terça-feira

O Colégio João de Deus e o Bairro Escolar do Monte Estoril





A principal inovação do Monte Estoril, apesar de mal conhecida da generalidade dos cascalenses, foi no entanto de ordem pedagógica, tendo sido instalados na povoação, entre 1928 e 1974, dois dos mais importantes estabelecimentos de ensino do nosso País.

O primeiro, constituído por sociedade entre João de Deus Ramos, João Lopes Soares, Virgílio Vicente da Silva e Mário Pamplona Ramos, designava-se Bairro Escolar, tendo sido inaugurado em 30 de Agosto de 1928.

Funcionando no local onde hoje se encontra a Urbanização do Lago, em torno do espaço onde Carlos Anjos tinha tentado criar artificialmente um vasto lago com água trazida da sua Quinta de Vale de Cavalos, o Bairro Escolar obedecia a parâmetros pedagógicos inovadores, criados sobretudo pelo génio inventivo de João de Deus Ramos.

Baseado numa disciplina escolar diferente da usual, na qual a rigidez caserneira, empregada pela rotina para obrigar as crianças ao silêncio, à compostura e ao estudo, era substituída pela arte de estudar, na qual o ambiente de simpatia e fraternalismo promoviam no aluno a vontade de aprender, o Bairro Escolar nasceu praticamente depois de vinte anos de projectos e de tentativas de concretização do seu fundador.

Numa memória descritiva publicada pouco tempo depois de abandonar aquela que o próprio considerava a sua grande obra, João de Deus Ramos explica o sucesso do Bairro Escolar pela grande qualidade pedagógica do seu corpo docente, mas também pela filosofia e pelo código de princípios que regia a instituição: “Há mais de vinte anos que eu imaginara um colégio bem diverso de quantos tive ocasião de conhecer. Nem o convento sombrio, misterioso, onde faz medo entrar. Nem o palácio acolhedor, mas impróprio na sua solenidade de interiores luxuosos, geralmente danificados pelo tempo. Nem as camaratas desconfortáveis que lembram pela alvura e pela extensão enfermarias de hospital. Nem os longos corredores, tristes e soturnos. Nem os srs. Prefeitos que amedrontam a delicadeza impressionável das crianças. Nem o fanatismo religioso que alucina e amortece o espírito. Nem a irreligiosidade vazia que prende o homem à terra, vencido pela convicção do inexplicável. Nem ainda aquela neutralidade acomodativa e hipócrita, em matéria religiosa, que por ser neutralidade não é coisa nenhuma”.

Se, numa primeira fase, o vigor e a capacidade concretizativa de João de Deus Ramos garantiram ao Bairro Escolar um sucesso incomparável, sobretudo se nos ativermos ao facto de que o aparelho educativo português daquela época era completamente incapaz de responder com coerência às necessidades novas de uma sociedade tecnológica e cientificamente mais evoluída, numa segunda fase, a pujança do estabelecimento de ensino e os primeiros vestígios de lucros, acabaram por comprometer completamente o projecto original.

De facto, entre 1928 e 1934, enquanto João Soares se encontra ausente e se mantêm em João de Deus Ramos a incumbência de implantar o colégio, a sociedade foi paulatinamente prosperando, assistindo-se a um aumento gradual do número de alunos e a uma fama que ultrapassou rapidamente as fronteiras mais difusas da Costa do Estoril. Ao ponto de, ao regressar ao Estoril e à lides educativas, o próprio João Soares ter enviado ao seu sócio João de Deus Ramos, em 4 de Março de 1934, uma extensa missiva em que expressava o seu apreço pelo trabalho realizado durante o período em que esteve ausente: “Ninguém como eu – absolutamente ninguém – fará maior justiça aos seus [referindo-se a João de Deus Ramos] enormes e constantes sacrifícios durante mais de três anos consecutivos, procurando sempre elevar e consolidar a boa fama do «Bairro» e fazer face aos seus pesados encargos, numa luta esgotante e quase heróica. Outro – que não tivesse a sua formidável resistência moral, ou não possuísse a sua exuberante imaginação – fatalmente teria sucumbido! E só eu sei quanto tenho sofrido por o ver sozinho aí e não poder auxiliá-lo eficazmente...”

No princípio de Agosto de 1935, numa reunião da Assembleia Geral em que se apresentaram os primeiros resultados positivos no exercício da sociedade, é o próprio João Soares que, indignado com a sua situação, se afasta do Bairro Escolar, impondo a venda das suas quotas a um comerciante problemático do Estoril, Negrão Buizel, que foi responsável por uma série de querelas que acabaram por destruir todo o projecto.

As alegações de João Soares, poucos minutos depois de se inteirar pela primeira vez da gestão do seu sócio e amigo de há longos anos, prendem-se sobretudo com a indefinição latente da sua posição no seio do colégio. De facto, devido a problemas políticos complicados, muitos dos quais relacionados com a sua prisão, João Soares pouco ou nada contribuiu para a consolidação do Bairro Escolar, acusando agora João de Deus Ramos de possuir um “feitio absorvente, autoritário e ditatorial”, e declarando que “sendo adversário de todos os ditadores, não podia mais tempo suportar aquela ditadura, o que o levava ao convencimento de pôr à disposição da Sociedade a sua quota, sem condições”.

Esperando dos restantes sócios, Luís Cardoso e Jaime Reis, um apoio incondicional às suas pretensões, agora que as vicissitudes políticas pareciam estar ultrapassadas, João Soares ouviu desagradado as apreciações positivas e as palavras de incentivo e apreço que foram dirigidas a João de Deus Ramos pelos seus colegas. É o próprio visado, João de Deus Ramos, quem, pouco tempo depois da reunião, frisa ter-se admirado com a forma pouco simpática com que Soares assistiu à Assembleia: “Mas eu vi: não foi sem contracção das suas linhas fisionómicas que João Soares ouviu em silêncio estes louvores. Provavelmente preferia que tal não fosse verdade...”

E se até esse momento a amizade entre os dois pedagogos havia prevalecido, baseada num respeito mútuo e numa confiança que o tempo mostrou não ser imerecida, a ruptura tornou-se incontornável a partir desta reunião. João Soares, apostado na criação de um estabelecimento de ensino completamente controlado por si, desejava avidamente afastar-se da figura simpática, extrovertida, e fraterna de João de Deus Ramos. Este último, desejando manter vivo aquele que havia sido o grande projecto pedagógico da sua vida, recusa o afastamento, aceitando, um pouco contrafeito, a venda das quotas de Soares a um desconhecido comerciante.

A entrada de Américo Buizel no Bairro Escolar, numa avidez de lucro imediato e de controle absoluto de toda a sociedade, relativizando os interesses pedagógicos e as necessidades educativas do seu corpo discente, acabou por levar ao afastamento do fundador e de grande parte dos seus mais ilustres professores.

São aliás estes professores quem, assumindo um apoio incondicional a João de Deus Ramos, visível através das muitas actas dos Conselhos Escolares, e de inúmeras cartas e missivas que enviam aos sócios e ao próprio Director Pedagógico, criam no Monte Estoril aquele que virá a ser o grande pilar da educação cascalense até ao 25 de Abril de 1974.

Em 3 de Janeiro de 1936, numa carta assinada pessoalmente pelos professores do Bairro Escolar, nomeadamente Mário Pamplona Ramos, Augusto Mimoso, Henrique Perestrelo de Alarcão, Álvaro Themudo, Armando Lucena, Aníbal Henriques, Rubi Marques e José Guerreiro Cristovão, explica-se aos pais dos alunos do Bairro Escolar o que se passou naquele estabelecimento, informando-se ainda de que será brevemente criado um novo colégio, mantendo a orientação pedagógica utilizada por João de Deus Ramos no antigo: “O que o Bairro Escolar vale, com a antiga organização e métodos, mereceu o aplauso e a preferência de V.Exª., confiando-lhe o educando que tem a seu cargo. Entenderam os professores que não se devia interromper tão magnífica iniciativa e, por isso, solicitaram o apoio do Sr. Dr. João de Deus Ramos e resolveram abrir novo colégio ainda na primeira quinzena do mês de Janeiro. Deferida esta solicitação, achamo-nos em condições de cumprir o nosso objectivo; poderemos, assim, obedecendo ao mesmo pensamento, continuar a preparação moral, espiritual e física dos alunos, muitos dos quais são já nossos discípulos de há anos”.

E logo a seguir, em 5 de Janeiro do mesmo ano, os antigos professores do Bairro Escolar informavam as famílias dos alunos: “Temos a honra de comunicar a V.Exª. que no dia 12 se fará a abertura solene do novo colégio que os antigos professores do Bairro Escolar resolveram fundar por motivos que V.Exª. conhece. Porque se propõem continuar a magnífica obra pedagógica, realizada pelo seu Director, o novo estabelecimento de ensino terá a denominação de Colégio de João de Deus. A sua sede é na Vila Pomares, no Monte Estoril”.

Construída na última década do Século XIX, pela Marquesa de Pomares, a sede do novo Colégio de João de Deus é vincadamente marcada pelo carácter cosmopolita da sua construção.

A Marquesa de Pomares, uma das cortesãs que acompanharam neste seu quase exílio, a Rainha Dona Maria Pia, após a morte do seu marido, o Rei Dom Luís I, edificou no Monte Estoril um sólido palacete que encarnou a generalidade dos valores arquitectónicos e monumentais desta localidade. Realçando a sua identidade através de um arco de entrada de características monumentais, ao qual se junta o apelo romântico aos torreões ameados, tão em voga num local que recriava um ambiente medieval a partir da sua estrutura urbana, a Vila Pomares depressa se tornou num dos mais emblemáticos símbolos do Estoril, por ali tendo passado, no decorrer da sua vigência aristocrática ou no seu posterior percurso escolar, grande parte dos vultos da vida política, empresarial e social portuguesa da primeira metade do Século XX.

No dia 12 de Janeiro de 1936, quando o Colégio de João de Deus se instala na Vila Pomares, tendo como principais orientadores o Dr. José Dias Valente, que assumiu as funções de Director, e os antigos professores do Bairro Escolar, Dr. Álvaro Themudo, Dr. Aníbal Henriques, Dr. Freitas e Silva e Capitão Álvaro Perestrelo, o Monte Estoril adquiriu finalmente o seu estatuto de diferença, consolidando as inovações diversas que possuía no seu seio, a um vanguardismo pedagógico que se manteve durante quase quarenta anos.

A Associação dos Antigos Alunos do Colégio de João de Deus, ainda hoje activa, quando se passaram já mais de vinte e cinco anos após o encerramento do colégio, personifica o carácter inovador das relações educativas desenvolvidas pelo estabelecimento, nas quais a proximidade entre mestres e discípulos se afigurava como fundamental.

Nos aniversários da fundação, de forma imperceptível, foram sempre os alunos que organizaram e desenvolveram as comemorações oficiais. Grandiosas, magnificentes e sentidas, as festas nos muitos aniversários do Colégio de João de Deus tiveram sempre uma coisa em comum: a presença permanente e activa de centenas de ex-alunos que, mesmo depois de terminarem a sua formação, e muitos deles depois de encetarem percursos profissionais e políticos de grande destaque, compareceram sempre à chamada daquele que consideravam o “seu” colégio.

Júlio dos Santos, um dos ex-alunos que incentivou a comemoração do segundo aniversário através da edição de um jornal onde figuravam as opiniões de quase todos, escrevia em 12 de Janeiro de 1938 que o Colégio de João de Deus era para ele uma alegria que não podia deixar de exteriorizar: “Eu, que tenho acompanhado desde sempre o seu engrandecimento regozijo-me de todo o coração com tão faustoso acontecimento, e estou convencido que todos os meus colegas pensam e sentem o mesmo, porque o nosso colégio há-de progredir, progredir sempre, e ainda porque todos unidos, como leais amigos e dedicados ao nosso Director e Professores, respiramos aqui um ambiente familiar que nos cativa e nos conforta, e recebemos ensinamentos e carinhos que jamais olvidaremos por entre os espinhos da vida...”

E a cordial familiaridade continua vinte e cinco anos depois. No dia 12 de Janeiro de 1961, por ocasião das Bodas de Prata do Colégio, são novamente os antigos alunos quem explica a razão de ser de tão próxima relação: “Como não podia deixar de ser, neste dia reuniram-se aqui todos os antigos alunos em franca confraternização. Todos vieram para ver o que há tanto tempo haviam deixado, todos vieram para se sentar nas mesmas carteiras que usaram e que actualmente são as dos seus filhos, todos vieram para ouvir os seus antigos professores, todos vieram para deixar numa aula ou num pátio, no ombro de um antigo mestre ou na face dum antigo colega, uma lágrima amiga, essencialmente franca e significativa”.

segunda-feira

Roteiros Turísticos do Património Mundial




O Turismo de Portugal, em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o IGESPAR, apresentou recentemente os cinco volumes dos “Roteiros Turísticos do Património Mundial”.

A iniciativa, que se centra na necessidade de promover conveniente a zona centro de Portugal, local onde a riqueza patrimonial se traduz na existência de três monumentos classificados pela UNESCO como Património Mundial – Alcobaça, Batalha e Tomar -, aborda algumas das mais interessantes, emblemáticas e atractivas temáticas de Portugal. O Tesouro dos Templários, com uma visão abrangente e esclarecedora sobre o importante papel que a Ordem do Templo teve na formação da Nacionalidade; os Caminhos da Fé, num périplo que nos leva através das crenças mais arreigadas da Portugalidade; os Quatro Elementos, com uma passagem muito interessante sobre as riquezas naturais desta região; e a Demanda do Graal, remetendo os leitores para os mais profundos arquétipos que deram forma à cultura Portuguesa actual; são os quatro motes que exploram de forma muito alternativa os três importantes monumentos Mundiais.

A qualidade do produto final, bem como de todos os conteúdos agora trazidos a público, vem colmatar uma necessidade efectiva que Portugal sente desde há muito tempo. Utilizando como atractivo o turismo cultural, sinónimo de exigência na sua formulação prática, o Turismo de Portugal está a rentabilizar o que de melhor existe no País, ao mesmo tempo que cria as condições necessárias para que os operadores turísticos possam promover lá fora aquilo que de único e excepcional o nosso País possui.

Com a edição destes Roteiros Turísticos do Património Mundial, deixam de existir desculpas para a falta de uma promoção que, de uma vez por todas, coloque Portugal como destino de excepção numa Europa cada vez mais marcada pela linearidade e pela pouca competitividade parente destinos turísticos exóticos que vão surgindo pelo Mundo.

Mais informação poderão ser obtidas através do website www.descubraportugal.pt.

sexta-feira

José Dias Valente: Quando Educar Ainda era Uma Vocação





Nascido em Lisboa, no dia 11 de Fevereiro de 1902, o Dr. José Dias Valente foi, sem sombra de dúvidas, uma das mais importantes personalidades da História da Pedagogia Portuguesa do Século XX.

Licenciado em letras pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e proprietário, fundador e principal impulsionador do Colégio de João de Deus, no Monte Estoril, o Dr. José Dias Valente teve um percurso académico e profissional marcado pelas vicissitudes próprias de alguém que se encontrava muito para além das capacidades próprias do seu tempo.

Em 1985, quando decorria mais uma cerimónia de comemoração do aniversário da fundação do colégio, o médico de sempre, o Dr. Mário Quina, que já havia transitado de iguais funções no antigo Bairro Escolar, menciona com emoção os primórdios da constituição daquela importante instituição monte estorilense: “É claro que me lembro com muita saudade dos professores fundadores, do Dr. Aníbal Henriques, do Dr. Freitas e Silva, do Dr. Álvaro Themudo e de outros, mas, se me permite, eu daria uma vez mais prioridade à pessoa do próprio Dr. Dias Valente. Ele era o pivot à volta do qual tudo girava. E à sua forte personalidade, a que já me referi amiúde, que se deve a magnitude da obra que realizou”.

Detentor de uma inteligência invejável, por todos considerado intelectualmente superior e moralmente sobredotado, o Dr. José Dias Valente demonstrou permanentemente ao longo da sua vida que os valores que o enformavam se sobrepunham a todas e quaisquer outras necessidades.

Em certa altura, logo no início da sua carreira académica, quando era ainda um mero principiante no curso de letras da Universidade Clássica de Lisboa, foi-lhe marcado um teste escrito logo para a manhã. No decorrer da prova, e perante a estupefacção dos seus colegas, o professor reparou que ele não estava a escrever, questionando-o sobre o que se passava. A resposta, imediata e fulgurante, não se fez esperar: “ainda não estou preparado”. O mestre, como é evidente, não gostou do que ouviu e a crítica foi imediata. Enchendo-se de brios, Dias Valente responde-lhe simplesmente: “Para aprender a sua matéria chegam-me 24 horas”. “Então” – disse-lhe o professor – “venha amanhã a exame”. Como era seu hábito, passou a noite a estudar e, no dia seguinte fez uma excelente prova, cujo mérito foi publicamente reconhecido.

Ao acabar o curso, e por discordar do sistema vigente, pretendeu defender uma tese sob o tema “A Escola Normal Superior Deve Ser Encerrada Por Imoral”. Como é fácil de perceber, a tese nem sequer foi aceite, facto que se traduziu numa espera de mais dois anos pela licenciatura, até que, de facto, a Escola Normal Superior fosse encerrada.

No Colégio de João de Deus, no Monte Estoril, o Dr. José Dias Valente desempenhou um papel fundamental. Para além de ter sido proprietário daquele estabelecimento de ensino, foi também seu director e principal doutrinador pedagógico.

Ciente da importância desses cargos, e das enormes responsabilidades a eles inerentes, o Dr. José Dias Valente acompanhou de perto todos os actos, decisões e problemas do seu colégio.

Lembrado por muitos como figura severa e exigente, é também considerado pelos mesmos um educador afável, sensível e inteligente, que conhecia os meandros da aprendizagem e da educação, e que sabia como enquadrá-los num modelo pedagógico que, de forma coerente, permitisse ensinar, educar e desenvolver os indivíduos, ao mesmo tempo que lhes facultava as ferramentas necessárias à consolidação das suas capacidades e interesses.

O Dr. José Dias Valente, professor e educador, foi sobretudo um pedagogo que defendia ideias e princípios considerados revolucionários no seu tempo. As teorias da não-directividade, desenvolvidas nos finais da década de 60 do Século XX um pouco por toda a Europa, foram para esta grande figura da pedagogia monte estorilense factos e princípios que orientaram toda a prática educativa do Colégio de João de Deus.

Considerando o indivíduo como um ser autónomo, dotado de vontade, interesse e capacidades próprias, o Dr. José Dias Valente entendia que o acto de ensinar devia ser acompanhado pela acção formativa. Ou seja, defendia que a abertura latente no processo de educação, abrangendo a escola, a família e a própria comunidade onde o indivíduo estava inserido, se caracterizava sobretudo pelo seu cunho pessoal, dependendo de cada sujeito, de cada educando e de cada educador. Para ele, cada estudante, cada aluno, cada professor e cada funcionário do seu Colégio representavam um pequeno mundo. Era necessário compreender individualmente cada um deles, integrando-o nas características gerais do grupo que procurava formar, para poder desenvolver de forma coerente o modelo pedagógico e educativo que defendia.

Foi, por tudo isso, um espírito crítico relativamente às correntes ao seu tempo, mal compreendido e, sobretudo, subaproveitado. A sua obra, no entanto, perdura no tempo e no espaço, tendo afectado positivamente milhares de jovens que passaram pelo Colégio de João de Deus, e por consequência as suas famílias através de várias gerações.

Homenageado recentemente através da toponímia do Monte Estoril, que perpectuou o seu nome num arruamento situado junto ao Jardim dos Passarinhos e muito próximo do seu Colégio de João de Deus, o Dr. José Dias Valente faleceu na sua residência, junto ao Largo Ostende, no dia 12 de Março de 1977.

quinta-feira

Fausto de Figueiredo: Quando o Estoril Deixou de Ser um Mero Lugar...





Apaixonado por Cascais e pelo Monte Estoril, onde passou a residir em Maio de 1910, Fausto Cardoso de Figueiredo é uma figura incontornável na história do urbanismo português.

Nascido em Celorico da Beira, Distrito da Guarda, em 17 de Setembro de 1880, Fausto de Figueiredo era Licenciado em Farmácia e foi, desde muito jovem, um dos mais promissores da Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro.

Radicado no Estoril desde os seus trinta anos, quando casou com Clotilde Ferreira do Amaral, mostrou apetência para os negócios desde a mais tenra idade, assumindo-se muito sensível aos inúmeros problemas económicos e financeiros que afectaram Portugal e o seu tecido empresarial no período final do regime monárquico e no decorrer da 1ª república.

Clarividente e empreendedor, foi capaz de contrariar as vicissitudes conjunturais de um País que se encontrava à beira da falência, totalmente dependente de capitais externos e da iniciativa estrangeira, e de imaginar, projectar e construir aquele que é, segundo Maria da Graça Gonzalez Briz, é um dos únicos conjuntos urbanísticos globais de Portugal.

Iniciando o processo de construção do então denominado ‘Parque do Estoril’ pela aquisição dos terrenos inseridos na antiga Quinta do Viana, onde existia somente um conjunto de construções precárias que davam apoio às actividades do recinto termal, e os restos degradados do Convento Franciscano de Santo António, Fausto de Figueiredo depressa percebeu que a única forma de enfrentar a concorrência oferecida pela Vila de Cascais, marcada por vários anos de presença da Corte; pelo aristocrático Monte Estoril, possuidor de uma fama de qualidade que ultrapassava as fronteiras Nacionais; e por São João do Estoril, povoado de raiz burguesa, institucionalizado a partir da exploração dos Banhos da Poça e da iniciativa de algumas das mais importantes figuras da finança portuguesa; era fazer do Estoril um espaço com uma identidade própria que promovesse uma forma renovada de cidadania.
Os esboços iniciais do Arquitecto Francês Martinet, que se orientavam precisamente pelo carácter global de toda a urbanização, pressupunham a recriação na velha Quinta do Viana de um espaço homogéneo bem definido, no qual as diversas actividades, como a habitação, o comércio e o lazer, se interpenetravam, numa dinâmica consolidada a partir das características arquitectónicas e urbanísticas dos edifícios e dos espaços.

Os equilíbrios gerados por esta formulação urbana, promoveriam, no entender do urbanizador, uma qualidade de vida sem igual, na qual se tornaria fácil a recriação de uma identidade que cunhasse o Estoril com a marca de qualidade pela qual todos ansiavam.

Este tipo de experiências de urbanização global com planeamento prévio, necessariamente contrárias àquilo que eram (e continuam a ser) os hábitos de construção em Portugal, já haviam sido tentadas com sucesso noutras partes da Europa. Em Portugal, exemplos como o da baixa pombalina de Lisboa ou o da criação do Monte Estoril, este último inacabado devido às dificuldades económicas da ‘Companhia Mont’Estoril’, mostravam que era possível e consequente a concretização destes projectos, bastando, para tal, que existissem os capitais necessários e o apoio político formal das instituições oficiais.

E foi precisamente isso que aconteceu. Como resultado da capacidade pessoal e do empenhamento de Fausto de Figueiredo e do seu sócio Augusto Carreira de Sousa, a ‘Sociedade Estoril-Plage’ conseguiu cativar o interesse dos grandes capitalistas lisboetas, que escolheram o Estoril para construir as suas novas habitações. Por outro lado, e mercê da influência cénica marcada pela construção daqueles que haveriam de transformar-se nos principais elementos aglutinadores da nova localidade, como o edifício das termas, os hotéis Inglaterra, Paris e Palácio, e o grande casino internacional, as novas edificações enquadram-se quase todas no estereótipo criado em torno dos valores da tradicional “Casa Portuguesa” e das inúmeras variações de cariz modernista que caracterizaram a época.
Em termos políticos assumiu papel de especial relevo, na década de 30, o surgimento do Estado Novo. Fundamentado numa propaganda que dependia de uma recriação quase artificial de uma nova forma de ser e de estar em Portugal, não só como incentivo à promoção turística no estrangeiro, como também à consolidação dos novos valores Nacionais, o Governo utilizou profusamente o Estoril como cenário privilegiado para os seus eventos.

A fama e o prestígio do Estoril, marcados pela qualidade do seu projecto urbano, pela dinâmica social e cultural que se enquadrava nos espaços existentes, e pela fulgurante propaganda estatal, depressa se institucionalizaram, facilitando assim o processo de venda de lotes e de edificação de novas construções.

O Parque do Estoril, centrado na grande praça que resulta da construção das arcadas – edifícios de utilização mista de comércio e habitação -, no seu vasto e amplo jardim, no imponente casino, e na praia, possui todas as condições que garantem aos novos habitantes a possibilidade de se integrarem socialmente. Os eventos estorilenses, dos quais se destacam a grande Feira de Amostras da Indústria, em 1929; o II Circuito de Portugal em Automóvel, em 1933; os entrudos e as lendárias passagens de ano; vão-se complementar com a electrificação da linha de caminho-de-ferro, com a criação dos Bombeiros dos Estoris, com a inauguração da Estrada Marginal, com a recuperação da Igreja de Santo António, com a inauguração do Hotel Palácio e do Casino Estoril, etc.

A excelência do espaço, aliada a uma formulação urbanística de grande qualidade, a um enquadramento arquitectónico baseado em linhas mestras comuns, e a uma promoção sem igual no panorama Nacional, transformam o Estoril naquilo que ainda hoje consegue ser: um local equilibrado, agradável, e socialmente saudável, onde a habitação, o comércio, os serviços e o lazer coexistem pacificamente, com evidentes benefícios recíprocos e uma qualidade de vida incomparavelmente maior do que aquela que caracteriza outras zonas do Concelho de Cascais.

Como é evidente, esta situação acaba por ter consequências efectivas no quotidiano de todos quantos vivem, trabalham ou passeiam no Estoril. A qualidade da envolvência, e o grande cuidado dispensado ao espaço urbano, dignifica as zonas públicas, valorizando o património privado e transformando-se numa mais valia para o local. Os hábitos, os usos, os costumes, e o dia-a-dia do estorilenses vão-se adaptando às suas condições de vida, facto que, por sua vez, influi na educação, no civismo e na cultura dos habitantes.

A qualidade do Estoril, alicerçada no projecto urbano de Martinet e na cenografia da localidade, é hoje resultante de uma panóplia que agrega também o apoio político do Estado e da Autarquia; a vontade e a educação dos seus habitantes; a capacidade e o espírito empreendedor dos seus comerciantes e empresários; a visão dos promotores que ali existem; e o civismo daqueles que visitam o local.
Tudo isto, como é evidente, é resultado do planeamento global prévio levado a cabo por Fausto de Figueiredo, da sua capacidade de ultrapassar as vicissitudes do sistema e do enquadramento geral que ele conseguiu imprimir a todos aqueles que ali construíram as suas habitações.

Cem anos depois, e ainda mantendo bem vivo o seu espírito original, apesar de algumas desvirtuações pontuais que resultaram de incapacidades políticas conjunturais, o Estoril assume-se como exemplo de sucesso que demonstra que é possível recriar espaços de enorme qualidade nos quais o comércio, a habitação e os serviços se equilibram promovendo uma vivência socialmente saudável, com excelentes parâmetros de segurança e de bem estar.

O impulso dado por Fausto Cardoso de Figueiredo ao turismo, baseado não só na criação de raiz daquela que vai ser a primeira grande urbanização totalmente pré-planeada em Portugal, como também nas inúmeras intervenções pontuais que desenvolveu enquanto político, fazem dele uma personalidade incontornável na história deste sector.

Faleceu na sua residência, no Estoril, no dia 05 de Abril de 1950.

quarta-feira

Pedro Silva: Uma Nova Cara para a Velha Vila de Cascais





Doze anos depois de ali ter entrado pela última vez, ainda nos tempos da saudosa Presidente Eglantina Ventinhas, estive novamente na sede da Junta de Freguesia de Cascais para efectuar uma visita muito especial.

O convite, formulado de forma inesperada pelo Presidente Pedro Silva, era extensível a um passeio por tudo aquilo que foram os últimos oito anos daquele importante órgão autárquico.

Recordo-me bem, até porque participei directamente em alguns desses projectos, do carácter dinâmico e inovador do mandato autárquico da antiga professora e de ter pensado, na última vez que ali estive com ela, como deveria ser difícil conseguir inovar e até manter e consolidar, um projecto como aquele que, em laivos de grande motivação e muito empenhamento, havia alterado por completo a face de Cascais.

Agora, depois de um novo périplo pela freguesia acompanhado pelo actual presidente, é visível o esforço feito para manter, melhorar e incrementar ainda mais os projectos mais emblemáticos da Presidente Eglantina. Este facto, pouco comum em democracia, merece especial atenção porque, para além disso, Pedro Silva conseguiu desenvolver novas ideias, novos projectos e uma dinâmica muito própria ao seu trabalho.

Dos espaços verdes ao ambiente, com passagem eficaz pelo apoio social, pelo acompanhamento geriátrico, pela infância e pela toponímia que reforça os laços com a população local, muitas foram as áreas onde Pedro Silva conseguiu cumprir de forma extraorrinária os principais objectivos do seu mandato.

Doze anos depois, Cascais conseguiu atingir uma dupla vitória: consolidar o que de bom tinha sido feito, com um projecto fantástico que lhe trouxe nova alma e um espírito actualizado.

É com expectativa que, depois de tudo isto, esperamos para ver o que o futuro nos reserva!