segunda-feira

O Palácio dos Condes da Guarda


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por João Aníbal Henriques
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Apesar de ser uma das mais antigas edificações da Vila de Cascais, e uma das poucas construções que sobreviveram ao terramoto de 1755, os actuais Paços do Concelho, só muito recentemente adquiriram o aspecto que hoje tão bem conhecemos.

Quando o Almirante Cotton, representante do Exército Inglês, pernoitou no Palácio dos Condes da Guarda, dificilmente imaginaria as muitas transformações e adaptações que aquele espaço sofreria ao longo dos Séculos seguintes.

De facto, no início do Século XIX, quando a Convenção de Sintra – por mero acaso assinada em Cascais – decorria no local onde hoje funciona a Estalagem Solar Dom Carlos, a Vila ainda não perspectivava o fulgor que a caracterizaria após 1870, quando Dom Luís adapta a Cidadela a palácio de veraneio.

Edifício de planta rectangular, assente em sólida silharia calcária, o Palácio dos Condes da Guarda integra as dimensões e as orientações que genericamente caracterizam o estilo commumente designado como Arquitectura Portuguesa. O seu telhado de quatro águas é, aliás, semelhante a todos os outros que defendiam as restantes habitações da zona ribeirinha da Vila das intempéries invernosas e do calor do estio. O único aspecto que diferencia este prédio dos circunvizinhos, é o vasto conjunto azulejar que o envolve, utilizando as cores amarelo, vermelho e roxo, considerados por Ferreira de Andrade, como os melhores desta arte bem portuguesa.

São Sebastião, Santo António, São Miguel, São Mateus, São marcos, São Jerónimo, São Lucas e São João, são as figuras representadas na fachada, e que integram um conjunto de azulejos mais vasto que se prolonga pelo interior. Na escadaria principal, um alabardeiro vestido de roxo e o painel com as armas da vila, fecham o conjunto, contribuindo com o as suas cores para preencher e decorar o modesto enquadramento arquitectónico do conjunto.

Em Abril de 1918 é anunciada a venda em hasta pública do conjunto de azulejos do Palácio dos Condes da Guarda, e Gustavo de Matos Sequeira, numa das suas obras sobre o terramoto de Lisboa mencionada por Ferreira de Andrade, refere que eles constituem a nota mais pitoresca de toda a povoação.

Para salvar o edifício e os preciosos azulejos, a edilidade adquire-o nessa data, transformando-o na actual Câmara Municipal.

É desta época já bastante recente que datam as modernas e radicais alterações que modificaram por completo o aspecto geral do edifício. À ala sul foi acrescentado um novo trecho que completou a remodelação integral que sofreu toda a Avenida Dom Carlos, e que culminou com a criação da actual esplanada junto ao mar.

No final do Século XIX, quando Cascais se transformou na praia da corte, o edifício foi adaptado a habitação de veraneio, utilizada durante várias décadas pelos Condes da Guarda. O seu ar aristocrático desde cedo contrastou com a modéstia das pobres casas utilizadas pelas mais altas figuras da corte, que se sujeitavam às mais humildes condições somente pelo prazer de acompanharem os monarcas nas semanas finais do verão.

Tendo conseguido sobreviver às terríveis consequências do terramoto, e às variadas vicissitudes políticas dos tempos, nomeadamente a utilização no período das invasões francesas, a posterior adaptação a casa de veraneio e finalmente à investida republicana, o Palácio dos Condes da Guarda resguarda aquelas que são, por excelência, as mais importantes memórias urbanas de Cascais. Mal conhecido da generalidade dos cascalenses, e permanentemente absorvido pela inadmissível utilização como parque de estacionamento da Câmara Municipal, que não tem percebido o real valor cénico, patrimonial, histórico, artístico e cultural do edifício, o Palácio dos Condes da Guarda merecia um papel de maior...