por João Aníbal Henriques
O profundo vale de Cheleiros, no actual Concelho de Mafra, surge marcado pelo profundo bucolismo e por um apelo à ruralidade ancestral da região. O rio, calcorreando lentamente os antigos quintais, serviu sempre de manancial do qual depende a sobrevivência daquelas gentes. E lá no meio, usufruindo de uma privilegiada posição de cenário numa paisagem que não deixa ninguém indiferente, a singela ponte velha transmite um carácter de vetustez que potencia os ecos antigos dos passos por ali dados pelos nossos avós.
Ninguém conhece com exactidão as
origens da Ponte Velha de Cheleiros. A tradição popular, provavelmente assente
nas muitas histórias que proliferam plenas de encanto, apontam para uma origem
romana deste monumento.
E provavelmente terão razão. Até porque, no que à envolvente diz respeito, toda a região está repleta de vestígios da presença romana. E, nesse contexto, natural seria que a rede viária fosse essencial para facilitar o trânsito entre as várias comunidades e, dessa maneira, para sustentar o fluxo comercial que era determinante para o sucesso nesses tempos.
A ligação entre Mafra e Sintra,
ambos pólos de reconhecida influência na estrutura económica romana, determinam
a necessidade imperiosa de se transpor o Vale de Cheleiros e a ribeira que o
divide a meio. A ponte, com a sua estrutura alicerçada em grandes silhares de
excelente emparelhamento, aponta para essa origem construtiva, apesar de muito
do seu aspecto actual resultar de sucessivas renovações e adaptações que lhe
foram impostas ao longo dos séculos.
Assim, o arco de volta perfeita
com provável origem romana, terá sido complementado já durante a Idade Média,
pela estrutura actual, na qual, porventura devido à evolução técnica no uso da
pedra, foi adossado um tabuleiro em cavalete, com dupla rampa ascendente,
sinais evidentes de um trabalho marcadamente medieval.
A reforçar esta teoria, que linearmente nos remete para o dealbar da própria nacionalidade, está o facto de Cheleiros ter recebido Carta Foral emitida por Dom Sancho I em 1195. Esse facto, comprovativo da importância ancestral do povoado, foi certamente determinante para o reforço monumental da localidade, facto que fica plasmado na magnífica Igreja Matriz, provavelmente contemporânea destes factos e na existência de sinais relevantes da existência de uma antiga estrutura amuralhada que defendia as comunidades de ataques inimigos que por ali pudessem passar.
Mais tarde, já no Século XVI, o
Rei Dom Manuel confirma o Foral de Cheleiros, reforçando os vínculos criados no
Século XII. E já no Século XVIII, quando em Mafra se constrói o magnífico
palácio-convento, Cheleiros terá reforçado a sua importância estratégica por
ser canal essencial de passagem para essa nova centralidade.
Classificada como imóvel de
interesse público desde 1982, altura em que foi novamente intervencionada e
recuperada, a Ponte Velha de Cheleiros é hoje um símbolo incontornável da
região, assumindo-se como testemunho histórico de primeira importância para percebermos
como se processaram as dinâmicas políticas e sociais nesta região durante os
inícios da medievalidade.
É uma visita obrigatória para quem quer conhecer Portugal.