segunda-feira

Racionamento de Luz em Cascais



Raínha Vitória Eugénia de Espanha, Czarina Joana da Bulgária, Rei Humberto II de Itália e Condes de Barcelona numa festa plena de charme e iluminação no Hotel Palácio do Estoril em 1941 (Fotografia do AHMC)

por João Aníbal Henriques

O período entre as duas guerras mundiais significou riqueza, prosperidade e notoriedade para Cascais e Estoril. O registo de paz que caracterizou Portugal, associado à sua localização estratégica enquanto ponte de acesso para a América, transformou o País e especialmente esta região no destino favorito para os refugiados que anisavam por alguma tranquilidade numa Europa completamente devastada pelas agruras dos conflitos.

Para aqui vieram, oriundos dos principais países beligerantes, os políticos, actores de cinema, pintores, poetas, escritores e  empresários que consigo trouxeram a fama que foi determinante na afirmação da excelência dos estoris enquanto destino privilegiado para quem desejava retomar os seus projectos de vida. E esta fama, assente no proveito que resultava do manancial de riqueza que transitava por estes lados, foi peça fulcral na recuperação da vocação turística de Cascais depois da paulatina degradação que a região vinha sentindo desde o fim do regime monárquico e do desaparecimento da principal aristocracia portuguesa que por aqui veraneava.

Mas nem tudo foram rosas neste período dourado. Tal como noutras partes do país e do resto da Europa, também Cascais sentiu na pela os problemas do racionamento. A escassez de alimentos e de bens condicionou de sobremaneira a qualidade de vida daqueles que por aqui viviam.

Trazemos hoje, pela mão da Comissão de Propaganda de Cascais, o problema grave que existia em Cascais em 1942 com o fornecimento de energia eléctrica. A distribuição pública deste bem essencial era escassa e o governo, ciente da necessidade de poupar recursos, resolveu impor restrições ao uso deste bem. Através da Portaria nº 10.048, reforçada pelo Despacho Ministerial de 20 de Março, foram criadas classes de consumo que implicavam disparidades entre os limites de energia que podia ser consumida e os preços por KW utilizado.

E a aplicação desta medida, num município que avidamente necessitava de manter as aparências e preservar o charme que lhe granjeava a tão necessária fama internacional, acabou por ser polémica e controversa, conforme o comprovam os ofício que aqui publicamos.

Contrastando com esta realidade, os jardins do Casino Estoril, em pleno esforço de guerra, continuavam a ostentar a sua profusa e magnífica iluminação pública. Até porque em Cascais, naquela época como actualmente, as aparências são muito mais importantes do que a efectiva realidade que vivemos.



Iluminação Pública dos Jardins do Casino Estoril em 1940



Troca de Correspondência entre a Comissão de Propaganda de Cascais e a Companhia de Gás e Electricidade em 1942


sexta-feira

O Grupo Dramático e Sportivo de Cascais e o Culto ao Espírito-Santo!



por João Aníbal Henriques

Em Maio de 1947, quando Cascais vivia na pujança singela de uma vila que havia recuperado o seu charme idílico ao receber os importantes exilados que procuraram refúgio em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, o Grupo Dramático e Sportivo de Cascais celebrava as festividades do Espírito-Santo com uma grande vitória na modalidade do Hóquei em patins.

A pedido da França e da Bélgica, que procuravam espaços para treinar as suas selecções nacionais com a segurança e o conforto que a muito abalada Europa não conseguia prestar, Cascais recebeu as principais equipas desses países que aqui vieram treinar e jogar.

O Grupo Dramático e Sportivo de Cascais, conhecido pela qualidade dos seus atletas, assumiu-se como anfitrião daquelas importantes equipas europeias e, como penhor de gratidão pela sua hospitalidade, nos dias 25 e 26 desse mês decorreram importantes jogos privados de hóquei em patins entre as ditas selecções e a equipa local de Cascais que visavam agradecer ao dramático todos os cuidados dispensados, oferecendo-lhe dois momentos de grande visibilidade que concorreriam para alicerçar a fama do já então muito relevante clube de Cascais.

Mas a surpresa instalou-se assim que a equipa local, treinada por Gomes, venceu a Bélgica por 3-1, ao que se seguiu nova vitória retumbante contra a França por 2-0…

O povo de Cascais não podia acreditar! A equipa formada por A.S. Machado, M.E.F. Jorge, F.M. Magro, V. da S. Fonseca, A.J. d’Oliveira e A.G.M. dos Reis, todos cascalenses de gema, demonstrou internacionalmente a qualidade do seu jogo e a importância do Grupo Dramático e Sportivo de Cascais na modalidade, afirmando Cascais como grande destino do hóquei em patins a nível mundial e, acima de tudo, reforçando a já muito importante vocação turística municipal.

Recebidos como heróis, os atletas foram agraciados com um jantar comemorativo na sala da velha Petisqueira, situada no final da então Calçada da Assunção, que cruzou a festa comemorativa das vitórias desportivas com o pleito de Fé e devoção pelo Santíssimo Espírito Santo de Cascais, que nesse ano partilhou as honras de Maio com os atletas do Dramático de Cascais!


terça-feira

Quando a Vila da Parede se Tornou na "Nova Olivença de Cascais"



por João Aníbal Henriques

Em 1934 a actual Vila da Parede, no Concelho de Cascais, esteve prestes a mudar de nome. Por iniciativa do Grémio Alentejano e da Comissão de Propaganda de Cascais, apoiados num artigo de jornal publicado com grande alvoroço nessa mesma data, criou-se um movimento de opinião que pretendia renomear aquele lugar com o impactante topónimo “Nova Olivença”!

Esta ideia, contextualizada numa época em que o Estado Novo se estava ainda a afirmar politicamente, procurando grandes causas que contrariassem o vazio provocado pela Primeira República, cruza-se com o desafio que Cascais igualmente atravessava de recuperar o prestígio e a importância estratégica que detinha durante os últimos anos do regime monárquico. E a denominada “Causa de Olivença”, com força e peso político de âmbito nacional, prestava-se a iniciativas ousadas…

O bastião republicano paredense, pujante durante o período que se estende desde a revolução que levou à implantação da república até à revolução nacional de 1928, havia perdido muita da sua força e a capacidade de afirmação no contexto do novo regime ia paulatinamente desaparecendo, deixando vulneráveis as posições dos mais relevantes cidadãos paredenses desses tempos.

No referido artigo publicado nesse mesmo ano, o jornal “Os Novos” advogava que a Causa de Olivença era um desígnio nacional e, como tal, Cascais, com o seu prestígio e visibilidade de nível internacional, poderia contribuir de forma decisiva para a defesa da reintegração da Cidade Alentejana de Olivença no território nacional. Para tal, bastaria alterar o nome do lugar da Parede, passando a designá-lo como “Nova Olivença”.

A causa de Olivença é uma disputa histórica entre Portugal e Espanha sobre a soberania da vila de Olivença, situada junto à fronteira luso-espanhola. Portugal perdeu o território em 1801, após a Guerra das Laranjas, pelo Tratado de Badajoz, mas nunca reconheceu plenamente essa perda, considerando o tratado nulo e invocando o Congresso de Viena (1815), que recomendava a restituição. Embora Espanha administre Olivença desde então, Portugal mantém a reivindicação diplomática, tornando a questão uma causa simbólica de afirmação histórica e territorial.

A Parede, que pouco tempo antes havia sofrido uma outra tentativa de alteração do seu topónimo, nessa altura no contexto da afirmação turística da então Costa do Sol, no âmbito da qual houve quem pretendesse designá-la como “São José do Estoril” (dando continuidade à força visual da marca ‘Estoril’ que começava no Monte Estoril e seguia por Santo António do Estoril, São João do Estoril, São Pedro do Estoril e deveria terminar na referida São José do Estoril), seria assim o fulcro da nova onda de contestação nacionalista que visava colocar a questão de Olivença no contexto da discussão política internacional, recuperando Portugal o controle político daquela localidade.



O Grémio Alentejano de Lisboa, em conjunto com a Comissão de Propaganda de Cascais, tomaram como boa esta causa e avançaram sem grande sucesso com a pressão junto do Executivo Municipal.

Não tendo despertado interesse por parte de quem governava Cascais, o projecto acabou por cair no esquecimento, mas vale a pena lembrá-lo pela importância que para a compreensão daquilo que foi o território municipal cascalense durante este período conturbado da História de Portugal.