por João Aníbal Henriques
A denominada “Figura de
Braunius”, desenhada por Georg Braun (1541-1622) no Século XVI é considerada a
mais antiga representação que se conhece da Costa de Lisboa, com especial enfoque
em Cascais e no seu porto de mar.
O detalhe com que foi preparada e
o cuidado colocado na representação dos principais pontos estratégicos da
localidade, prende-se com a sua origem militar. O desenhador, ao preparar esta
obra, pretendia traçar com rigor e exactidão o perfil da Costa de Cascais de
forma a poder fornecer, em caso de intervenção militar, uma planta que
facilitasse o controle dos principais pontos estratégicos desta costa que tinha
funções extraordinariamente importantes na defesa de Lisboa contra eventuais
ataques por via marítima.
Mas existe um detalhe que não
passa despercebido a quem olhar com atenção para esta obra. Na representação da
Baía de Cascais falta a indicação da Ribeira das Vinhas!
Não sendo crível que Georg Braun,
meticuloso no seu trabalho, se esquecesse de um elemento tão importante na
linha de costa de Cascais, haveria certamente uma razão que explicasse esta
omissão de um elemento tão importante para a caracterização do porto de
Cascais.
E a resposta, que nos chegou em
finais dos anos 80 do século passado no âmbito de uma conferência proferida
pelo saudoso Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles e pelo Cascalense Arquitecto
Coimbra Neves, é simples e inesperada para a maioria dos Cascalenses: a foz da
Ribeira das Vinhas, ao contrário do que hoje acontece, teria a forma de um
delta, com vários braços que desaguavam em vários pontos do mar… Não existiria
nessa época, portanto, um único canal de saída da ribeira, sendo que a foz se
multiplicava em várias saídas que acabavam por não ter a relevância que a foz
única que surgiria mais tarde acabou por ter no desenho da Costa de Cascais.
Esta explicação, que ambos os
arquitectos defendiam com base na análise da topografia da vila e nas
evidências arqueológicas surgidas depois das grandes inundações de Novembro de
1983, foi mais tarde confirmada pelos investigadores Guilherme Cardoso e Marco
de Oliveira Borges, que assim explicam a omissão da ribeira na Figura de
Braunius e a hidrografia da Vila de Cascais.
Explica igualmente a estranha
opção dos antigos construtores do edificado cascalense de projectarem as suas
construções sobre pilares e não, como era usual nessa época, com alicerces
sólidos implantados no areal.
Esta forma construtiva, bem
visível nas fotografias históricas da vila de Cascais, servia sobretudo para
permitir o natural escoamento das águas da ribeira por debaixo dos edifícios,
facilitando assim o normal fluxo das águas subterrâneas no subsolo e a sua
saída para o mar.
A conferência dos arquitectos
atrás mencionados vinha, aliás, associada a um alerta às entidades públicas que
governavam Cascais no final do século passado: o cuidado que eles consideravam
que se deveria ter perante uma qualquer intervenção ou construção a realizar no
terreno situado a Norte do Hotel Baía, utilizado nessa altura como um mero
estacionamento à superfície, de forma a preservar esse escoamento natural das
águas do Delta da Ribeira das Vinhas, evitando assim a sua concentração no
subsolo da zona histórica de Cascais com consequência que poderiam ser
dramáticas na sustentabilidade dos edifícios existentes a montante desse local.
Com as obras efectuadas mais
tarde no antigo estacionamento e com a construção da garagem subterrânea do
Hotel Baía, criou-se, de facto, uma barreira que cortou o normal fluxo das
águas. E agora, tal como referiam os dois arquitectos, sempre que chove com
alguma quantidade e o leito da Ribeira das Vinhas se enche de água, o Largo
Camões e as cercanias ficam imediatamente inundados…
Porque a História nos fornece
sempre informações importantes sobre o passado, com o objectivo primordial de
nos ajudar a definir um presente adequado e a preparar um futuro viável.