sexta-feira

A Paróquia de Santo António do Estoril




por João Aníbal Henriques

Quando abordamos pela primeira vez o Estoril, com um horizonte onde o mar e a Serra de Sintra se misturam criando um ambiente diferente e muito sugestivo, é natural que a imagem que dele retemos seja marcada pela imponência visual de uma paisagem verdadeiramente apelativa.

A este apelo paisagístico, sempre entendido por todos aqueles que ali habitaram ao longo do século XX como resultante das condições da natureza, vem juntar-se um património construído de inestimável valor em Portugal. As casas, as ruas, os jardins e até a própria envolvência da praia, num caso único do urbanismo português, foram projectados de raiz, funcionando como uma espécie de cenário, num teatro magnífico, que aprofunda ainda mais o deslumbramento que se sente quando ali se vai.

O grande problema que enforma uma abordagem correcta ao Estoril, prende-se assim com a grande discrepância que permanentemente se desenvolve entre os que somente o observam e aqueles que verdadeiramente o vêm, uma vez que para além da sua componente física, enquadrando a paisagem com o património construído, o Estoril possui ainda uma comunidade humana que, como é natural, se afigura como a principal responsável pelo seu devir histórico.

Por tudo isto, e iniciando agora o primeiro contacto com a povoação, analisar historicamente o Estoril é misturar a simplicidade que dele emana, com a complicação dos muitos acontecimentos que ali se sucedem, num ritmo de tal maneira alucinante que se apresenta difícil analisar.




A complicação, como nos indicam, logo à partida, todos os factores que utilizámos como base de uma investigação que procura constantemente compreender a essência da povoação, mais do que os pormenores documentais que contribuem somente para afastar dessa história, que deve traduzir os lugares e as pessoas, todas as pessoas que habitando no lugar não encontram nela nada que lhes permita desenvolverem uma identificação pessoal com o espaço e as suas gentes, reside fundamentalmente na existência de um binómio que o Estoril utiliza amiúde para traduzir a sua realidade: o interior e o litoral. Estas duas posições, vincadamente alicerçadas numa existência ambígua, em que a denominada Lei dos Contrates está sempre presente, permitem ao Estoril que todos conhecemos, turístico, cosmopolita e cenicamente quase perfeito, equilibrar posições e fundamentar a sua existência num Estoril rural ou ruralizante, de características tantas vezes consideradas toscas ou rudes, mas que fornecem a matéria-prima que permite fundamentar as bases que suportam o cenário fulgurante que se constrói junto ao mar.

O carácter trabalhoso, fruto directo da necessidade de permanentemente se destrinçar a realidade da fantasia que deriva do facto, da forma como o acontecimento que dele surgiu se viu constrangido pela necessidade efectiva de o adaptar às necessidades sociais, económicas ou políticas, acaba por transformar pequenos acontecimentos do quotidiano em grandes elementos evidenciadores das orientações e das sensibilidades daqueles que por eles foram responsáveis.




A Lei dos contrastes, ou seja, a forma implacável que a ciência exige para fundamentar a observação do Homem, surge assim, em permanência, como o ponto de observação estorilense por excelência, ou seja, o ponto a partir do qual se desenvolve verdadeiramente a possibilidade de observar todas as partes envolvidas nas questões abordadas, distinguindo assim, entre os efeitos que de uma forma permanente nos fustigam os sentidos, aqueles que verdadeiramente traduzem a essência do devir histórico estorilense.

Compreender o Estoril, nesta perspectiva, exige assim um afastamento que poderíamos apelidar de histórico, ou seja, um distanciamento cronológico em relação aos factos que garanta uma certa idoneidade na maneira de os abordar. Exige também, de acordo com o nosso ponto de vista, um completo distanciamento em termos sócio-culturais, pois o Estoril de hoje, tal como aquele que Monsenhor António José Moita conheceu quando em 1914 para aqui se dirigiu, é ainda o espaço onde se fazem sentir os mesmos constrangimentos que a tradição e o conservadorismo não permitem ultrapassar.




A grande virtude do Estoril, ou seja, a capacidade de manter incólumes os seus valores, permitiu-lhe, por um lado, uma capacidade de afirmação que o dota da excelência de que necessita para se transformar numa das mais cosmopolitas e desenvolvidas povoações de Portugal. Por outro, essa mesma capacidade, acabou por se traduzir numa espécie de travão que, em sectores chave da vivência do lugar, contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento de obstáculos que jamais vieram a ser ultrapassados.

Esta lei, que contrapõe sempre a necessidade de compreender ambas as partes, foi enunciada desde sempre como um dos princípios básicos que regem a vida do Homem; segundo alguns, é mesmo nela que reside, em última instância, o próprio cerne da existência humana, na qual o mal e o bem, por existirem ambos, dotam-se reciprocamente de uma lógica que dá sentido à própria existência. A povoação do Estoril, na mais ampla abordagem filosófica da sua existência, consegue unir as duas partes que compõem este todo, conjugando os dois contrastes que, numa primeira instância derivam da interioridade do seu litoral e da litoralidade do seu interior, produzindo inevitavelmente um terceiro estado perfeito e independente em que se confundem, e se absorvem reciprocamente, as partes piores de cada uma das suas próprias partes.

Desde sempre se sabe que o Homem, enquanto ser individual, perante o turbilhão incessante da vida, pouco vale. O seu valor, baseado na necessidade de encontrar uma identidade que lhe permita partilhar com o próximo as bases da própria existência, fundamenta-se quase em exclusivo na memória. Esta, por seu turno, está fundamentalmente sujeita aos lugares onde viveram.




Os grandes homens que viveram no Estoril, aproveitando de toda a perfeição que a povoação ainda hoje traduz, usufruíram de tudo aquilo que o Estoril lhes deu, enquanto ali viveram, para desenvolverem a sua genialidade. Aproveitar o saber, a perseverança, a capacidade empreendedora, o discernimento e o amor de todos os que viveram no Estoril, passa fundamentalmente por conhecê-lo, à sua história e às suas histórias, utilizando os ombros sempre disponíveis dos que nos precederam para subirmos mais alto, vendo de cima de tudo o que foi construído, a linha de horizonte que o mar, pela frente, e a serra, por detrás, aqui nos oferecem.