por João Aníbal Henriques
Seguindo os princípios que nortearam a vida de São
Francisco de Assis, que em 1209 fundou a Ordem Mendicante, a Regra definitiva
dos Franciscanos foi aprovada pelo Papa Honório III, em 1223.
No Estoril, foi no ano de 1527 que se procedeu à
instalação de um Convento Franciscano de características sui-generis, pela sua proximidade ao mar e pelo Santo de Devoção –
Santo António do Estoril.
O espaço em questão, mesclado de um intenso sabor a
mar, pouco conhecido da generalidade dos espaços da Ordem, é também
condicionado por uma forte presença da Serra de Sintra, marcando assim o desenvolvimento
de um enorme potencial de aprofundamento religioso que os frades que ali se
instalavam vão aproveitar de uma forma bastante profícua.
Pertença do Dr. Luís da Maia, clérigo do hábito de
São Pedro, o terreno onde veio a instalar-se o convento, possuía já uma pequena
capela dedicada a São Roque, mandada construir alguns anos antes, em data não
determinada, por Leonor Fernandes, moradora no Casal do Estoril. O momento em
que o ilustre prelado oferece o terreno à Ordem, que o recebe pela mãos de Rodrigo
de Sant’Iago, é precisamente aquele que marca o início do processo de
construção do idílio conventual, para o qual se utilizaram, trazidas do
derruído Convento de Enxombregas, as pedras que vieram a consolidar as suas
paredes. A direcção das obras assumidas por Rodrigo de Sant’Iago foi de tal
modo perene, que depressa se concluiu a construção do novo templo que, composto
por uma única nave, possuía no entanto três altares, onde se prestava culto à
imagem de Nossa Senhora da Boa Nova, a São Domingos e a São Francisco. Segundo
a ‘Crónica Seráfica da Santa Província
dos Algarves’, na qual se descrevem os edifícios da Ordem de São Francisco,
existiria ainda uma imagem de Santo António ao lado da epístola, no altar-mor,
que possivelmente seria datável de um momento anterior à construção do
edifício.
Ao que parece, o grande êxito que veio a enformar a
existência do convento, e que lhe granjeou uma fama que trouxe a estas paragens
uma série de importantes vultos da vida Nacional, ficou a dever-se à imagem da
Santa Padroeira, a Senhora da Boa Nova, com os seus três palmos de altos, e com
feições consideradas «gráceis e perfeitinhas». Joana Manuel, a quem havia sido
instituído o Morgado do Estoril, Manuel Jorge, síndico do convento, Álvaro
Martins, marinheiro de água doce e o Marquês de Castelo Rodrigo, apoiante
incondicional da submissão filipina, são apenas alguns dos mais evidentes apoiantes
da Causa Franciscana Estorilense, contribuindo com importâncias que, em
conjunto com a exploração agrícola que os frades foram desenvolvendo nos
terrenos que desciam até à praia, garantiam a possibilidade de se irem
promovendo as obras de remodelação e de manutenção que permitiram ao convento
subsistir e até desenvolver-se à medida em que se ia avançando para a segunda
metade do século XVIII, quando o terramoto de 1755 veio pôr em causa a sua
existência.
Os frades do Estoril, dedicados a uma vida de
interiorização na qual o trabalho árduo das muito pouco férteis terras
conventuais era, desenvolveram uma postura religiosa que em muito se afastou
daquela outra que caracterizou a Ordem Carmelita instalada no Convento de Nossa
Senhora da Piedade, em Cascais. Para estes últimos, a interacção com a
comunidade, numa dinâmica de ensino e de aprendizagem, em que tecnicamente a
sua mais-valia se ia transportando para as actividades profissionais dos
cascalenses, principalmente na pesca mas também na horticultura, as portas do
convento deviam estar abertas, recebendo no seu seio todos aqueles que dele
necessitassem para resolver os problemas do quotidiano. Os frades estorilenses,
possivelmente também como consequência da esterilidade do seu meio, onde as
comunidades humanas não se haviam instalado de uma forma sistemática, mantendo
um povoamento em pequenos casais e onde as únicas excepções são marcadas pelas
aldeias de Alapraia e, mais a nascente, Caparide, tornaram o seu espaço no
espaço eminentemente dedicado à interiorização, mantendo relações muito pouco
próximas com a comunidade e alicerçando a sua dinâmica de trabalho no princípio
da auto-subsistência que, aliás, era também consequência dos princípios
fundamentais que norteavam a sua Regra.
Destacando-se dos demais, mais pelo seu esplendor
espiritual do que propriamente pela sua maneira de funcionar em termos
comunitários, Frei António de Palmela e Frei Cristóvão da Trindade, ali
desenvolveram o seu percurso iniciático em direcção a Deus, mortificando a
carne com a pobreza extrema e fortificando o espírito em orações e jejuns
sistemáticos. A fama destes monges, de quem todos ouviam falar mais que poucos
conheciam pessoalmente, acabou por garantir-lhes a recepção de muitos bens, que
os habitantes das redondezas lhes ofertavam, com o objectivo de contribuírem
para a vida de santidade que ali promoviam. As ofertas, no entanto, eram
permanentemente redistribuídas pelos mais humildes, mantendo-se os monges de
Santo António na mais pura e humilde das existências, gozando apenas da
extraordinária vista que se alcançava das janelas do convento. Rocha Martins, o
reputado jornalista que já mencionámos, descreve de uma forma paradigmática a
envolvência do convento, a qual permite perceber quais foram as grandes
transformações que o denominado progresso acabou por trazer a este lugar: «Um
prado verdejava na vizinhança; a aragem suave coava-se pelo pinhal mas, por
vezes, a ventania vergava o frondoso arvoredo; cresciam, na encosta virada ao
mar, plantas selváticas e as águas brotavam, com a fama de milagrosas,
sobretudo na parte mais baixa da serra de Santo António, a qual tinha ao sul o fortim
de São Roque e a oeste o Casal do Estoril». Da mesma opinião, explicando ao
mesmo tempo que a situação que caracterizava o convento em muito contribuiu
para a forma como era procurado pelos mais fervorosos e dignos monges de todos
os tempos em que durou a sua existência, era Frei Jerónimo de Belém que o
visitou no início do século XVIII: «que o agradável da sua visita convidou em
outros tempos a muitos religiosos para frequentarem nele a Escola do Céu,
livres dos cuidados do Mundo que tanto embaraçavam os progressos da virtude e
atrasam os espíritos mais fervorosos».