por João Aníbal Henriques
Só existe um adjectivo com a
abrangência suficiente para descrever de forma capaz o popularmente designado
Forte do Abano, situado a Norte da Praia do Guincho, em pleno Parque Natural
Sintra-Cascais: incrível!
Sendo um momento singelo de raiz
militar, semelhante tipologicamente a tantos outros existentes ao longo da
nossa linha de costa e construído especificamente para garantir a segurança do
território Nacional perante eventuais investidas marítimas dos nossos muitos
inimigos, é único na sua relação com o espaço e com o enquadramento cénico que
lhe dá forma.
A sua localização, num
promontório rochoso entre as Praias do Guincho e do Abano, plena e
permanentemente fustigado pela fúria das ondas do mar e pelo vento que chega
agreste e forte vindo da Serra de Sintra, confere-lhe um impacto sem par na
paisagem. À sua volta, no contraste permanente entre o azul do mar, o branco
das nuvens e o verde forte das encostas que dali seguem até à Peninha, a vista
alonga-se através de um dos mais inesquecíveis cenários do Concelho de Cascais,
potenciando a sua presença e reforçando a sua importância estratégica na
definição da vocação turística municipal.
Incrível também porque, até
contextualizando o monumento na sua mera função figurativa enquanto esteio
promocional do turismo desta região, o estado deplorável de abandono,
vandalismo latente e degradação acentuada, representa um autêntico atentado ao
património de Cascais, dos Cascalenses e mesmo de Portugal.
É totalmente inconcebível que num
país como Portugal e num Concelho como o de Cascais, nos quais a projecção da
importância do sector turístico é tão grande, seja possível deixar que
desleixadamente este tipo de equipamentos se vá perdendo por incúria, incapacidade e desinteresse das entidades públicas, perdendo
não só todo o valor cultural que a ele está inerente, como também todo o enorme
conjunto de potencialidades económicas, empresariais, culturais, patrimoniais,
educativas e outras que o mesmo apresenta. É inconcebível e intolerável que o
Estado Português, responsável tutelar pela salvaguarda dos valores que os
Portugueses lhe deram à guarda, permita que este tipo de peças patrimoniais
chegue a este estado de abandono, não efectuando sequer o mínimo esforço para
garantir que os mesmos estão fechados e inacessíveis aos vândalos que os vão
degradando.
E infelizmente, este não é caso
único, nem singular em Cascais e em Portugal! Intolerável e incrível!
O Forte das Velas, sendo peça
integrante no esforço efectuado depois da Restauração da Independência Nacional
em 1640, faz parte de um complexo de vários fortes que cruzavam fogo sobre as
principais enseadas marítimas de Cascais, recriando uma cortina que visava
impedir desembarques indesejados nas principais praias do concelho.
Com a volumetria tradicional da
sua época, o também designado Forte do Abano foi construído em 1642 por ordem
de D. António Luís de Castro, Conde de Cantanhede e Governador da Praça de
Cascais, e inicialmente guarnecido por sete peças de artilharia pesada.
Classificado como Imóvel de
Interesse Público através do Decreto 129/77, de Setembro de 1977, foi alvo de
várias obras de requalificação e adaptação ao longo dos anos, que lhe
conferiram o aspecto que hoje apresenta.
Na componente de alojamento,
teria inicialmente três corpos cobertos virados a Este, protegidos da força do
mar pelo terraço onde se instalava o grosso da artilharia, e terá sido
reformado em meados do Século XIX, quando o desenvolvimento de novas técnicas
militares possibilitou a libertação de algum do espaço de aquartelamento, perdendo
o corpo central que foi substituído por um pequeno terraço a céu aberto e pela
nova cisterna de captação de água corrente.
Da estrutura inicial são ainda de
salientar as duas chaminés de aquecimento dos corpos de alojamento situados
junto à entrada, vandalizadas possivelmente de forma irrecuperável em época
recente, bem como a estrutura de transporte e captação das águas para o seu
espaço de armazenamento.
Com o enquadramento cénico único
propiciado pelo espaço onde se encontra, o Forte das Velas é uma das peças
patrimoniais que mais interesse desperta junto dos muitos milhares de veraneantes
e passeantes que frequentam a Praia do Guincho, que quase sempre sobem o espaço
da encosta para o observar mais de perto.
Sobre a porta da entrada,
praticamente ilegível debaixo do Escudo de Armas Português, a placa
comemorativa da sua inauguração desperta o gracejo dos que o visitam. Em
acentuada degradação e em estado de ruína eminente, é simultaneamente um
tesouro precioso e um perigo imenso, com a acessibilidade privilegiada que tem
cruzada com a falta de controle de quem por ali transita.
Resta pouco tempo de vida ao
Forte das Velas. Até porque para além do vandalismo a que está sujeito quotidianamente,
os próprios elementos se encarregam de o ir destruindo.
Com o seu desaparecimento e
paulatina degradação perde Cascais, perdem os Cascalenses e todos os
Portugueses. Incrível que seja assim!