No meio das mais macabras
estórias que dão forma à História de Portugal, o processo que culminou com a
execução da Família Távora, em Lisboa no tempo do Rei Dom José, é certamente um
dos mais rocambolescos e enigmáticos, tendo deixado vestígios que sobrevivem
passados mais de duzentos e cinquenta anos.
por João Aníbal Henriques
Estando situado numa das zonas
mais movimentadas de Belém, a poucos metros do Mosteiro dos Jerónimos e dos
afamados Pastéis de Belém, o Beco do Chão Salgado é desconhecido e passa
despercebido da maioria dos muitos visitantes que por ali deambulam.
O pequeno beco, apinhado de
casario que foi enchendo o antigo terreiro no qual havia sido proibido
construir, está marcado por um obelisco em pedra que perpetua um dos mais
significantes momentos da nossa história.
Depois do terramoto de 1755, que destruiu
a Baixa de Lisboa e o palácio real que se situava no antigo Terreiro do Paço, o
Rei Dom José e a Corte ficaram provisoriamente instalados na Ajuda, num
conjunto de barracas montadas para o efeito e para onde foram transportados
todos os luxos e mordomais da Casa Real.
Numa das suas incursões à cidade,
dizem as más línguas que para visitar umas amigas, o rei terá sido alvo de um
atentado em 1758, quando regressava à Ajuda, desencadeando um processo judicial
complexo e pouco transparente que alterou por completo a História Moderna de
Portugal e do qual ainda hoje não se conhecem nem os contornos, nem a
substância e muito menos a realidade efectiva do que aconteceu.
O Marquês de Pombal, aproveitando
a oportunidade para resolver o problema político que mais o apoquentava na
época, ou seja, as permanentes tentativas por parte da velha nobreza para
condicionar o poder e para impedir o absolutismo real, conseguiu que a acusação
incidisse sobre a Família Távora que foi condenada, sem provas, pelo atentado à
vida do rei.
Logo depois do atentado foram
presos dois homens que, em declarações prestadas à polícia sob tortura, acusam
os Távoras de lhes terem pago para perpetrar o crime, com o objectivo de
colocar o Duque de Aveiro no trono.
Embora negando a autoria do
atentado, toda a Família Távora foi condenada à morte, inclusivamente mulheres
e crianças, num espectáculo público de execução a que assistiram milhares de
Lisboetas. Por intercessão da rainha e da princesa herdeira, muito marcadas
pelo carácter macabro do caso, as crianças acabaram por ser poupadas, sendo que
não foram capazes de salvar a Marquesa de Távora que foi executada juntamente com
os homens da sua família.
Depois de terem as mãos e pés
partidos para deleite do rei, que assistiu a todo o macabro espectáculo, e de
terem sido massacrados perante o resto da corte e da demais nobreza do reino
que assistiu perplexa a um acontecimento encenado para deixar bem claro quem
mandava em Portugal, todos os membros da família foram decapitados e queimados,
sendo as suas cinzas deitadas ao Rio Tejo.
Depois de os seus bens terem sido
confiscados e as famílias apagadas dos registos da nobreza Portuguesa, o
Palácio do Duque de Aveiro, em Belém, foi demolido, tendo todo espaço sido
coberto de sal e decretada a impossibilidade de se voltar a construir por ali o
que quer que seja. No local foi construído um obelisco com vários círculos concêntricos simbolizando cada um dos elementos da família que foram executados, com a seguinte inscrição: "Aqui foram arrasadas e salgadas as casas de José Mascarenhas, exautorado das honras de Duque de Aveiro e outras condemnado por sentença proferida na Suprema Junta de Inconfidência em 12 de Janeiro de 1759, justiçado como um dos chefes do bárbaro e execrando desacato que na noite de 3 de Setembro de 1758 se havia cometido contra a Real e Sagrada pessoa de Dom José I. Neste terreno infame se não poderá edificar em tempo algum".
Simbolizando a devastação total e
o apagar completo da memória daquelas gentes, o Beco do Chão Salgado foi, até à
morte do rei Dom José e a chegada ao trono da Rainha Don Maria I, que nunca
apoiou nem teve simpatia pelo Marquês de Pombal, um dos mais impactantes
símbolos do poder político em Portugal.
Dois séculos e meio depois, são
poucos os Portugueses que conhecem a história e muito menos aqueles que já visitaram
este sítio tão especial. A memória do Chão Salgado, naquele recanto escuro de
Belém, é a prova-viva de que, ao contrário do que se costuma dizer, os brandos
costumes dos Portugueses nem sempre são para levar à letra…