No meio das meias palavras, das meias afirmações e das meias ideias que dão forma aos muitos fóruns de debate sobre a educação em Portugal, os alunos raramente estão presentes.
São muitos os argumentos contra e a favor de todas as posições possíveis e imaginárias e, ao sabor dos muitos interesses que dão forma ao sector, produzem um argumentário estéril que arregimenta exércitos de seguidores perfeitamente convictos de que estão do lado certo da barricada…
Infelizmente, no que se lê diariamente em todos os jornais, é raro encontrar quem verdadeiramente se preocupe com o que é essencial em educação: os alunos, as famílias, a qualidade efectiva do ensino e, sobretudo, as repercussões transversais que a educação tem em praticamente todos os sectores da vida (e do futuro prospectivo) de Portugal.
A esquerda, sem perceber que já não estamos nas sessões constitucionais de 1976, preocupa-se com a propriedade da escola. Não se importa com a qualidade da escola, com o facto de as escolas não serem todas iguais, com a desigualdade promovida pelas dificuldades de acesso à escola, com a significação da escola, com a pertinência dos seus currículos, com a ineficácia do seu modelo de gestão, ou sequer com o facto de o Estado – enquanto proprietário das ditas escolas – ser simultaneamente fornecedor e fiscal do mesmo serviço, numa amálgama de incompatibilidades que acabam quase sempre por descentrar o foco do aluno que deveria ser a única coisa assumida como bitola nas discussões.
A direita, por seu turno, preocupa-se com o contrário. Questiona invariavelmente a capacidade do Estado enquanto parte do sistema e defende, muitas vezes sem o cuidado de avaliação necessário para perceber que em ambos os modelos subsistem diferenças que tornam inócuas as comparações, que a propriedade das escolas deve ser maioritariamente privada.
Para quase todos, a questão é sempre a mesma: propriedade. Quem é o “dono” da escola? Quem “manda” na escola? E raramente a questão se coloca ao nível da qualidade do ensino.
Mas já todos percebemos que esta é a discussão que não interessa. É a discussão que acende plenários, motiva sindicatos e angaria apoiantes para os partidos, mas que surge manchada pelos preconceitos ideológicos que dão forma ao pensamento desta gente e, também, pelos interesses específicos perante os quais partidos, sindicatos e demais organizações respondem… É, em suma, uma discussão que se restringe ao mais básico, ao mais imediatista e que pouco mais abarca do que a ponta do nariz de cada um dos intervenientes.
Portugal precisa, de facto, de uma reforma efectiva no seu sistema educativo. Precisa disso urgentemente. Mas precisa, sobretudo, porque sabemos que se agrava diariamente a apatia e o desinteresse dos alunos perante a escola, que é uma entidade com a qual eles não se identificam e de onde nada esperam receber, com consequências terríveis ao nível da qualidade da sua formação e dos resultados alcançados em termos da sua qualificação e das suas competências.
E a receita para resolver este imbróglio é sempre a mesma: diminui-se a exigência, para melhorar artificialmente os resultados, dando assim continuidade à discussão que interessa a todos eles. Lá vêm os rankings, as listas e as comparações. Como se Portugal, a Suécia, os Estados Unidos, a Nova Zelândia, a China e as Filipinas fossem realidades idênticas e pudessem ser comparadas linearmente…
Para que Portugal possa libertar-se destes constrangimentos ideológicos e/ou partidários e, dessa maneira, concretizar uma reforma eficiente do seu sistema educativo, colocando os alunos à frente da lista de interesses e recolocando o enfoque nos resultados efectivos, é essencial que a escola seja devolvida àqueles que dela dependem.
E assim chegamos à questão da liberdade. A liberdade que os professores precisam de ter para criar escolas. Para criar escolas que sejam aquelas que respondem de forma efectiva aos interesses das suas gentes. Mas a liberdade que se estende aos pais, que deverão ser livres para escolher a escola mais adequada ao perfil dos seus filhos, às necessidades da sua comunidade, às expectativas que cada um deveria poder ter…
Porque da escola depende o futuro deste País, é essencial ver mais além do que o nariz de cada um. Ser capaz de perspectivar num espectro mais vasto as implicações que a educação tem no futuro do País, em termos gerais, e no futuro de cada criança, em particular.
Para sermos verdadeiramente livres, num Portugal diferente.
João Aníbal Henriques