por João Aníbal Henriques
Ali mesmo, onde começa a paisagem
enorme do Alentejo, encontra-se a velhíssima Aldeia de Palma com a sua vetusta
igreja paroquial e um inusitado apelo a uma visita sã e demorada em linha com o
apelo visual imposto pela magnitude do edifício e pelo contraste ineludível
relativamente à singeleza da povoação envolvente.
E apesar de se saber pouco acerca
das origens mais remotas desta localidade, que já foi sede de freguesia e
outrora ficou conhecida como o maior dos latifúndios Portugueses, sabe-se desde
logo que a grandeza e opulência da sua igreja contrasta em definitivo com a
humildade quase pagã das muitas casas que a envolvem.
Acontece assim, numa dicotomia
que se repete vezes sem conta por Portugal fora, basicamente porque a grandiosidade
do templo espelha a riqueza imensa da terra onde o mesmo foi construído, hoje
pejado de sobro e de arroz, mas outrora conhecido pela sua fertilidade pródiga
que deu corpo a lendas e histórias que fazem parte da própria história de
Palma.
É o caso das meloas, que já no Século
XIX foram cantadas como as mais doces de Portugal, como já outrora outros
produtos haviam trazido fama grande a este local.
Ligada de forma absoluta ao nome
do empresário José Maria dos Santos, que em meados do Século XIX adquiriu a
propriedade original ao Conde do Sabugal por setenta e cinco contos mercê de um
processo de litígio judicial que literalmente depauperou o proprietário
original, Palma cresceu desmesuradamente durante esse período. O novo
proprietário, detentor de conhecimentos tecnicamente avançados e de uma
capacidade empreendedora pouco usual no Portugal de então, não só se
entusiasmou com a tarefa de acrescentar mais terras à terra que já tinha, como
ainda introduziu técnicas modernas nas práticas agrícolas que ali concretizou. Os
novos adubos, duplicando a capacidade de produção, permitiram potenciar o valor
da terra e a antiga herdade, habituada a viver ao ritmo lento e sentido do
Alentejo de outros tempos, depressa se transformou num negócio próspero e
pujante, afirmando-se como exemplo para outros empreendedores nacionais.
Toda essa nova dinâmica teve
repercussões na própria igreja local e é ainda hoje visível para quem a visita.
O painel azulejar dedicado a São João Baptista, está datado de finais do Século
XIX e acompanha a alteração do orago original do templo.
Originariamente dedicada a São
Martinho, com notícias documentais que comprovam a sua existência pelo menos
desde 1544, quando o ermitão João Rodrigues aqui viveu, a velha ermida foi
crescendo ao sabor do crescimento da própria propriedade e adquire a sua
volumetria inusitada actual pela mão de João Maria do Santos, que lhe dedicou
uma parte da riqueza que Palma lhe conferiu.
Destruída quase por completo com
o terramoto de 1 de Novembro de 1755, a velha ermida perdeu totalmente as suas
características originais com o processo da reconstrução, sendo actualmente virtualmente
impossível provar factualmente a sua lendária origem do Século XIII.
Mas não deixa de ser irónico que
o dedicatória original a São Martinho, o Santo-Menino que, encaminhado para a
vida de soldado, oferece metade da sua capa de Inverno para proteger um menino
pobre com quem se cruzou durante uma intempérie primaveril, tenha evoluído para
a maior propriedade de Portugal, numa trajectória onde o apelo à pureza
original se verga de forma inclemente à necessidade de afirmação terrena e
material.
Palma, outrora na rota de todos
aqueles que anualmente rumavam de Lisboa para o Algarve, fica ali a meio caminho
entre Águas de Moura e Alcácer-do-Sal, na Estrada Nacional que sucumbiu perante
a imponência da nova auto-estrada que atravessa Portugal. Mas merece o desvio, a
visita e o deslumbramento de um lugar pequenino e singelo mas detentor de uma
História sem igual.