por João Aníbal Henriques
Muito embora se possam permanentemente discutir os seus princípios e fundamentos, restam poucas dúvidas relativamente ao facto de o regime democrático em que teoricamente vivemos ser aquele que melhor garante a representatividade aos cidadãos. O rol de direitos e de deveres que enformam a cidadania, oferecendo liberdade e cerceando-a sempre que ela interfere com a liberdade alheia, cria uma teia de valores e de princípios que fundamenta a coexistência e a identidade das Nações.
O grande problema com que actualmente nos debatemos em Portugal é que, contrariamente ao que vêm dizendo a generalidade dos nossos políticos, o sistema governativo que possuímos, nos mais variados níveis, está muito longe de ser um regime verdadeiramente democrático.
Os 850 anos de História do nosso País, ao longo dos quais se sucederam governantes e regimes das mais variadas origens e orientações, são exemplo brilhante da forma como foi possível experimentar sucessivamente diferentes opções políticas, adaptando-as à realidade Nacional sem nunca desvirtuar a identidade dos portugueses. De facto, desde os primórdios da Nacionalidade até ao início do Século XX, regimes feudais, absolutistas, liberais, constitucionais e democráticos foram-se sucedendo sem que Portugal nunca tivesse chegado a ser verdadeiramente feudal, absolutista, liberal, constitucional ou democrático.
Os governantes portugueses, mais preocupados com os resultados efectivos da sua actuação, do que com as teorias políticas em voga, recriavam com base na sua experiência pessoal e nas vicissitudes do momento, formas alternativas de governação.
O advento da democracia, sub-sistema político de carácter eminentemente europeu, decalcado dos fundamentos que regiam a gestão pública na cidade clássica de Atenas, veio alterar radicalmente este pressuposto.
Os princípios doutrinários teoricamente fundamentados em experiências alheias foram instituídos em Portugal sem qualquer espécie de cuidado ou adaptação. Aos portugueses, que em 1974-75 ainda possuíam características próprias e uma identidade Nacional bem constituída, foram oferecidos direitos e garantias que nada tinham a haver com a realidade e com as necessidades locais.
Se, numa primeira fase, ao longo dos primeiros anos, a novidade determinou empenho e motivação, assistindo-se à formação de intermináveis filas de espera junto das mesas de voto, a passagem do tempo veio mostrar as falhas graves do sistema.
Hoje, quando teoricamente a entrada na Europa veio contribuir para o alicerçamento da nossa cidadania, possibilitando-nos o acesso a realidades que até há pouco tempo quase desconhecíamos, já quase ninguém vota em Portugal. Os eleitos, nas mais diversas eleições, são escolhidos por um número progressivamente menor de portugueses. Dos que se dão ao trabalho de ir às urnas – geralmente menos de 50% da totalidade da população -, somente uma pequena parte coloca o seu voto no vencedor do escrutínio.
As ilações a retirar deste fenómeno são imediatas: um sistema inadaptado à realidade Nacional; uma população que não se sente representada nem motivada perante as escolhas políticas que lhes apresentam; e uma enorme falta de preparação de eleitores e de eleitos para, com toda a consciência exercerem o seu direito de voto. A tão propalada e desejada democracia não existe em Portugal, e continuará a não existir enquanto os partidos políticos não concederem aos portugueses a possibilidade de expressarem directamente a sua opinião.
Se a nível das autarquias a situação é escabrosa, a nível Nacional o cenário não é melhor. Votações fundamentais na Assembleia da República em que os deputados (a quem nós pagamos o ordenado todos os meses) nem sequer se dão ao luxo de participar, deitando por terra a escassa legitimidade democrática que ainda possuíam e ferindo de morte a base do sistema democrático, contribuem ainda mais para o descrédito dos políticos e dos partidos que representam.
Os portugueses, verdadeiramente democratas na sua essência exigem mais e melhor: representatividade, liberdade de escolha, e capacidade de opção. Para que tal seja possível, e para que Portugal possa viver em democracia plena e efectiva, é essencial que se invertam os equilíbrios e que se coloquem os partidos onde deveriam ter estado sempre: ao serviço da população.