terça-feira

Tomar: Para Cumprir Portugal...






por: João Aníbal Henriques

Muitas vezes a realidade subverte-se… as paredes de pedra, sólidas na sua concretização, deixam antever as fraquezas e as inconsistências das muitas estórias que as envolvem… a patine do tempo, negra pelas agruras que lhe impõe o devir e as pessoas, transforma-se numa moldura que tolhe o próprio olhar…

Em Tomar é isto que acontece… um espaço mítico e místico que absorve as centelhas de luz num impasse que urge desvendar… cantos e recantos por onde passaram olhares… nichos e pormenores com os quais necessariamente temos de contar…

As salas, corredores e deambulatórios, prenhes de memórias que a Humanidade impõe, são como livros abertos para quem os quiser decifrar.

Mas cada olhar; cada perspectiva; cada vislumbre de Tomar é único… porque únicos foram também os episódios que por aqui se sucederam… são sinónimo de abordagens, quimeras de sonhos não cumpridos e… caminhos novos que cabe aos nossos pés trilhar…

Emoções à flor da pele. Emoções que nos toldam os sentidos e que nos transformam a fronte. Emoções difíceis de compreender, e quase impossíveis de interpretar.

Tomar… a cidade onde o Nabão enfatiza estados de Alma… onde cada curva agoniza perante as promessas que nascem do cruzamento do horizonte amplo e das necessidades do Homem. Tomar… o espaço onde as naus se plantam perante o olhar impávido dos monstrengos que nada temem enfrentar… Tomar… o enclave de saber (de saberes) conjugando sabedorias ancestrais… Tomar… cadinho onde os mistérios se desvendam, gerando pistas, possibilidades e esperanças que o Homem está condenado a enfrentar…

O Mundo não seria o que é hoje sem esta sala em Tomar…

O espaço, as coisas e os outros, emaranhados numa teia de interesses, vão-se formando, aqui, muito devagar…

Falamos de memórias… daquilo que ao longe vamos sentindo como diferente… falamos de respeito pelo alternativo, pelo outro, e de uma profunda vontade de abraçar… a cultura, a abordagem ao Universo… a capacidade de pensar.

Tomar é um cadinho… um recipiente bem cheio de tudo o que existe no ar… conjuga saberes, perspectivas, realidades e emoções em sonhos… sonhos comuns onde a força impera… sonhos com a capacidade de se concretizar…

Como se ao longe se ouvissem as ondas do mar…


E cumpriu-se Portugal… num Mundo enorme, diferente, assustador…

Enfrentando o mar e o desconhecido com a força que nasceu da sua História…

A cruz enrolou-se a o Templo abriu as portas a Cristo… cumprindo a profecia… contrariando a vontade geral.

E Portugal fez-se em Tomar… nas paredes avoengas de um castelo antigo… nas vicissitudes várias que a política lhe impôs.

Mestre Gualdim escolheu o local…marcou com o seu ferro o espaço telúrico onde tudo deveria fazer-se… e sonhou… com um Mundo novo onde se cruzassem saberes… e sabores… como se tudo fosse um vasto Portugal…

Estávamos em Março… no dia 1… no primeiro dia do resto de toda a História de uma Nação… num Século XII marcado pelas guerras, pelo sangue, pelas agruras do destino… num tempo em que o dia-a-dia dependia de uma côdea de pão… numa época em que tudo isso dependia de uma paz impossível de conquistar…

Por detrás, memórias antigas dos que já cá estiveram… pedras marcadas pelas mãos de outrem… Romanos? Muçulmanos? Ninguém sabe bem, embora se sinta no ar o embaraço dessa união…

O espaços são o que são independentemente das pessoas, ou melhor, daquilo que deles as pessoas fazem… são eternos, imortais, como os deuses… e tingem de perenidade o carácter efémero dos que agora cá estão…

Somos mais uns… unicamente algo mais para juntar ao que já foi… uma pitada de nada comparada com o que há-de vir… a sombra diáfana de um convencimento vil que é, afinal, a própria essência do viver…

Muitos chegam, mexem, transformam, alteram, marcam com a sua força procurando sofregamente o eterno… que não existe em nós… nem neles…

Tocam-se à força nos espaços sagrados (que o são) de um espaço onde o mito se conjuga com o rito e onde a repetição é sinónimo de saber… são séculos e séculos do mesmo… de capacidades e de discernimentos… de milénios de suspiros que deixam marcas no tempo….

São pré-existências que nos provam quem é importante… o que é importante! Que nos dizem quem somos, de onde vimos, para onde vamos e… tudo aquilo que queremos saber.

Na charola… naquele espaço circular onde todo o Universo parece caber… onde ressoam os cascos velhos dos que já cá não estão… mas onde ainda sentimos as lamúrias dos que teimam em lutar para viver…

É Jerusalém em peso que faz dobrar a coluna e levantar o chapéu… é a repetição nano-temporal que nos transporta para a modernidade da ciência… é perceber, sem o saber, que as pedras têm memórias… e que os Homens (sobretudo) as conseguem ler…

O Santo Sepulcro é um espaço de sofrimento. É claro!... é um espaço de dúvida, de dúvida permanente, persistente e muito real… é o espaço onde a salvação se confunde com a Morte, e onde esta abre caminho ao céu…

E Tomar é, em suma, tudo isto.

Tomar são os sonhos de romanos e de celtiberos… os anseios dos árabes… as doutrinas de fé Templária e Cristo… sempre Cristo… com a força de todo o seu Ser.

Tomar é a cruz em movimento… o arfar do vento no velame dos navios.

Tomar é a própria doutrina do Homem, a Tradição das Idades, o espaço que, existindo, permitiu o acontecer… e aconteceu! Aconteceu aqui! Aconteceu agora, ou melhor… há muito tempo! Vai acontecer ainda! Quer queiramos quer não!

Tomar é a essência alquímica de Portugal. O templo interior onde se nasce por missão… o espaço onde por castigo temos de viver.

Tomar é a opção… o livre arbítrio… o reinado do Espírito sobre a forma, e desta sobre a matéria.

O Mundo que hoje temos nasceu aqui… em torno desta mesa, neste mesmo espaço onde nos sentamos… em torno de caras como as nossas… necessidades como as que temos… sonhos como os que alimentamos e com os quais nos entorpecemos.

Queremos mais. Porque Portugal está vivo. Porque a força não se destrói.

Queremos Camões nestas paredes! Camões nas águas de um Nabão que sonha com o mar, desde Tomar o antevendo. Queremos Pessoa, com todos os seus! Cabiam aqui… todos… neste refeitório!

Portugal está por fazer. É um País único! Rico! Extraordinário e insubstituível! É um País onde os sonhos se fazem de História… de História que se acotovela nos sonhos dos que cá estão… de estórias que são vida e que dão vida a quem por ela anseia…

Vamos cumprir Portugal. Vamos sentir um País que é nosso. Vamos suspirar em todo o património que temos… transbordante de História, de estórias de… vida.

Vamos cumprir Portugal. Vamos mostrá-lo. Não aceitemos calar quem somos e o que temos.

Vamos cumprir Portugal. Vamos viver.