por João Aníbal Henriques
O primeiro numeramento de Cascais
data de 19 de Setembro de 1527. Sendo já posterior à época medieval, da qual
não existem registos efectivos acerca do que se passava neste concelho, vamos
tomar como base desta análise a curva demográfica de Cascais durante este
período da baixa Idade Média e a partir daí comparar teoricamente as tendências
das principais cidades Portuguesas e Europeias, assumindo, desta forma, alguma
linearidade nos comportamentos demográficos da velha vila de pescadores.
Assim, à excepção de Toulouse, a
tendência mais evidente da demografia urbana europeia é a de um aumento
sustentado do contingente populacional. Assim acontece com as principais
cidades da Europa de então, tendência que se confirma em Portugal com os dados
que temos relativos à cidades de Lisboa ou de Lagos. Da mesma forma,
encontra-se uma tendência generalizada para um período de recessão nos finais
do Século XIII e inícios dos Século XIV que, com um carácter fulgurante em
cidades como Florença, em Itália, atingiu de forma medíocre as restantes
cidades europeias com dados conhecidos. Segundo Carlo Cipolla, a crise que
afectou a Europa nessa época não passou de uma rectificação natural da
demografia urbana, respondendo de forma directa ao excesso populacional
acumulado em determinadas regiões, ainda sem o suporte essencial em termos de
salubridade e saúde pública e pouco preparadas para sustentar esse crescimento.
Por esse motivo, muitas foram as
cidades e/ou pequenos aglomerados populacionais que viram bastante reduzido o
seu contingente populacional durante este período, provocando um surto de
mortandade que acompanhou o recrudescimento de diversas epidemias e doenças.
Zonas pouco apetrechadas em
termos urbanísticos, como era o caso da Vila de Cascais durante esse período,
sofreram assim as consequências nocivas da sua impreparação, facto que conduz a
um intervalo de tempo que se caracteriza por uma imensa razia em termos do
número de habitantes, obviamente com repercussões directas a várias níveis da organização
social dessas terras. Será possivelmente esta a explicação que nos permite
perceber o reduzidíssimo número de Cascalenses que existiam nessa época e que
Oliveira Marques aponta num dos seus artigos sobre Cascais: ”É provável que em
meados de trezentos, para mais com as consequências da peste negra, o número de
habitantes da jovem vila não fosse além dos duzentos ou trezentos, se é que os
atingia sequer. E no termos correspondentemente”.
Na carta régia de 1385 de Dom
João I, o despovoamento de Cascais torna-se evidente, sentindo o monarca que
chegou à altura de incentivar o mesmo. É também nesta mesma carta que o rei
levanta o problema do Castelo de Cascais, sublinhando a sua importância na
estratégia de defesa de Lisboa. Sê-lo-á em termos meramente militares e
políticos ou também em termos económicos e estratégicos?...
No que concerne à densidade
populacional nas freguesias cascalenses, é notório e muito evidente a enorme
discrepância existente entre aos espaços rurais e urbanos. Esta dualidade surge
bem expressa nos números que traduzem, por exemplo, a realidade na Freguesia de
Cascais, que sobressai com 10,5 habitantes por km2, em contraste com os cerca
de 4,3 habitantes por km2 em espaços como Carcavelos e São Domingos de Rana. Na
primeira temos uma realidade marcantemente urbanizada, recriando-se em torno do
conjunto habitacional coeso que enche o seu espaço amuralhado, e nas segundas
surge a realidade de âmbito rural, com as explorações agrícolas e o minifúndio
a imporem a sua realidade.
Embora pouco importante para a
determinação daquilo que foi Cascais durante este período, é certo que este
quadro nos permite supor um povoamento da vila de Cascais muito anterior àquele
que supostamente surge na documentação oficial, precedendo-a e alterando os
dados efectivas recolhidos em época posterior. Fazendo o exercício de completar
os dados inexistentes de Cascais com aqueles que caracterizam as restantes
cidades de Portugal e as principais tendências nos espaços urbanos europeus, parece
lícito supor que a continuidade da linha demográfica na vila se encaixa no fluxo
corrente que caracteriza a Europa anteriormente.
Prova ainda mais contundente deste
pressuposto é a que nos oferece o Professor Oliveira Marques no estudo atrás
mencionado e que nos diz que: “O número de besteiros do conto, de cerca de
1422, atribuía ao Concelho de Cascais 20 besteiros, cifra igual na comarca da
Estremadura, à de Sintra e à do Soure e próxima à de Alenquer e à de Óbidos”.
Este mesmo número está confirmado no número de besteiro existentes no Algarve,
em linha com o que se passa em espaços pujantes demograficamente como Castro
Marim, Albufeira e Aljezur.