João Aníbal Henriques
O exercício cénico que resulta do
horizonte verde que se espalha para lá do rio é realidade recente, do Século
XIX, quando o arroz substituiu o sal enquanto gerador da riqueza de quantos
habitavam naquele espaço. Mas, algures por entre as pedras antigas alcandoradas
no topo da colina do castelo, sente-se no ar uma paz desconcertante que
contrasta de forma ávida com a guerra que permanente assolou a cidade de Alcácer
do sal.
Situada no Distrito de Setúbal, a
História de Alcácer faz-se de um conjunto muito rocambolesco de rocambolescos episódios
que se sucederam de forma sucessiva na construção daquele espaço. Habitada
desde a pré-história, quando o local onde hoje se situa a Pousada Dom Afonso II
era já um espaço amuralhado para defender o precioso sal, a cidade foi descendo
a colina até à beira-rio, à medida que se apaziguavam os ânimos e se estabeleciam
os poderes definitivos que lhe conferiram a formulação espacial que hoje nos
apresenta.
Salacia Imperatoria Urbs, dando
corpo e fazendo jus à riqueza de sempre de Alcácer do Sal, foi sempre ponto de
referência neste troço final do Rio Sado, impondo-se à realidade nativa
pré-existente e abrindo caminho para a magnificência imperial que os Árabes
souberam aproveitar.
Embora não esteja ainda provado,
pois as campanhas arqueológicas ainda seguem inconclusivas, parece que o local
onde se situa a actual Igreja Matriz, teria sido anteriormente a Mesquita Maior
do tempo dos Árabes. O certo, porque subsistem hoje vários elementos dessa
época integrados na arquitectura cristã e tardo-românica que a caracteriza, é
que há cerca de dois mil anos, a Igreja
de Santa Maria do Castelo seria um templo romano. E, mais importante ainda, as
colunas que estão visíveis na estrutura actual comprovam que o edifício romano
subsistia quando se procedeu à reforma da Igreja, nos idos do Século XIII, que
lhe conferiu o aspecto actual.
Reconquistada em definitivo para
a cristandade em época já tardia e quando reinava Afonso II, depois de um
processo muito complicado de conquistas e reconquistas que se prolongou
praticamente desde a fundação da Nacionalidade, a cidade foi-se aglomerando
inicialmente dentro do perímetro amuralhado, principalmente no espaço situado
junto à igreja, e só posteriormente se alastrou ao declive que nos leva até ao
Sado.
A Igreja Matriz, espécie de
sentinela altiva guardando as memórias dos tempos e das eras que por ali
deixaram marcas, foi classificada como Imóvel de Interesse Público em 1951 e
partilha a sua localização privilegiada com o antigo paço real onde actualmente
funciona a pousada (e onde se diz que será criado um espaço museológico para expor
os muitos materiais de grande interesse e importância que foram sendo
recolhidos na região).