sexta-feira

Figos de Cascais ou Figos de Rabadilha




Reza a lenda que durante o período de ocupação filipina, o edil de Cascais apoiava a causa dos usurpadores espanhóis e que traía Portugal…

Ora vivia nesta altura na velha vila piscatória um judeu velhaco que ocupava os seus dias à procura de estratagemas para afrontar o poder e para se impor aos grandes senhores que oprimiam o seu povo. Atencioso, rico e influente, o dito Judeu começou a enviar diariamente ao edil de Cascais uma bandeja de ouro com os melhores figos da sua quinta.

Do alto da sua sobranceria, o senhor de Cascais tomou o acto como um gesto de simpatia muito usual naquela época para ganhar os favores daqueles que governavam o concelho. E deleitava-se com os figos oferecidos pelo judeu, não se coibindo de lhes gabar o extraordinário e único odor que tanto apreciava e que o deixava tão satisfeito.

Mas um dia, quando o judeu foi preso pela inquisição, foi instado a contar publicamente os seus segredos. E eis que, para gáudio dos Cascalenses que defendiam a sua pátria contra os interesses estrangeiros, explicou o estranho e inesperado odor que tanto agradava ao senhor de Cascais…é que, antes de os enviar ao edil, o judeu passava-os pelo rabo e era ali que eles ganhavam o aroma que conquistara o palato do senhor cascalense!

Assim nasceu, com força de uma lição que perdura ao longo dos séculos, a lenda dos “Figos de Cascais”, popularmente conhecida como a lenda dos “Figos de Rabadilha”.

quinta-feira

Uma Tragédia Grega numa Europa Trágica?




Possivelmente decidir-se-á hoje o impasse relacionado com a resolução do problema estrutural da Grécia e da sua dívida europeia. O desenlace, depois do imbróglio demasiado longo que se foi arrastando ao longo dos últimos cinco anos, terá pouco de apoteótico… aconteça o que acontecer, mesmo que a Grécia decida aceitar as novas condições impostas pela Europa para preservar a sua continuidade na zona Euro ou que a Europa se mantenha firma nas suas exigências e expulse a Grécia do seu seio, o mal está feito e a única certeza que existe é que mais do que uma tragédia grega, o resultado vai ser uma terrível tragédia Europeia.

Em primeiro lugar porque ficou bem patente que não existe nenhuma unidade europeia. A Europa não foi, não é e nunca será uma nação, nem tão pouco terá sequer o sustento mínimo para dar corpo a uma federação homogénea de estados independentes. Porque as diferenças são mais do que muitas (em vários registos e a vários níveis) e porque os fortes não aceitam a igualdade dos mais fracos, nem tão poucos estes últimos aceitam a supremacia dos primeiros.

Depois porque, conforme anunciou hoje o primeiro-ministro grego, aconteça o que acontecer a Grécia e a Rússia vão encontrar-se numa cimeira bilateral formal na próxima Sexta-feira, demonstrando ao mundo e aos restantes parceiros europeus, que existem caminhos e soluções alternativas que poderão ser mais facilmente aceites pelos próprios Gregos.

Por fim, porque se não for a Rússia será a China ou qualquer potência emergente, disponível para apoiar e, dessa maneira, condicionar, os equilíbrios estruturais sempre periclitantes no velho continente.

Em suma, a utopia fantástica de uma Europa una e coesa em clima de fraterna solidariedade e em sã convivência, unida numa estrutura federal em que todos os estados detêm direitos iguais, caiu definitivamente por terra. Tal como tinha acontecido em 1918 e em 1945, existem fortes e fracos, dependentes e independentes, generais e soldados-rasos nesta Europa sem rumo.

Hoje, numa Europa dividida pela realidade que se impôs, com um parlamento Europeu onde cerca de 11% dos deputados são contrários à existência da união e advogam a sua dissolução imediata, a tragédia grega é muito mais do que a decisão do que vai acontecer com o País onde a democracia nasceu.

Hoje, a Europa trágica da demagogia partidarizante de índole partidocrático e de sustento federalista morreu. E isso, sendo uma tragédia, está longe de ser o acontecimento trágico, final e determinante que nos querem vender os europeístas convictos que nos conduziram para este pântano. 

Henrique Simões Felgar e as Memórias Perenes da Cidade de Viseu





Se fosse vivo, cumpriria na próxima semana o seu 122º aniversário. Henrique Simões Felgar, filho de Joaquim Simões Felgar e de Maria da Glória Tavares, nasceu no lugar de Paço, na antiga Freguesia de Santo André no Concelho de Vila Nova de Poiares, no dia 16 de Junho de 1893. De origem humilde, começou cedo a sua vida de trabalho, recolhendo lixo e ferro-velho que depois vendia às principais fábrica do local. Habituado a calcorrear a pé as serranias envolventes, sempre em busca do material para venda, Henrique Felgar conhecia cada canto e recanto das antigas beiras, onde era também reconhecido e conhecido por quase toda a gente. Audaz e empreendedor, não levou muito tempo até conseguir inverter a linha do seu destino, adquirindo novos recursos comerciais e desenvolvendo novas estratégias para garantir a prosperidade pela qual ansiava. Casado desde muito novo com Maria Ermelinda Queirós (1901-1984), também ela natural de Poiares, desenvolveu grande parte da sua vida adulta na Cidade de Viseu, onde se instalou com a sua família e onde montou a sua fábrica de lanifícios. Vivendo primeiramente numa casa arrendada na zona da Ribeira, junto ao espaço onde funcionava a fábrica, adquiriu posteriormente um conjunto de duas magníficas propriedades situadas junto à Cava do Viriato, na Estrada Velha de Abraveses, onde instalou uma espécie de grande aldeia comunitária na qual viviam várias dezenas de pessoas. A Quinta da Machada, composta por uma parcela anteriormente designada como “Machada de Cima”, na qual presidia uma casa beirão antiquíssima com a designação “Casa do Lago” e por uma outra, localizada a Poente e virada para o Terreiro de Viriato e para o chão da feira, designada como “Machada de Baixo”, era um espaço de vivências muito profundas no qual nasceram e cresceram muitos daqueles que deram forma à nova geração de viseenses. Optando por habitar a enorme casa situada no extremo da quinta, que dividiu em duas unidades independentes de forma reforçar o seu rendimento, Henrique Felgar construiu ainda vários outros edifícios que foi alugando a funcionários e amigos, que partilhavam o espaço da Quinta da Machada e também uma “belga” de terra onde cada família cultivava a sua pequena horta doméstica. Na casa principal da quinta, onde residia a Família Felgar, teria estado alojado o Francês Marechal Massena em vésperas da sua derrota no Bussaco no início do Século XIX. Reza a lenda, que Henrique Felgar conhecia e que contava amiúde nas suas tertúlias de fim-de-tarde na sua mítica adega “Cova Funda”, que o tesouro formado pelos saques perpetrados pelos franceses durante o tempo em que foram evoluindo pelo território Português e que nunca chegou a aparecer depois da pesada derrota que o exército napoleónico conheceu logo depois de sair da Quinta da Machada, estará escondido algures num dos muitos espaços subterrâneos que existem sob a velha casa. Num desses espaço, aliás, instalou Henrique Felgar uma fábrica e armazém de caixões e demais artigos funerários que, alimentando as muitas lendas que envolviam a já de si extravagante casa, davam um tom ainda mais lúgubre e aterrorizante aos dias em que os seus netos e bisnetos por lá passavam. Nesta casa teve e/ou criou Henrique Felgar 17 filhos: Maria da Glória, Emanuel, Maria Ermelinda, Maria Emília, Maria Isabel, Maria de Lurdes, Maria da Conceição, Henrique, António, João, Maria Edite, José, Maria Teresa, Joaquim, Moisés e Elias. Vinte e nove anos depois da sua morte, no quarto do meio da velhinha casa da Quinta da Machada, Henrique Felgar deixa atrás de si um rasto profundo de muitas memórias que se perpetuam (e o perpetuam) no tempo. O seu carácter muito próprio, assente numa espontaneidade onde não cabiam o cinismo e o fingimento, angariaram-lhe uma vastíssima plêiade de amigos e também uma prole não despiciente de inimigos dos quais ele falava sempre lançando as suas melhores gargalhadas. Foi um homem único, que viveu intensamente uma vida desconcertante e irrepetível, num contexto histórico-sociológico que acompanha a afirmação da excelência da própria cidade de Viseu. Devem-lhe muito os filhos, os netos e os bisnetos, que carregam consigo o peso da responsabilidade de terem herdado o apelido dele. Mas deve-lhe ainda mais a cidade de Viseu, que nele teve um dos mais fiéis repositórios das memórias, dos valores e dos princípios que hoje se reconhecem como parte da identidade colectiva da capital da Beira Alta.