por João Aníbal Henriques
São Miguel é o forte e sempre leal defensor dos oprimidos. É ele quem determina o desfecho das grandes lutas interiores, derrotando o mal e promovendo a ascenção dos pecadores em direcção ao céu. Guardião primordial do Trono Celeste, São Miguel é aquele que mais se aproxima do esplendor do Pai, mantendo a liderança dos anjos fiéis e garantido a vitória final contra o mal.
Em Évora, junto ao denominado
Páteo de São Miguel, existe uma singela capela que esconde um preciso e ímpar
segredo. A Ermida de São Miguel, fundada originalmente no Século XII logo
depois da tomada da cidade aos Mouros, apresenta actualmente um traço
arquitectonicamente pouco interessante, mercê de várias adaptações e transformações
sofridas ao longo dos Séculos, mas guarda consigo a História extraordinária da
mítica devoção do primeiro Rei Português ao mais forte de todos os Arcanjos.
Diz a lenda que quando Dom Afonso
Henriques se preparava para resgatar a cidade de Santarém à mourama, apareceu no
céu aos soldados lusos o braço armado de São Miguel e uma asa. Em virtude desse
sinal, o monarca teria decidido ali mesmo criar uma Ordem Militar de Cavalaria
que honrasse esse testemunho e que motivasse o exército Português a erguer a
sua força através da Fé.
A Ordem Militar de São Miguel da
ALA (ou da ASA), cresce assim na sombra da formação mítica da nacionalidade,
emprestando-lhe uma aura de misticismo e de intervenção celeste que explica
muito do fervor que os pequenos grupos de soldados lusitanos detinham quando
empreendiam (e quase sempre venciam) as muitas pelejas que foram necessárias
para criar o Estado Independente de Portugal.
Depois da Conquista de Évora, em
1165, Dom Afonso Henriques entrega o velho castelo (provavelmente não mais do
que uma pequena fortificação precária situada numa das zonas mais altas da
cidade) à Ordem Militar de São Bento de Calatrava, conferindo-lhe igualmente o
dever de zelar pela reformulação da estrutura defensiva de Évora e, concomitantemente,
pela construção de um templo dedicado ao Arcanjo São Miguel.
A construção, originalmente
marcada pela singeleza que sempre surge associada a momentos de grande crise e
alvoroço político, manteve o estilo chão tradicional daquela zona do Alentejo e
foi-se reformatando aos gostos das várias épocas que se sucederam.
A abside manuelina, que a
reconstrução seiscentista deixou intacta, é um dos poucos motivos de interesse
formal do edifício, que se estende à escultura Joanina do arcanjo padroeiro.
Classificada como Imóvel de
Interesse Público desde 1939, a Ermida de São Miguel passa actualmente
despercebida ao visitante mais distraído. Não só pela simplicidade com que se
impõe no seio da monumentalidade extraordinária da cidade, como também pela sua
integração no espaço de animação ali concretizado pela Fundação Eugénio de
Almeida.
O segredo que guarda, e que poucos eborenses conhecem é, no entanto, muito maior do que a própria cidade, a região ou mesmo Portugal… porque encerra em si próprio o ensejo maior de um alicerce espiritual que deu forma à devoção e que permitiu consagrar o novo País numa Europa convulsa e avessa a esses feitos.
São Miguel Arcanjo, expoente máximo da devoção, encerra a força e a determinação necessárias para que se cumpra Portugal.É nele que reside a esperança e a Fé que Agostinho e outros congéneres colocaram na recupação do esplendor Nacional.