Cumprem-se hoje 466 desde o
nascimento de Dom Sebastião de Portugal. O Desejado de Alcácer Quibir, que
carrega consigo o fado maior que explica o fado de Portugal, transcende largamente o homem que foi Rei, pois
enquadra, contextualiza e explica muito daquilo que é a essência mais profunda
de Portugal. 466 anos depois do seu nascimento, urge celebrar o Desejado,
porque nele subsistem, mesmo tantas agruras depois do seu misterioso
desaparecimento, as esperanças maiores de um País inteiramente inquietante.
por João Aníbal Henriques
El-Rei Dom Sebastião, filho do Príncipe
Dom João e neto d’El Rei Dom João III, nasceu num dos mais conturbados e
controversos momento dinásticos de Portugal. A morte dos vários filhos do Rei e
a inexistência de descendência por parte dos que sobreviveram, condicionou de
tal maneira as possibilidade de sucessão no trono que, até ao nascimento de Dom
Sebastião, a única possibilidade viável seria a da entrega do trono à Princesa
D. Maria Manuela que, por força das contrariedades, sendo casada com o Rei D.
Filipe II de Espanha, naturalmente representaria a entrega da independência de
Portugal ao nosso vizinho do lado.
Dom Sebastião foi assim, mesmo antes
do seu nascimento, o Rei desejado, aquele no qual Portugal inteiro depositava
as suas esperanças e do qual se esperava a restauração do esplendor perdido de
um País que ainda pouco tempos antes havia conseguido mudar o Mundo e
enriquecer de forma desmesurada.
E as contrariedades, agravadas
por ser ele filho único de um pai que faleceu dias antes do seu nascimento,
originando um movimento fervoroso de misticismo em torno do seu bom parto, aumentaram
ainda mais quando morreu igualmente o seu avô, El-Rei Dom João III, quando o
novo príncipe tinha apenas três anos de idade.
Terá sido, aliás, este clima de
super-protecção e quase endeusamento, que terá conferido ao príncipe o seu
conhecido e reconhecido mau feitio e uma soberba sem igual. Rezam as história
da História, numa crónica prenhe de detalhes, que Dom Sebastião era uma figura
de muito difícil trato. Não recebia ninguém, não se permitia dar ouvidos a nada
e decidia tudo a seu bel-prazer do alto do seu pedestal sagrado, numa atitude
de autismo profundo que condicionada de forma grave a sua noção do Mundo e de
tudo aquilo que o rodeava.
Depois de um período sem grandes
histórias, que correspondeu à sua infância e às regências da sua avó Catarina da
Áustria e do seu tio-avô o Cardeal Dom Henrique, Dom Sebastião subiu ao trono
quando atingiu os quatorze anos de idade, numa cerimónia lendariamente marcada
pela intervenção do matemático Pedro Nunes, de Alcácer do Sal, que alegadamente
terá tentado adiar este acto por ter visto nos astros que a data lhe era aziaga…
Os dez anos que durou o reinado
foram marcados por um declínio paulatino de Portugal. O Rei, muito condicionado
pela sua visão distorcida da vida e do Mundo, sonhou quimericamente com os
grandes feitos das conquistas de outros tempos e a sua faceta religiosa,
possivelmente resultante da pressão sofrida durante toda a sua infância, impunham-lhe
a determinação de se transformar num novo cruzado. Extemporâneo e teimoso,
dedicou a grande maior do seu tempo a rezar e a preparar uma incursão gloriosa
no Norte de África, arrastando consigo, até porque a Corte não ousava contrariá-lo,
as riquezas e o prestígio que ainda restavam ao País que ele governava.
Da sua privada resta também muito
pouco. Tímido e introvertido, características que agravava com uma soberba sem
igual, El Rei Dom Sebastião abominava as mulheres que considerava sempre serem
a personificação do diabo. E, nessa luta contra a natureza e contra si próprio,
agravava a componente mística da sua personalidade, mergulhando num cenário de
irrealidade que o impediu de aceitar as normais rotinas de casamento e, por consequência,
a descendência pela qual todo o povo ansiava.
A quimera africana, em linha com
a megalomania egocêntrica que caracterizou todo o seu reinado, culminou, como
todos sabem, na fatídica batalha de Alcácer Quibir que dizimou quase por
completo a aristocracia de Portugal e deixou órfão o País inteiro. Ninguém viu morrer
Dom Sebastião às mãos dos mouros naquela peleja. Até porque, sendo nobres os
que foram e nobres igualmente os poucos que conseguiram regressar, parecia mal
e era imoral deixar morrer o Rei sem por ele morrer primeiro… e por isso
ninguém viu, ninguém soube nem ninguém sabe o que aconteceu ao jovem, inquieto
e perdulário Rei de Portugal.
O Dom Sebastião que hoje
recordamos não é exactamente aquele que nasceu há 466 anos, nem tão pouco o que
pereceu de forma inglória no Norte de África. Por detrás desta figura,
literalmente encoberto pelo nevoeiro de muitas eras e desfigurado pelo mais
iniciático mito da Portugalidade, está o Quinto Império de Portugal, aquela
ideia inconcreta do que há-de vir e que se afigurará num esplendor total para
gáudio de todos e para glória da Nação.
O império salvífico que assim se
esconde, conhecido de uns poucos, ansiado por outros tantos e pressentido por todos,
não se traduz por palavras nem se concretiza na matéria vil do desencanto. É um
sonho, que como tal comanda a vida e que, no caso concreto de Dom Sebastião, se
traduz numa demanda geracional e secular por algo de bom que nunca chega mas
que se sabe que está ali mesmo, escondida de forma harmoniosa por detrás da
cortina de nevoeiro que nos envolve a Alma.
Esta é a Alma de Portugal. Esta é
a demanda do Graal que corporiza a Lusitânia gloriosa que tantos sonharam. Este
é a Via Verdadeira em direcção ao reinado pleno de quem conhece o segredo primordial…
Diz-se em Sintra que “quem nasce
em Portugal é por missão ou por castigo”, e que mais importante do que o que
temos ou fazemos, o que somos é que define a diferença entre o bem e o mal.
Dom Sebastião não existe. E
apesar de ter nascido naquela madrugada fria de um Janeiro qualquer, perdeu-se
na História e deu corpo a uma história que é a maior de Portugal.
Paz à sua Alma!