por João Aníbal Henriques
Montemor significa que é
o monte maior… aquele que emerge da paisagem e se impõe perante quem passa. É
simultaneamente um lugar visível, pela sua dimensão, e a partir do qual tudo se
vê nas redondezas, sublinhando a sua importância estratégica na defesa daquele
que ali vivem o quotidiano. Montemor-o-Velho, por ter sido um dos primeiros
bastiões na defesa do recém-nascido Portugal, tem uma História extraordinária e
um conjunto de histórias que não deixam ninguém indiferente. É porventura a
pérola maior na consolidação da Portugalidade!
Fundado oficialmente algures em
meados do Século IX, basicamente porque existem provas documentais da sua
conquista em 848 pelo Rei Asturiano Ramiro I, o Castelo de Montemor-o-Velho foi
sempre um dos mais importantes espaços na definição estratégica da ocupação
humana do território onde se insere.
A elevação natural, conferindo
potencialidades únicas ao nível da defesa contra-ataques inimigos, fez
convergir para ali muitas comunidades humanas, possivelmente desde que os
primeiros Seres Humanos ali se instalaram nos rocambolescos tempos do Paleolítico
Superior. Os vestígios que ficaram dessas ocupações remotas, provavelmente sem
construções de carácter permanente como acontece com o actual castelo, foram-se
esbatendo paulatinamente à medida em que outras comunidades e outras
civilizações foram ocupando o espaço e nele deixando a impressão perene da sua
forma de ser e de viver.
Antes da Cristandade que dará
forma a Portugal, também os Romanos, os Visigodos e os Muçulmanos fizeram desde
monte maior a sua casa, ali construindo (e também sucessivamente destruindo os
vestígios dos que os antecederam) os seus aglomerados habitacionais.
Com uma História que se confunde
com o desenvolvimento da metalurgia em terra da Beira Alta, porque metais como
o estanho eram extraídos da terra e transportados para a capital através das
águas nem sempre serenas do Rio Mondego, o Castelo de Montemor-o-Velho foi
sempre peça-chave na defesa de quem ali passava, cadinho de conforto e refúgio
transitório para quem deambulava por aquelas terras em épocas de grande
agitação e nenhuma segurança.
Um dos momentos mais impactantes
da sua longa História prende-se com a sua conquista por parte de Almançor.
Ainda antes do arranque do novo milénio, quando D. Urraca se entretinha a
redefinir as estruturas de defesa Cristãs da Linha do Mondego, o chefe
muçulmano conquista a fortaleza e altera de forma radical a sua estrutura de
implantação no espaço, reformatando a sua lógica de defesa e preparando-a para
uma ocupação longa e profícua por parte da direcção Islâmica. E, até 1006,
quando Mendo Luz a reconquistou para a Cristandade, assim se manteve
Montemor-o-Velho e o seu velho paço real, coadjuvados em termos espirituais por
uma vetusta mesquita que terá ocupado o espaço que hoje é sensivelmente o mesmo
da Igreja da Alcáçova.
O Templo, com invocação de Nossa
Senhora da Assunção, refulge com a pujança que lhe foi atribuída por D. Jorge d’Almeida
no Século XVI, conferindo-lhe a face renascentista que ainda agora apresenta. A
estatuária, decalcando simbolicamente o antigo espaço da mesquita muçulmana,
assenta numa curiosa figura da Senhora do Ó, marcada com o sinal perene do sangue,
numa invocação extraordinária das histórias maiores que deram corpo às vicissitudes
maiores da História da localidade…
Reza a lenda que algures no
Século IX, o contingente militar Cristão que defendia o espaço foi atacado por
um poderoso exército muçulmano que, com uma grande superioridade militar, não
deu aos defensores qualquer possibilidade de sobrevivência. E estes, denotando
um desespero imenso, tomaram a decisão de degolar todos os Cristãos que ali
habitavam, inclusivamente os seus familiares, numa tentativa de evitar que os
mesmos fossem literalmente chacinados e sodomizados pelos muçulmanos. Mas, com
a força redobrada pelo misterioso martírio, e também possivelmente porque já
nada tinham a perder, acabaram por ser eles próprios a atacar os muçulmanos e o
seu ensejo foi tal que surpreendentemente ganharam a peleja e desbarataram os
invasores. E quando regressaram da batalha, terão sido eles próprios
surpreendidos com a recepção que lhes foi feita pelos compatriotas mortos que,
mercê de um milagre divino, terão sido libertados dos esteios da morte e
ressuscitado para agradecer ao contingente…
Independentemente da veracidade
da lenda, em linha com muitas outras que corporizam de forma quase mágica o
nascimento de Portugal, o certo é que o Castelo de Montemor-o-Velho e a sua
velha capela, depressa se tornaram num eixo estruturante e fundamental para a
afirmação da reconquista Cristã, tendo sido palco, ao longo das décadas
seguintes, de grande parte dos mais importantes episódios da História Nacional.
Terá sido aqui, no dealbar de
1355, que Dom Afonso IV se reuniu com os seus conselheiros e decidiu a morte de
Inês de Castro, num episódio que manchou com o sangue da pobre mulher a longa História
deste local.
E terá sido também aqui que, já
no Século XIX, as tropas francesas se aquartelaram aquando das invasões
napoleónicas, que com a derrota sofrida infligiram importantes perdas à
localidade e ao seu património histórico-cultural, acentuando de forma muito
evidente a perda da sua importância estratégica e encetando um período de
declínio que se arrastou durante muitos anos.
Independentemente de tudo isso, e
até de algum desleixo que Montemor-o-Velho conheceu depois da extinção das
Ordens Religiosas, cada cantos e recanto desta localidade denota o fulgor da
sua História. E as pedras das suas paredes, muitas delas para ali transportadas
há mais do que um milénio, carregam consigo as memórias fortes de episódios que
são basilares para a compreensão do que é Portugal e da importância enorme que
a Identidade Nacional tem para o futuro de todos os Portugueses.
A sua linha de afirmação
religiosa (não é possível esquecer que este castelo foi propriedade essencial
no domínio Templário do centro de Portugal) surge aqui de forma quase inusitada
nos interstícios das suas lendas e histórias. E a Senhora da Assunção que ali
se venera, num apelo inclemente às agruras da vida em antagonismo à plenitude
do Céu, representa Ela própria um caminho de ascenção que este espaço soube
fornecer.
Assumido Altar na triangulação
que a reconquista impôs entre Coimbra, Lisboa e Santarém, é aqui que se centram
as decisões estrategicamente essenciais para a afirmação de Portugal. E a
partir deste espaço, bem implantado na companhia das águas cálidas do Mondego,
se organizam quase todas as actividades que vão permitir à Cristandade a
continuidade do esforço de reconquista e, em última instância, a actual
configuração de Portugal.
Conhecer Montemor-o-Velho, o seu
ancestral castelo e a Igreja de Santa Maria da Alcáçova é, por isso, essencial
para quem pretender conhecer – e compreender – Portugal. Visita obrigatória.