por João Aníbal Henriques
Diz Pedro Falcão na sua incontornável obra literária “Cascais Menino”, que
é impossível falar de Cascais sem mencionar o Sporting Club da Parada. De
facto, desde 1879, quando os terrenos da antiga parada militar da Cidadela de
Cascais foram desanexados para se constituir o clube cascalense, que este se
tornou no coração da vida social, cultural e política de Cascais e do Portugal de
então.
O Sporting Club da Parada era um espaço exclusivo, num recinto murado e
fechado, onde só entravam aqueles que pertenciam à elite local. Foi ali, mercê
do empenho e espírito empreendedor de gente relevante das principais famílias
tradicionais de Cascais, como os Avillez, os Ereira, os Falcões, os Pinto basto
ou os Castelo-Branco, que se constituiu o núcleo pensante do Cascais da
Monarquia, onde reside a génese do Cascais cosmopolita e visceralmente
turístico onde hoje vivemos.
Mas há uma figura que se impõe na forma como nasceu, cresceu e se
consolidou o Sporting Club da Parada e a própria Vila de Cascais. El-Rei Dom
Carlos, que entre outros predicados possuía uma vastíssima cultura marítima e
um amor incondicional ao mar de Cascais e a tudo aquilo que lhe diz respeito,
foi peça fulcral na transformação da velha vila piscatória num burgo pujante e
de referência no panorama português do final do Século XIX.
A sua ligação forte à Parada e à vida social que ali se consolidava,
resulta de forma eficaz num catalisador que eleva Cascais às mais altas
instâncias da aristocracia e do empresariado de então. As grandes figuras da
nação e os grandes problemas políticos e económicos que ensombraram Portugal
entre 1879 e 1950 passaram todos pelo escrutínio apetado dos cascalenses que fruíam
da Parada de Cascais como fórum relevante para a discussão do futuro de
Portugal.
E na área dos desportos, do ténis ao futebol, passando pelo cricket, pelo
golfe ou pelo rugby, foi no velho recinto da Parada de Cascais que nasceram os
seus embriões, catapultando o prestígio e a glória da vila cascalenses até
paragens além-fronteiras. As primeiras gincanas automóveis aconteceram ali e
foi dentro daquele recinto que as grandes figuras do ciclismo português deram
os primeiros passos no sentido de colocar Portugal como referência nesse
desporto a nível internacional.
A ligação forte do Rei Dom Carlos ao Clube da Parada, cruzada de forma
permanente com a sua relação profícua com o mar, fizeram com que tenha sido ali
que muitas vezes o monarca reunia as grandes figuras das artes plásticas
nacionais para discutir posições e para definir caminhos novos para a cultura
portuguesa. As suas pinturas, maioritariamente dedicadas ao mar, aos barcos e
aos recortes pitorescos da costa de Cascais, conheceram ali a sua apoteose,
quando o Rei, nos saraus magníficos ali organizados, os oferecia aos seus amigos
frequentadores deste espaço indiscutivelmente essencial para a vida quotidiano
de muitos portugueses.
Quando em 1974 aconteceu a revolução portuguesa, o Sporting Clube da Parada
foi encerrado, ocupado e o seu espólio saqueado sem apelo nem agravo. E o
espaço, outrora prenhe daquilo que era a génese social da vida nesta pequena
terra, ficou abandonado até 1976, quando a edilidade resolveu adquiri-lo e
adaptá-lo a museu.
O Museu do Mar, que a partir de 1997 ganhou o cognome do rei pintor,
cientista e poeta, era uma aspiração antiga do povo cascalense. Com um impulso
muito sentido da sociedade civil local, que se uniu em torno deste comum
desiderato de adaptar os velhos pavilhões do Clube da Parada no Museu do Mar, depressa
o museu do mar reassumiu a essência maior do recinto de outros tempos,
recuperando a memória e a alma do Cascais de sempre.
Hoje existem outros museus extraordinários na nossa terra. Existem espaços
culturais dotados de moderna tecnologia e de condições de visitação que mantêm
Cascais na primeira linha da oferta cultural dos portugueses. Mas nenhum desses
espaços tem, pela sua localização, pelos edifícios que o compõem, pela ligação
anímica a Cascais e aos Cascalenses, a importância que o Museu do Mar vive
quotidianamente.
Assim que entramos no portão, percorrendo a velha alameda que nos leva até
ao pavilhão principal onde se situada a recepção do Museu do Mar, sentimos no
ar as memórias muito vividas de um espaço onde nasceu e se afirmou o Cascais
onde hoje vivemos. É ali, na frondosidade sombria das árvores enormes que
enchem os espaços onde outrora se situavam os tanques e os campos de “lawn-tennis”,
que ecoam ainda as vozes sempre subtis dos nossos avós que fizeram do Cascais
de então a maravilha que actualmente temos.
Cada um daqueles cantos e recantos está cheio de encanto. E a magia maior de um Cascais que nasceu de cara virada ao mar é ali que se sente!
Dizia o já referido Pedro Falcão (Dom Simão do Santíssimo Sacramento Pedro
Cotta Falcão de Aranha e Menezes), expoente máximo da cascalidade vivida e
sentida, que “a Parada, onde se juntava a nobreza, estava para Cascais como
anel de brazão está para quem o traz no dedo”.
E o Museu do Mar, congregando na sua imagética a Alma e a Espírito de
Cascais é, por tudo isso, o mais importante de todos os museus cascalenses. Que
dure para sempre! A bem de Cascais!