por João Aníbal Henriques
Nos primórdios dos anos 90, quando Portugal começou a apresentar os primeiros laivos de uma europeidade estranha à sua essência, aconteceu na Dinamarca um fenómeno simples mas de grande importância, que deveria ter dados pistas aos governantes Portugueses para a definição de programas estratégicos para o desenvolvimento concertado do País.
Nessa altura, quando por aqui dava os primeiros passos a lógica da uniformização, dizendo-se que era esse o caminho que nos aproximaria da Europa e que nos traria a qualidade de vida que caracterizava o devir dos nossos vizinhos, foi notícia em Copenhaga o facto de, pela primeira vez em muitos anos, o número de ovos ditos do campo vendidos nos supermercados daquela capital escandinava, terem ultrapassado de forma substancial os ovos produzidos modernamente nos aviários…
Contra todas as expectativas, e com um preço substancialmente mais caro do que os seus congéneres bonitos e airosos produzidos industrialmente nas produções tecnicamente evoluídas do País, os ovos campestres haviam imperado na Dinamarca, mostrando que os cidadãos, com toda a formação e informação que caracteriza o evoluído País Norte-Europeu, estavam dispostos a pagar mais por um produto diferente, entrando em contra-ciclo com a evolução do País desde a segunda Guerra Mundial.
A explicação para o facto, procurada de forma insistente em várias universidades e por vários dos mais conceituados investigadores locais, atribuiu às estórias por detrás daqueles ovos (o cheirinho a autenticidade e às cores dos tempos dos nossos avós) a preferência dos dinamarqueses, uma vez que em termos de qualidade nutritiva e proteica, nada acrescentavam aos ovos que até aí sempre se venderam nos mercados e supermercados locais.
Era o mito e a lenda por detrás destes espécimes disformes, mais do que as suas características efectivas, que motivavam os dinamarqueses a gastar em média mais 30% neste ovos. E faziam-no pelas memórias, pela emoção e pelo glamour que o facto de serem únicos e irrepetíveis lhes atribuía.
Desde essa altura até hoje, esse movimento não tem conhecido retrocessos. Os aviários e os seus cubículos onde as galinhas produzem quantidades enormes de ovos de óptima qualidade e sanitariamente controlados, tornaram-se sinónimo de massificação, de desinteresse e até de politicamente incorrecto. Levantaram-se vozes a favor dos direitos dos animais e neste dealbar de um novo Século, somente uma década depois do ocorrido, começa a falar-se na possibilidade de se tornar ilegal a “exploração imoral” dos animais, já sendo praticamente coisa do passado os ovinhos bonitos e milimetricamente iguais uns aos outros que ainda fazem furor nas prateleiras dos hipermercados de Portugal.
Pode parecer pouco interessante esta história. Pode até parecer que nada tem a haver com Portugal. Mas não é verdade. É singela, e isso é um facto indiscutível, mas tem (ou deveria ter) uma importância inaudita em Portugal.
E a razão é fácil de compreender. Nos anos 90, quando Portugal iniciou efectivamente o seu processo de aproximação a Europa, uniformizando normas e procedimentos, e assistindo ao fim de muitas das suas mais ancestrais, relevantes e interessantes tradições, os Países mais evoluídos do velho continente já procuravam aquilo que é único e irrepetível… Já buscavam as emoções e as estórias associadas aos produtos, e já tinham percebido que era esse o caminho que garantiria o sucesso na nova era que estava a nascer.
Mas Portugal nada percebeu. Não percebeu que estava condenado a ser parente pobre numa Europa rica e industrializada; não percebeu que a aproximação se deveria fazer pela assumpção das suas características e não pela adopção das características dos outros; não entendeu que, com o seu clima, paisagem, riqueza cultural, gastronomia, vinhos e saber, poderia ser o grande destino turístico no qual seriam gastas as economias dos habitantes ditos evoluídos de uma Europa ávida de sentir…
No início do Século XXI, já todos perceberam que Portugal está condenado ao turismo e que, noutras áreas, dificilmente teremos reais possibilidades de competir. Já todos perceberam que Portugal como destino assenta nas especificidades que o compõem; nas suas tradições únicas; nos seus ritos ancestrais; e na irrepetibilidade da sua História. São esses aspectos, dando corpo a um edifício onde os modernos resorts de grande qualidade dão o mote, complemento uma oferta hoteleira de primeira escolha, uma restauração excepcional, e campos de golfe onde é possível jogar quase 365 dias por ano, que transformam Portugal num destino muito especial.
Só falta, agora que já todos estão conscientes do nosso destino e papel nesta Europa desgastada, que o Estado perceba que já não se vendem ovos uniformizados… que quem procura Portugal quer sobretudo memórias para contar; que as emoções se sobrepuseram às razões…
Mas Portugal ainda tem oportunidade de se recriar; e, apesar da ASAE, ainda tem oportunidade para estudar, conhecer e reconhecer os aspectos únicos que o seu devir histórico lhe granjeou. Ainda pode inverter o caminho, e assumir-se como Nação, apostando nas suas memórias, e assentando nos cheiros, cores e sabores das suas gentes as muitas lendas e estórias que tem para contar.
O turismo de Portugal é provavelmente a única fonte de riqueza que ainda brota no País; é a oportunidade final para podermos levantar a cabeça e crescer; é o ponto nadir no resto da nossa História.
Esperemos que, oficialmente, se lembrem do sabor dos ovos produzidos nas quintarolas dos nossos avós; na bola de carne das muitas Páscoas tradicionais; no vinho vendido sem rótulo directamente pelo produtor; nos galheteiros nas tascas de província; e nas açordas feitas com pão da véspera que pareciam transbordar de sabor.
Porque na Dinamarca o que se procura é Portugal!