Seguindo em linha com as mais actuais recomendações políticas da generalidade dos Países da Europa, o actual Governo Português anunciou, em período de campanha eleitoral, que iria alterar a Lei de forma a que os médicos passassem a receitar indicando o princípio activo da droga que identificavam como benéfica para os seus pacientes, em detrimento do nome comercial e do laboratório produtor de determinado medicamento.
Essa medida permitiria, por um lado, que fosse o doente a escolher a marca do medicamento que iria adquirir e, por outro, garantir-lhe-ia a possibilidade de optar por aquele que apresentasse o melhor preço de venda ao público (porque a questão da qualidade não se punha).
E a razão que presidia a tudo isto não poderia ser mais linear: a indústria farmacêutica, sujeita a regras muito apertadas em termos de produção dos medicamentos, é obrigada desde há muito a fabricar os seus produtos de acordo com orientações precisas o que, como é evidente, resulta inexoravelmente no facto de todos os medicamentos (independentemente da marca ou do laboratório produtor) terem de ser exactamente iguais entre si e com a mesma qualidade.
Ou seja, medicamentos exactamente iguais, com marcas diferentes e produzidos por laboratórios distintos… mais ainda: medicamentos exactamente iguais (essa garantia é dada pelo próprio Estado através do Infarmed) vendidos a preços muito diferentes entre si…
E o doente, primeiro, último e único interessado naquele negócio, não tem a mínima possibilidade de escolher o que mais lhe convém porque, de acordo com a legislação actual, é ao médico prescritor que cabe a escolha!
Com o aparecimento dos genéricos a situação agrava-se ainda mais. Para além das disparidades de preços entre os laboratórios, surgem agora outros laboratórios (também certificados com a garantia do Infarmed) que produzem os mesmos medicamentos a preços avassaladoramente mais baixos do que aqueles que caracterizam os medicamentos tradicionais. Ou seja, para além da concorrência entre laboratórios, o doente passaria a poder optar por adquirir um medicamente exactamente igual mas genérico, sempre com a garantia de que ele tem a mesma qualidade daquele que lhe foi receitado, pagando um preço mais adequado pelo mesmo.
Mas recentemente, com o processo eleitoral na Associação Nacional de Farmácias e o anúncio do seu presidente de que as farmácias iriam, por seu mote próprio, passar a cumprir esta promessa do Governo, dando assim a possibilidade ao comum cidadão de escolher aquilo que quer, levantaram-se todos contra a decisão…
E é aqui que reside mais um enxovalho à dignidade de Portugal. Senão vejamos:
1. Aos médicos o que importa a marca do medicamento que os seus doentes vão tomar se (importa sempre sublinhar que isto acontece com a garantia do próprio Infarmed) o princípio activo que eles adquirirão na farmácia é exactamente igual àquele que eles prescreveram?... Parece óbvio que nada… a última palavra em relação a esse princípio activo, única matéria em que existe influência no processo curativo do doente, continua a ser deles, sendo deles também, como é evidente, a responsabilidade em relação a essa escolha; Não se consegue perceber a sua insatisfação perante tão importante anúncio…
2. Ao Estado, que imediatamente reagiu dando o dito pelo não dito, e obrigando as farmácias a cumprirem à risca a escolha da marca efectuada pelos médicos, menos ainda, porque medicamentos mais caros pressupõem comparticipações mais caras e estas, por seu turno, um acréscimo desse peso no erário público (sublinhe-se no dinheiro de todos nós…);
Na prática, e devido a uma razão que (pelo menos ao cidadão) não foi explicada, o Estado veio obrigar as farmácias a continuar a vender ao doente não aquilo que lhe convém, mas sim aquilo que o médico lhe prescrever…
Como temos a certeza de que as instituições que temos são sérias, honestas e de bem, zelando pela nossa saúde e pela salvaguarda dos orçamentos familiares e do erário público (não esquecer que medicamentos mais caros são sinónimo de maior comparticipação por parte do Estado), só podemos concluir que, afinal, existem diferenças qualitativas entre medicamentos genéricos e de marca!...
Não há outra explicação plausível ou possível. Não é possível aceitar que esta decisão seja tomada por outros critérios que não sejam estes e, assim sendo, é esta a única razão que pode levar o Estado a impedir-nos de escolher.
Por isso, da próxima vez que for à farmácia, das duas uma: ou me garantem que os medicamentos são todos rigorosamente produzidos e com a mesma qualidade, e me deixam comprar aquele que eu quiser; ou me impedem de fazer essa escolha e estão a assumir que existem diferenças qualitativas entre os produtos.
Agora o silêncio final que se abateu sobre o assunto é, sem sombra de dúvida, mais um péssimo enxovalho que faz a Portugal e aos Portugueses.