sexta-feira

A Rainha Dona Maria Pia em Cascais no dia 5 de Outubro de 1863


por João Aníbal Henriques

O dia 5 de Outubro de 1863 foi de festa em Cascais. Com pompa e circunstância, a baía encheu-se de salvas e vivas para receber a Princesa Dona Maria Pia de Sabóia que chegava nesse dia a Portugal para casar com o Rei Dom Luís I.

A vila, engalanada com as cores da Casa de Bragança, foi assim a primeira terra de Portugal a conhecer a futura rainha, mal sabendo ainda o quão importante ela haveria de ser para afirmar Cascais como a “Vila da Corte”, transformando-a com o seu requinte italiano no mais charmoso de todos os destinos em Portugal.

Em 1863 a então Princesa de Sabóia, com a frescura dos seus 15 anos de idade, chegou a bordo da corveta portuguesa Bartolomeu Dias, comandada por Francisco Soares Franco,  e transmitia a todos os que a rodearam o sentimento de esperança que trazia para o seu casamento real.




Mal sabia que, depois de uma vida de enganos e desenganos com o monarca seu marido, haveria de assistir à terrível morte de um filho e de um neto, sendo ela própria expulsa de Portugal.

Para além deste imenso desgosto, do qual nunca mais recuperou,  a Rainha Dona Maria Pia sofreu em Cascais um dos mais tenebrosos momentos da sua vida. Apesar das crises imensas que afectavam o casamento real, a rainha acompanhou o rei a Cascais quando este, já doente terminal, decidiu que queria morrer a olhar para as muito amadas águas da nossa baía. E não descansou quando, hora após hora, cuidou do seu marido ao longo da longa agonia que este haveria de sofrer na Cidadela Real.

O desgosto e o sofrimento foram tão grandes que depois da morte do rei decidiu que não queria voltar a entrar no Paço de Cascais. Esse espaço que se lhe tinha tornado maldito foi substituído pelo Chalet que havia adquirido no Monte Estoril e que partir desse momento passará a ser o sítio privilegiado para a reunião com os seus familiares e amigos numa espécie de corte secundária sempre que vinha a Cascais acompanhar a Família Real.



Quando morreu exilada em Itália, Dona Maria Pia pediu para ser sepultada com o rosto virado na direcção de Portugal, o país que apesar de tanto mal lhe ter infligido, era efectivamente a sua casa à qual devotadamente entregava o coração e a alma num gesto de amor que nunca foi reconhecido devidamente em Portugal.

Portugal deve muito a esta rainha e Cascais deve quase tudo o que fez deste lugar um sítio tão especial!

segunda-feira

José Dias Valente e Helena Quina: uma Homenagem ao Futuro do Monte Estoril



por João Aníbal Henriques

Cruzaram-se os tempos na homenagem sentida que a Junta de Freguesia de Cascais-Estoril e a Câmara Municipal de Cascais fizeram ao Professor e Pedagogo José Dias Valente e à Pintora Maria Helena Quina em conjunto com a Associação dos Antigos Alunos do Colégio João de Deus.

O mote, sublinhado pelo Vice-Presidente da CMC, Nuno Piteira Lopes, no discurso que acompanhou o descerramento do retrato inaugurado na galeria de notáveis da freguesia, foi colocado nos tempos que hão-de vir, numa alusão apelo directo à importância que o exemplo de excelência dos que nos precederam neste espaço tem para a formação do nosso futuro comunitário.



O trabalho extraordinário de José Dias Valente na liderança do Colégio João de Deus, marcando sucessivas gerações e oferecendo a Portugal a oportunidade de singrar no futuro recuperando os principais valores da nossa identidade, foi perpectuado pelo traço e a sensibilidade de Maria Helena Quina, e será a partir de agora um marco identitário que ajudará reforçar a importância do seu legado para a formação educativa do Cascais que ainda queremos ter.  

É unânime junto dos antigos alunos a influência que o “Patrão”, como chamavam ao Director Dias Valente, teve nas suas vidas. E é comummente aceite por todos que a passagem pelo Colégio João de Deus marcou toda a comunidade educativa com um traço distintivo que se reconhece facilmente. O respeito e a responsabilidade que José Dias Valente cultivava junto dos seus, e que plasmava na prática pedagógica do seu João de Deus, acompanhava-se sempre de um apelo retumbante à criatividade, à resiliência, e à diferença que todos sabiam que era característica de todos aqueles que por ali passavam.

Nunca houve resignação no Colégio João de Deus. A comunidade educativa, seguindo o exemplo do seu carismático director, sempre se focou nas potencialidades dos seus alunos, reforçando as suas qualidades e utilizando-as como ferramentas para contornar os seus defeitos… fazendo, desta forma, gente forte, com o ímpeto da irreverência que marcou em definitivo as suas vidas e as daqueles que com eles se cruzaram nos caminhos sempre tortuosos das vidas de toda a gente.



Com esta homenagem, assume-se publicamente que o futuro desta terra terá de se formatar neste seu exemplo, recriando uma dinâmica comunitária onde todos e cada um são essenciais na definição de um futuro congruente.

As flores deixadas junto da sepultura de José Dias Valente simbolizam essa eternidade maior que acompanhou a sua vida, estabelecendo uma ponte entre o seu tempo e o futuro maior que acompanhará a próxima geração de Cascalenses.

Porque uma comunidade sã e responsável vive intensamente as suas origens e os seus alicerces. E a memória de José Dias Valente e Helena Quina é uma efectiva ponte pênsil que a singela homenagem da passada Sexta-feira veio estabelecer como compromisso de excelência para os nossos filhos e netos.






quinta-feira

A Educação de Cascais


por João Aníbal Henriques

A educação é um pilar essencial para a democracia. E são as escolas, pólos dinamizadores de projectos educativos diferenciados, que determinam a excelência de uma terra e o potencial das suas gentes!

Em 1870, quando o Rei Dom Luís escolheu Cascais para seu destino de veraneio, já existiam em Cascais dez escolas. Duas pertenciam ao Estado e as restantes 8 resultavam de iniciativa particular. Cinco estavam na freguesia de Cascais, três na de Alcabideche e duas em São Domingos de Rana.

E foi esse potencial crítico que nasceu destes projectos educativos que garantiu a Cascais o registo de enorme dinamismo que permitiu transformar a nossa terra neste cadinho extraordinário onde hoje temos a sorte de poder estar!

Ficam as memórias da escola-monumento Dom Luís I, situada na Avenida Vasco da Gama, junto à Parada, em Cascais, onde o nome do monarca perpectua esta capacidade de entender que é na aposta educativa às futuras gerações que se constrói o futuro de excelência que todos desejamos para Cascais.

quarta-feira

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação em Oeiras



por João Aníbal Henriques

Apesar de serem indecifráveis as origens da actual Igreja Matriz de Oeiras, é certo que precedem em muitos séculos o ano de 1744, quando o actual edifício foi concluído e consagrado.

A invocação de Nossa Senhora da Purificação, num apelo assumido às origens judaicas da Fé Cristã, remete-nos directamente para a vertente crística da Vida Sagrada de Jesus. Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, numa dualidade que represente o carácter completo da sua criação, Jesus apresenta-se entre os homens como fazendo integralmente parte deles, partilhando os seus anseios e dúvidas e, sobretudo, sofrendo as dores próprias da materialidade terrena.

Passados os vinte dias depois do parto, necessários para que Nossa Senhora se purificasse de acordo com as Leis de Moisés, ficam os progenitores terrenos obrigados a apresentar a criança no templo, de forma a assegurar a sua entrega total a Deus e o cumprimento da vontade determinada para aqueles que fazem parte do povo escolhido.

Na sua limpeza da materialidade, Nossa Senhora assume a sua pureza original, vincando o carácter também bicéfalo da sua existência, e marcando o fim do período em que no seu útero foi gerado e consubstanciado aquele que transporta consigo a centelha divina do Pai.

É, por isso, de extraordinária importância a consagração de Oeiras à Virgem da Purificação, significando simbolicamente que a dualidade crística de Deus se consubstancia em cada acto e em cada momento da existência desta comunidade cristã que reside devocionalmente nos subúrbios de Lisboa.



O trabalho do dia-a-dia, em Oeiras arreigadamente ligado à terra e à sua fertilidade, depende directamente dos ciclos da natureza e da bondade que a mesma dedica a quem delas depende por estes lados. Os oeirenses, conscientes desta sua dependência ancestral (e natural) invocam assim a purificação de Nossa Senhora como caminho que lhes permite o desenvolvimento da sua Fé como garante da sua subsistência terrena no devir diário da comunidade.

A totalidade, num espaço e junto das gentes que o vivem quotidianamente, faz-se assim dos ardores do dia-a-dia mas, por intercessão divina, goza igualmente da protecção purificadora de Maria, a Virgem-Mãe que protege os seus filhos com a luz imaterial e que se sustenta pela Fé ardente. Nesta dedicação consagrada a Deus, sabendo de antemão que cada gesto e cada pensamento se complementam para garantir a plenitude de uma vida sã que abra portas para o Céu, vive-se sempre com a Alma repleta de esperança, concretizada no coração do centro histórico da vila de Oeiras neste monumento extraordinário que ainda hoje cumpre a sua orientação primordial.



Perdidas no tempo as origens do edifício que hoje ali podemos observar, é certo que em plena Idade Média, durante o reinado de Dom Dinis, já existia naquele sítio um edifício sagrado. Em 1258, a Paróquia de Oeiras surge ligada à Colegiada de São Lourenço de Lisboa, preservando sempre a invocação sagrada a Nossa Senhora da Purificação. Tendo sofrido obras de com solidação e recuperação diversas ao longo dos séculos, bem documentadas nos anais da História de Portugal, a Igreja Matriz de Oeiras era no início do Século XVIII demasiado insignificante perante o crescimento exponencial da sua comunidade e, consequentemente, perante os desejos legítimos de afirmação e de grandeza das gentes que o frequentavam. O edifício do antigo templo é então demolido e iniciam-se em 1702 as obras de construção da Igreja Matriz que hoje ali encontramos.

Com projecto de João Antunes, que cumulativamente ficou encarregue de transportar para a nova igreja os elementos diferenciadores da Fé vivida intensamente pelos oeirenses de então, as obras de construção avançam sob a tutela de Duarte de Castro dos Rios, transferindo-se a paróquia provisoriamente para a Capela de Santo Amaro.

De acordo com a informação expressa no website da Câmara Municipal de Oeiras (em www.oeiras.pt), que reforça o interesse deste monumento para a compreensão daquilo que representa o município no contexto metropolitano de Lisboa, “o interior da Igreja Matriz de Oeiras possui alguns elementos que se destacam pela sua grande beleza. É o caso da pia batismal, obra do mestre Matias Duarte, com o pé de pedra bastarda e o corpo de pedra lioz. O lavatório da sacristia é outro dos elementos a destacar. Obra do mestre anterior, apresenta uma conjugação muito feliz de pedra lioz (branca) e de pedra vermelha (mármore avermelhado), tratando-se de um conjunto de rara perfeição e beleza, salientando-se também os púlpitos, de perfeição e rendilhados impressionantes. Convém também dar uma especial atenção às pinturas que ornamentam a igreja matriz. No altar-mor existem quatro grandes pinturas realizadas por Miguel António do Amaral. Uma delas representa a última ceia; outra, uma cena da Vida de Jesus e outra representa Madalena”.



A alusão à invocação original, num pleno de significação que nos permite perceber a continuidade simbólica que continua a unir a Fé dos oeirenses, reforça o interesse de uma visita ao local, sendo certo que ali podemos observar com atenção os elementos que demonstram comprovadamente que Oeiras é ainda hoje um dos municípios com uma Identidade Local mais marcada, explicando provavelmente a forma muito sentida a motivada que desde sempre caracteriza a robustez da consciência cívica daqueles que habitam este recanto tão especial.

Visitar a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação, em Oeiras, é viajar directamente ao âmago da Alma e do pensamento da comunidade oeirense, num acto pleno de deslumbramento que não deixa indiferente quem o faça com esta abordagem fundamentada relativamente à mensagem simbólica que aquelas pedras nos transmitem desde tempos imemoriais.


segunda-feira

A Escravatura em Cascais


por João Aníbal Henriques

Por incrível que pareça, em 1514, quando Dom Manuel I renovou o antigo Foral de Cascais, a escravatura era um exercício comercial comum na nossa vila. 

De facto, numa das posturas desse documento diz-se taxativamente que quem vendesse um escravo ou uma escrava em Cascais teria de pagar um imposto de 13 Reais e meio! E que as escravas que fossem mães de crianças que ainda mamassem não veriam agravadas as suas taxas por esse efeito.

Uma realidade cruel que caracterizou a nossa terra e o resto do mundo mas que felizmente já está muito distante! Pelo menos por cá e por enquanto…