quinta-feira

O Sagrado e o Profano na História da Educação





Nas sociedades ditas primitivas, tal como o demonstram os vestígios arqueológicos que são hoje já bastante conhecidos, os actos de cada indivíduo são considerados pelos outros como possuindo repercussões directas sobre a vida de cada um. Se, por exemplo, um determinado caçador consegue criar uma técnica de caça que lhe permita caçar mais do que os restantes, alimentando-se melhor e contribuindo positivamente para a fundamentação do posicionamento da sua família no seio do seu grupo, esta descoberta modifica de forma assaz curiosa a organização de toda a comunidade que, em forma de espiral crescente, vai sendo afectada pela modificação que, numa primeira fase, apenas havia afectado o indivíduo singular. Numa situação de excelência, em que o criador consegue ainda utilizar e controlar o saber sem que o mesmo seja conhecido ou controlado pelos seus parceiros, a nova armadilha ou a nova técnica de caça vai progressivamente influindo no estatuto político e social do protagonista. Em sociedades já estruturadas, hierarquizadas e organizadas, o segredo do poder não pode estar restringido ao conhecimento, pois nesse caso a mais valia social preexistente seria permanentemente posta em causa sempre que algo de novo fosse descoberto. Neste tipo de sociedades, a transcendência do poder, que inicialmente havia sido artificialmente suportada pelo conhecimento, deriva para um grau efectivamente superior, ultrapassando a própria essência daquilo que se sabe e estabelecendo um posicionamento político e social que deriva de uma institucionalização de índole religiosa.





Simplificando: quem descobre, por exemplo, como interpretar os fenómenos naturais de modo a melhor a sua produtividade agrícola, vai beneficiar ao nível da sua produção de um acréscimo e de uma melhoria significativa da sua qualidade de vida. A validade deste conhecimento, e a manutenção das regalias a ele inerentes, mais do que do próprio saber, deriva da forma como se gere e garante o controle efectivo daquilo que se sabe, pois caso contrário, alargando o âmbito dessa descoberta à generalidade dos membros do grupo, a qualidade de vida de todos tornar-se-ia igual e, para desespero do descobridor, o seu poder, carisma e estatuto perder-se-iam. A forma mais eficaz de manter os privilégios inerentes à descoberta, numa sociedade de tipo primitivo, passa por conseguir fechar o círculo daqueles que controlam a novidade, criando e estabelecendo regras pedagógicas que permitam, por exemplo, a manutenção do saber dentro do círculo fechado da família nuclear. Como as descobertas podem ser realizadas por qualquer dos outros membros ou famílias que compõem este grupo, é evidentemente necessário que o descobridor, para além do controle pedagógico do saber que lhe garante a posição social e política, consiga criar uma estrutura que garanta a manutenção, independentemente do conhecimento adquirido da mais valia que obteve com a descoberta. A solução para este problema, na generalidade dos povos e das culturas estudadas até à actualidade passa sempre pelo estabelecimento de um edifício político com base religiosa, fazendo o sagrado suportar o poder profano e vice-versa.