é viajar directamente ao âmago da Alma e do pensamento da comunidade oeirense, num acto pleno de deslumbramento que não deixa indiferente quem o faça com esta abordagem fundamentada relativamente à mensagem simbólica que aquelas pedras nos transmitem desde tempos imemoriais.


segunda-feira

A Escravatura em Cascais


por João Aníbal Henriques

Por incrível que pareça, em 1514, quando Dom Manuel I renovou o antigo Foral de Cascais, a escravatura era um exercício comercial comum na nossa vila. 

De facto, numa das posturas desse documento diz-se taxativamente que quem vendesse um escravo ou uma escrava em Cascais teria de pagar um imposto de 13 Reais e meio! E que as escravas que fossem mães de crianças que ainda mamassem não veriam agravadas as suas taxas por esse efeito.

Uma realidade cruel que caracterizou a nossa terra e o resto do mundo mas que felizmente já está muito distante! Pelo menos por cá e por enquanto…

sexta-feira

O "Arreda" no Verão de Cascais


por João Aníbal Henriques

Nos primórdios do automobilismo em Portugal, uma das primeiras e mais importantes figuras e circular pelos caminhos de Cascais no seu extraordinário automóvel foi o Infante Dom Afonso de Bragança – o Arreda -, irmão mais novo do Rei Dom Carlos. O príncipe descia diariamente a Avenida Valbom em alta velocidade de forma a tentar que o automóvel ganhasse balanço suficiente para subir a Alfarrobeira sem parar... E, enquanto acelerava o seu bólide, gritava em plenos pulmões “Arreda! Arreda!” tentando afastar do caminho os peões que por ali andavam. Foi assim em Cascais que ele ganhou a alcunha de “O Arreda” que o acompanhou até ao fim dos seus dias e que ainda hoje o caracteriza nos livros de História!

quarta-feira

Segredos da Rainha Alquimista de Cascais




por João Aníbal Henriques

Em 1593 a Câmara Municipal de Cascais publicou uma postura que obrigava os homens que participavam na histórica procissão em honra da Rainha Santa Isabel a utilizarem capas e as mulheres mantéus. Quem não o fizesse pagava uma multa de 50 Reis! Esta procissão, ligada às mais profundas práticas devocionais dos Cascalenses, recuperava o culto alquímico pela Rainha Santa promovido pelos frades Carmelitas Descalços que oravam no antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade. O Cortejo Alquímico de Cascais está eternizado no painel de azulejos colocados actualmente no Parque Marechal Carmona e passa despercebido a quase todos os que por aqui passeiam. Mas vale a pena olhar com cuidado para este segredo bem guardado de Cascais!