por João Aníbal Henriques
Ainda não se conhecem os meandros da história que está por detrás da Villa Romana de Rio Maior. Mas há dois mil anos atrás, este era certamente um dos mais importantes núcleos da romanidade ibérica. Os vestígios encontrados até agora, e o excepcional projecto de musealização desenvolvido pela Câmara Municipal de Rio Maior, trazem essa importância para o quotidiano actual, porque este sítio arqueológico, ainda só parcialmente escavado e estudado é já de si uma âncora extraordinária para o turismo nacional e merece uma visita demorada para o usufruto pleno de toda a riqueza do lugar.
Quando Francisco Pereira de
Sousa, ainda no Século XIX, anunciou a descoberta de um conjunto singelo de
vestígios romanos na então vila de Rio Maior, estava muito longe de imaginar a
importância e o impacto que aquele sítio arqueológico haveria de desvendar ao
longo dos séculos seguintes.
De facto, e apesar de somente na
década de 80 do século passado a Câmara Municipal ter dado início ao processo
de escavação arqueológica e de estudo mais aprofundado do espaço, possivelmente
motivada pela proximidade ao cemitério e aos vestígios que nesse espaço estavam
a ser profusamente encontrados, o certo é que a Villa Romana de Rio Maior
rapidamente desvendou a sua importância enquanto repositório maior de
informação sobre a vida no actual Ribatejo durante o período da romanização.
Com uma datação provável (embora
ainda provisória) dos primeiros séculos do primeiro milénio d.C., a Villa
Romana de Rio Maior faria parte de uma estrutura agrícola de grandes dimensões
que abarcaria um perímetro que ultrapassa largamente a parte agora musealizada.
Os vestígios aqui encontrados,
dos quais os mais marcantes é a conhecida e emblemática Ninfa, apontam para a
existência de um espaço cerimonial e simbolicamente relacionado com os cultos
aquíferos e, por extensão, para a ritualística maior da fertilidade. Para aí
apontam os muitos vestígios de mosaicos magníficos que atapetavam todo o espaço
senhorial, e que estão bem visíveis através da estrutura de visitação agora
inaugurada, e sobretudo a extensão cumulativa de significados que estende a
simbólica deste espaço até à cristianização do lugar.
A já mencionada proximidade do
cemitério municipal é, aliás, tradutora maior desta realidade, uma vez que
mantém incólume o carácter sagrado do espaço através dos milénios que
decorreram desde a sua construção.
Aspecto essencial na abordagem ao
espaço é a presença já dentro dos muros do cemitério dos restos da torre que terá
pertencido à primitiva Igreja Matriz de Rio Maior. Com dedicação a Nossa
Senhora da Conceição, a divindade de cariz feminino que dá continuidade aos cultos
à fertilidade no seio do panteão romano, este templo seria provavelmente o
centro do espaço sagrado da antiga exploração agrícola do Baixo-Império dado
não ter sido encontrado até agora o espaço consagrado que certamente teria
servido os moradores do local. Destruída pelo terramoto de 1755, a antiga
igreja Paleocristã seria datada do Século XII, dado existirem referências documentais
a ela no inventário dos bens da Colegiada de Santa Maria da Alcáçova de
Santarém.
A continuidade crono-espacial
desta ritualística, em linha com o carácter fecundo das crenças tradicionais e
dos cultos desenvolvidos nesta região, denota assim a ligação perene das gentes
que ali habitaram à terra em que viveram. Interdependentes, até porque a fertilidade
do espaço terá sido a razão maior que explica a prosperidade e a riqueza do
local, a produção agrícola que envolveria o palácio senhorial agora musealizado
seria de tal forma marcante que se estenderia em termos de impacto às
principais cidades romanas existentes na periferia.
Com a sua localização estratégica
num espaço central que é quase equidistante a Leiria, Santarém e Lisboa, Rio
Maior seria fulcro abastecedor de todas estas cidades, concentrando ali as
estruturas que permitiam o movimento e a prosperidade comercial de toda a
região.
A qualidade dos materiais
arqueológicos encontrados, todos eles denotando e comprovando este pressuposto,
reforça a convicção de que ao longo dos últimos dois mil anos, Rio Maior foi
sempre pólo aglutinador de vontade e, por isso, centro nevrálgico de
desenvolvimento em Portugal.
Com a recente intervenção no local, e com a criação do edifício que permite uma visitação e o usufruto de todo o espólio ali encontrado, a Câmara Municipal de Rio Maior literalmente devolve à população uma das maiores riquezas da cidade, ajudando cada munícipe a conhecer e compreender melhor as suas origens e a identidade da sua terra.
Classificada como Sítio de Interesse Público
através da Portaria nº 22 de 2014 (publicada no Diário da República nº 7 de 10
de Janeiro desse mesmo ano) esta Villa Romana é, em termos turísticos, um novo
museu que transforma também Rio Maior num espaço de visita obrigatória para
quem viaja pela região, oferecendo com a pujança e a riqueza deste seu novo
espaço motivos acrescidos de interesse para quem quiser vir conhecer outros monumentos
e pontos de interesse da cidade e do território municipal.
Tradicional e conservador, o povo
de Rio Maior foi sempre capaz de crescer e de se adaptar às mudanças impostas
pela evolução e pelo progresso mantendo bem firmes as pontes com o passado que
determina as suas origens e os alicerces da sua identidade. Com a redescoberta
deste Villa Romana, fica definitivamente comprovada a existência de uma linha muito
consistente que em termos culturais estabelece uma relação de significância
profunda entre o presente e o passo.
Até porque só assim, com os pés
bem assentes na terra e com a consciência plena das nossas origens, podemos
aspirar a um futuro próspero e empreendedor, inabalável pelas vicissitudes que
o destino nos imporá.
Está de parabéns a Câmara Municipal
de Rio Maior e todas as suas gentes.