por João Aníbal Henriques
Beira Alta rima com pedra. Os
aglomerados gigantescos de granito que cobrem as encostas das serras e que dão
forma às ruas, aos monumentos e às casas, corporizando um cenário virtualmente
dantesco e prenhe de beleza, no qual as forças telúricas se pressentem em cada
detalhe, são aqui causa e consequência da própria história. E se os vestígios
da acção do homem conspiram entre si para ganhar o ensejo da eternidade, as
eras e os tempos impõem-se como causa maior de um destino que o vento carrega
consigo e nos deixa impunes perante a nossa natural ineficiência. É isto que
acontece em Castelo Rodrigo, onde em cada recanto da calçada ainda ecoam os
passos dos nossos avós.
Castelo Rodrigo é uma povoação
mais antiga do que a própria História. Quando, no Século XII, se formava o
Portugal Moderno, já esta localidade expunha milhares de anos de História, num
exercício cíclico em que a passagem dos séculos e das eras se perpectuava no
tempo.
As suas origens, muito
provavelmente contemporâneas do próprio surgimento do Homem na Terra, estão
atestadas documentalmente a partir do período Paleolítico, uma vez que nas suas
imediações, provavelmente aproveitando as características morfológicas do
espaço, existem diversos vestígios de pinturas rupestres datadas dessa época.
Composta por sociedades de
caça-recolecção, nas quais o território era mero cenário no qual se desenvolvia
tudo aquilo que era necessário fazer para garantir a sobrevivência, a zona onde
actualmente se localiza Castelo Rodrigo dispunha de meios únicos em termos de
fauna e flora para sustentar de forma coerente e suficiente os pequenos grupos
humanos que então existiam. E eles, materializando em pedra e nos demais materiais
que lhes eram propiciados pela natureza as mais profundas essências dos seus
sonhos, não se coibiram de transpor para a eternidade os posicionamentos fortes
que já então tinham e a força básica dos seus pensamentos.
Daí por diante, à medida em que
se aperfeiçoavam as técnicas e em que o acumular da experiência impunha novos
destinos ao próprio destino, o caminho fez-se através do aprofundar desta
linear relação de dependência entre o homem e o espaço. E nesta altura, com a
bitola paulatina da sobrevivência sempre presente, surgem as primeiras
necessidades de adaptação da natureza para responder melhor às cada vez maiores
necessidades específicas que as comunidades iam apresentando.
A linha de horizonte de Castelo
Rodrigo vive por inteiro, provavelmente como mais nenhuma em Portugal, os altos
e baixos da sua longuíssima História. E o recorte ambíguo da sua forte muralha,
num plano de continuidade que nos transporta ao longo da sinuosidade dos velhos
arruamentos até ao espaço do castelo, surge pontilhada pelas cores das casas,
dos telhados e das cantarias estruturantes dos postigos e janelas.
A mistura de estilos, a profusão
de cores e mesmo a imensa panóplia de características díspares que caracterizam
a população fica desta forma a dever-se por um lado à longuíssima linha de
tempo que acompanha a localidade e a sua História e, por outro, ao facto de a
mesma ter sido construída e reconstruída em registos civilizacionais
completamente diferente entre si.
Depois dos povoamentos
ancestrais, dos quais nos chegaram os sinais artísticos deixados pelos nossos
pré-históricos avoengos, estiveram naquela que é agora a localidade de Castelo
Rodrigo os Túrdulos e os Romanos, antes de a mesma ter sido bastião da
urbanidade muçulmana que antecedeu de forma imediata a recristianização nos
primórdios da medievalidade Ibérica.
Nessa época, mercê das lutas de
conquista e de reconquista, assistimos a um declínio enorme da antiga pujança
de Castelo Rodrigo, visível na maior precariedade e na insegurança que resultava
da sua estratégica situação no nóvel País acabado de nascer, condicionando
assim a sensação de longevidade e de bem estar que são necessários a quem corajosamente
investe os seus meios na construção e na reconstrução dos seus alojamentos.
Mercê da sua localização em plena
rota da peregrinação Ibérica a Santiago de Compostela, conheceu novo alento a
partir do renascimento com o reforço da sua oferta religiosa que, como é
natural, significou um aumento da pujança económica do sítio, o enriquecimento
eos seus principais habitantes e novo reforço das estruturas construídas então.
É esse fenómeno que explica grande parte das estruturas renascentistas que por
ali ainda se encontram, nomeadamente as muitas janelas extraordinárias que
ostentam em si a magnificência de um País ele próprio pujante e muito empenhado
em alargar as fronteiras do Mundo de então.
A Igreja Matriz de Castelo
Rodrigo, construída no Século XIII, foi dedicada a Nossa Senhora de Rocamador,
em linha com a sua entrega a uma Ordem de Frades Hospitalários que se dedicavam
a ajudar os peregrinos que ali passavam em direcção a Compostela.
Muito interessante, até porque
reforça a conflituosa identidade de castelo Rodrigo no seio do seu papel estruturante
na definição da própria História de Portugal, é o antigo brasão da localidade
com o seu escudo invertido e a inusitada disposição dos vários elementos que
lhe dão forma. E a explicação, resultante de uma decisão Real tomada por Dom
João I aquando da sua aclamação como Rei de Portugal, deriva do apoio que a
povoação e os seus habitantes deram a Dona Beatriz, herdeira legítima da Coroa
mas casada com o Rei de Castela, que definiu a grande crise dinástica de
1383-1385 e determinou o início da nova Dinastia de Aviz ao poder. Por castigo
Real, as armas de Portugal eram ali ostentadas de pernas para o ar!
Castelo Rodrigo, depois da
desgraça política que lhe aconteceu, instada também pelo declínio natural que
toda a região conheceu em época mais recente, acabou definitivamente por perder
a importância que sempre teve e viu-se desagrada em termos municipais com a
construção de Figueira de Castelo Rodrigo uns quilómetros ao lado.
Ficou a pujança de um sítio único.
Ficou a sua beleza sem igual… e a harmonia que dela emana como cadinho especial
e único de toda a excelência que traduz a Identidade Nacional. A visita é
obrigatória.