“Era uma Vez em Angola” é
o título do primeiro romance de Guilherme Valadão. Publicado recentemente pela
Bertrand, esta surpreendente incursão no mundo da ficção transporta-nos ao
longo de muitos quilómetros num percurso difícil entre as cidades de Lobito e
de Luanda, na Angola dos anos 40.
Com uma linguagem simples e muito
acessível, Guilherme Valadão deixa transparecer a profundidade de uma história
em que se sentem os laivos de memória de uma vida – da sua vida – num exercício
complexo que conjuga a serenidade de quem muito fez e de quem muito faz, com a
ingenuidade própria do rapazinho que dá a cara por este enredo original.
Nas páginas de “Era uma Vez em Angola”, que de uma
forma quase magnética nos prendem ao destino de um João Botelho ainda muito
novo mas já reflectindo os arquétipos mais profundos de um saber ancestral que
se vive sem ser necessário aprender, encontramos a emoção própria do desnorte de
uma criança que deambula por uma África que nos enche a boca com o pó cru que
se levanta com o vento, com as paisagens inesquecíveis que só quem lá esteve
sabe descrever e com os sons, sabores e aromas antiquíssimos que acompanham o
devir da humanidade que desde sempre ali foi capaz de viver. Quase é possível
ouvir, ao virar de cada página, os batuques das comunidades por onde João
Botelho passou ou sentir no ar o estrugido do peixe cozinhado tradicionalmente…
E a acompanhar a viagem, os laivos omnipresentes dos valores da família, da
amizade, do amor e da honestidade profunda, suporte da narrativa onde vamos
descobrindo o seu autor e redescobrindo novos ensejos que ajudam a perceber o
que é viver.
As memórias que Guilherme Valadão
mascara por detrás de uma história comovente, descobrem-se progressivamente à
medida que a história vai trazendo à superfície os sinais incontornáveis de um
conjunto de sonhos pessoais que ele não tem a capacidade de esconder. Está lá e
sente-se a riquíssima experiência de vida do autor, as sólidas e estruturantes vivências
da sua família e um laivo de esperança que, mesmo no desânimo, ele deixa
transparecer.
Também lá está, naquilo que o
autor dá a entender que é uma ponte entre os tempos e as eras, uma mensagem de
futuro, transversal à herança que Valadão quer deixar aos seus netos e que
neste livro partilha através de uma interessante estratégia que conjuga o
passado e o futuro através de um presente que deve ser permanentemente
aproveitado e sofregamente entendido como o mais importante de todos os
alicerces.
Em suma, “Era uma vez em Angola” transborda de uma África vivida de forma
inebriante e seduz pela ligação permanente ao autor e às memórias únicas que se
vão descobrindo ao longo do enredo. É uma leitura que envolve quem nunca teve a
sorte de ter vivido África e, certamente, que não deixará indiferente quem lá
esteve.