por João Aníbal Henriques
Infelizmente a História repete-se em Cascais. Apesar de recentemente a Câmara Municipal de Cascais ter adquirido à Fundação Cascais o Levantamento Exaustivo do Património, e de o Presidente, José Luís Judas, ter publicamente assumido que o conjunto de imóveis inventariados seria protegido através do P.D.M., o edifício da antiga Moagem de Carcavelos foi demolido. Sem apelo nem agravo...
O impensável aconteceu novamente em Cascais. O antigo edifício da Moagem de Carcavelos, exemplar único no património edificado do Concelho de Cascais, foi demolido pela edilidade que é, simultaneamente, a proprietária do mesmo.
Apesar das sugestões apresentadas pela Fundação Cascais no “Levantamento Exaustivo do Património” que a Câmara Municipal de Cascais recentemente adquiriu, e do parecer contrário da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, a edilidade deu o dito por não dito e demoliu totalmente o velho imóvel.
Ciente da importância deste edifício e do impacto sociocultural que o mesmo possuía na Freguesia de Carcavelos, a edilidade colocou junto ao edifício previamente condenado placas propagandísticas onde se podia ler o bonito título “Remodelação da Moagem de Carcavelos”. Mas não foi assim. A dita remodelação nunca chegará a concretizar-se, pois a velha moagem já não existe.
O velho edifício tinha sido construído no início do Século XX pelo construtor Civil Domingos Ribeiro, para a Sociedade de Moagem de Carcavelos, Ldª. Alvo de diversas ampliações e transformações ao longo dos anos, a Moagem de Carcavelos foi-se adaptando às inovações técnicas que iam surgindo.
Em 1955/1956, com projecto técnico da firma suíça “Buhler Frères”, foi-lhe adaptado um novo conjunto técnico que ainda estava no interior das velhas instalações. No já mencionado parecer da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, emitido a pedido da autarquia cascalense em 23 de Abril de 2001, sublinha-se que este equipamento, único do género no nosso País, permitia à Câmara de Cascais ter “uma oportunidade única de reproduzir toda a evolução tecnológica da moagem – o chamado “ciclo do pão”, desde o processos artesanais e semi-industriais até aos industriais”.
Com um desenho marcadamente modernista, e uma monumentalidade rara no nosso Concelho, a Moagem de Carcavelos poderia ter sido transformada num importante núcleo museológico que contribuiria de forma evidente para a valorização patrimonial de Cascais, ajudando assim a consolidar a tão propalada vocação turística do Município.
A demolição da Moagem de Carcavelos, levada a cabo a coberto do mês de Agosto e sob cauteloso encobrimento do já referido painel publicitário, vem defraudar os cascalenses, retirando-lhes a possibilidade de usufruir daquilo que lhes foi deixado como herança pelo devir histórico.
À semelhança do que aconteceu com o Chalé da Condessa d’Edla, com a Casa da Quinta das Loureiras, com a Casa do Conde da Azarujinha, com o edifício da Pensão Royal, com a Casa de Santana, com a Quinta dos Cactos, com dezenas de moinhos e azenhas, e com centenas de casais saloio e rurais espalhados por todo o território concelhio, a demolição da Moagem de Carcavelos é mais um contributo para a destruição da memória colectiva e da identidade municipal.
O processo de revisão do Plano Director Municipal, que teoricamente se encontra em curso, e a inclusão neste documento de princípios legais que salvaguardem o património cascalense da depredação causada pela má vontade e pela incúria dos nossos governantes, é a única solução possível para evitar a repetição deste tipo de situações nos já poucos edifícios históricos que ainda subsistem no Concelho de Cascais.