por João Aníbal Henriques
O dogma da Imaculada Conceição
faz parte dos mais ancestrais arquétipos da Portugalidade. Praticamente desde a
fundação da nacionalidade, provavelmente recuperando laivos de Fé que nos
chegam desde o princípio dos tempos, que a Senhora da Conceição está directamente
ligada aos mais importantes acontecimentos que regem a História de Portugal.
Em termos oficiais, foi no dia 8
de Dezembro de 1325, a pedido da Rainha Santa Isabel e por proposta do Bispo
Dom Raimundo de Coimbra, que Nossa Senhora da Conceição foi decretada Padroeira
de Portugal. Anos mais tarde, depois da Restauração da Independência Nacional, o
Rei Dom João IV consagrou Portugal a Nossa Senhora da Conceição, sendo que
desde essa altura, num reconhecimento perene à sua intervenção relativamente ao
destino de Portugal, nenhum monarca Português voltou a usar a Coroa, colocada
na imagem venerada em Vila Viçosa.
Também em 1385, na chegada ao
trono da Dinastia de Avis, é Nossa Senhora da Conceição que corporiza a
devoção principal de Portugal. Dom João I, Mestre de Avis, bem como o seu braço
direito, o Condestável D. Nun’Álvares Pereira, dedicam a Nossa Senhora as suas
vitórias e consagram-lhe o País numa profunda devoção. O Mosteiro de Santa
Maria da Batalha, por um lado, e o Convento do Carmo, por outro, utilizam como
sustentáculo de Fé precisamente o despojamento total relativamente à materialidade
e uma entrega plena à Divindade. O Condestável, do alto do imenso poder
político e económico que havia conquistado, entrega mesmo a sua vida, os seus
bens e a sua própria identidade a Nossa Senhora, tendo morrido como simples Frei
Nuno de Santa Maria, num exercício de despojamento total que representa a consagração
profunda de Portugal ao seu novo estado.
Em Cascais, são vários os espaços
de culto dedicados a Nossa Senhora da Conceição e geralmente relacionados com
espaços de raiz rural, nos quais a memória colectiva preserva lembranças de
antigos milagres onde a principal marca é a transmutação da matéria. Numa abordagem
eminentemente alquímica relacionada com a importância de Nossa Senhora na
defesa dos mais pobres e dos mais desesperados, numa linha que entronca nos
milagres atribuídos à Rainha Santa, simultaneamente mulher do Rei Dom Dinis e
zeladora dos interesses (leia-se conhecimentos) templários preservados em Portugal
através da Ordem de Cristo, Nossa Senhora da Conceição intervêm directamente
junto da comunidade Cascalense, interferindo positivamente no seu quotidiano e
provocando alterações profundas na prática religiosa desta Nossa Terra.
Na localidade da Conceição da
Abóboda, junto a Polima, na Freguesia de São Domingos de Rana, Nossa Senhora
apareceu a uma pobre e esfomeada pastora que por ali andava a tomar conta do
seu rebanho. Pedindo-lhe que se dirigisse à vizinha localidade de Freiria,
enquanto ela própria zelava pelos animais do rebanho, Nossa Senhora indicou à
pastora um forno de pão ao qual se deveria dirigir para pedir alimento. Ali
chegada, a pastorinha explicou à forneira que a Senhora lhe tinha aparecido e
pedido que colocasse para si um pouco de pão no forno. Esta, zombeteira e não
acreditando na criança, põe no forno uma bola minúscula de massa que, depois de
cozer se transforma num enorme pão. Não o querendo entregar, repete a operação
com uma quantidade de massa ainda mais reduzida, mas o fenómeno volta a
repetir-se de igual maneira. E numa terceira tentativa, colocando no forno uma
míseras migalhas de farinha que dão origem ao maior pão jamais cozido naquele
forno, a padeira apercebe-se da estranheza do que estava a acontecer e
convence-se de que fora efectivamente a Senhora da Conceição que ali estava a
intervir.
Simultaneamente, perto do local
onde havia ficado o rebanho, um fidalgo local andava a caçar lebres. Um
acidente, no entanto, fez com que a sua espingarda tivesse rebentado com um
tiro mas, milagrosamente, sem lhe provocar qualquer espécie de ferimento. Tentando
perceber o que se passava, o senhor encontra a pastorinha e a forneira que lhe
contam o que se havia passado, tendo ele mandado erguer uma pequena ermida no
local onde aparecera Nossa Senhora, como agradecimento pela sua intervenção
miraculosa no acidente que sofreu.
A Capela de Nossa Senhora da
Conceição da Abóboda é, assim, um testemunho físico extraordinário da ligação
precoce que o povo de Cascais tem à Padroeira de Portugal, numa expressão de
singeleza profunda que segue em linha com o apelo ao despojamento que o culto
mariano expressa na sua origem sagrada.
De linhas simples e com elementos
decorativos de índole profundamente rural, a capela apresenta uma só nave, onde
sobressai a pedra tumular datada de 1579 mandada construir por Frei Gonçalo de
Azevedo e o remate do arco de acesso ao Altar no qual se podem ver as cruzes da
Ordem de Malta, à qual pertencia o frade fundador. No corpo da capela, merece
especial destaque a imagem de Nossa Senhora do Ó, de origem desconhecida mas
certamente de origem ainda medieval, entroncando no culto provavelmente
pré-Cristão que evolui até chegar precisamente à Senhora da Conceição.
A singeleza da velhinha Capela de
Nossa Senhora da Conceição da Abóboda contrasta de forma extraordinária com a
grandeza do significado profundo que ela agrega e, sobretudo, com a sua
importância na definição da Identidade Cascalense. Assumindo que a própria
Nacionalidade depende das bases de sustentação ao nível da cultura e da
espiritualidade, facilmente se percebe que a Capela da Abóboda é peça essencial
do património municipal de Cascais.
Deve ser conhecida, reconhecido e
valorizada.
A bem de Cascais!